Notas e Reflexões Sobre Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Discurso de Ódio e Exigência de Justiça

AutorMarcos de Jesus Oliveira
CargoUniversidade de Brasília (UnB), Brasília-DF, Brasil
Páginas169-187
Notas e Reexões Sobre Direitos Humanos,
Liberdade de Expressão, Discurso de Ódio
e Exigência de Justiça
Marcos de Jesus Oliveira*
Universidade de Brasília (UnB), Brasília-DF, Brasil
A vontade dos indivíduos deve inscrever-se em uma realidade cujo mono-
pólio os governos quiseram reservar para si mesmos – esse monopólio que
é preciso arrancar pouco a pouco e a cada dia.
Michel Foucault. Face aux gouvernements, les droits de l’homme.
Introdução: sobre certa gramática moral de nosso tempo
Nas últimas décadas, conf‌igurou-se uma paisagem político-cultural na
qual o reconhecimento das diferenças e do caráter necessariamente plural
das sociedades modernas se tornou inspirador de um conjunto de ações e
de atitudes. É bem verdade que o problema da diferença parece atravessar
parte da história das sociedades ocidentais e de suas ref‌lexões. Em sua
teoria dualista dos dois mundos, por exemplo, Platão opunha essência e
aparência, original e cópia, verdade e mimesis. O esforço do f‌ilósofo grego
consistia em explicar o caráter múltiplo e transitório da realidade ou, em
uma chave de leitura menos benevolente, em tornar a diferença devir do-
minado. Af‌irmar que o reconhecimento da diferença se tornou uma das
questões mais importantes dos dias de hoje requer, portanto, circunscrever
um pouco o contexto de sua enunciação, de suas práticas.
Direito, Estado e Sociedade n.45 p. 169 a 187 jul/dez 2014
* Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Possui Licenciatura em Letras e mestrado em
Literatura e Práticas Sociais pela mesma universidade. Também é licenciado em Sociologia pela Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente, é Pesquisador-Colaborador Pleno do
Departamento de Sociologia (SOL/UnB) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres (NEPeM/UnB).
E-mail: oliveiramark@yahoo.com.br.
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As demandas pelo reconhecimento das diferenças aqui referidas dizem
respeito àquelas que na atualidade se ancoram, ainda que parcialmente, em
gramáticas cujas estruturas sintático-normativas se orientam para o com-
bate à discriminação, ao preconceito e à violência física, simbólica e/ou
material. Essa linguagem do reconhecimento tem dado origem a inúmeras
expressões, como, por exemplo, misoginia, racismo, homofobia, intolerân-
cia religiosa etc. Conforme assinalaram Lourdes Bandeira e Analía Batista
(2002), as expressões impactam a produção de teorias e de conceitos ten-
dentes à interpretação de tais realidades com o intuito de traçar caminhos
para sua tortuosa superação. No entanto, existem conf‌litos e disputas em
torno de como def‌ini-las, tanto no interior da produção acadêmica como
no das relações cotidianas, havendo também pontos de tensionamentos
entre ambas.
Na esfera estatal, a reivindicação de proteção de grupos historica-
mente vítimas de violência, as chamadas minorias, tem colocado desaf‌ios à
reivindicação do monopólio do uso de meios violentos e da força como um
dos traços distintivos e característicos do Estado moderno (Cf. ADORNO,
2002; ELIAS, 1993, 1994; GIDDENS, 2008; PORTO, 2000; WEBER,
2000). Certas leituras, sobretudo, nas ciências sociais, a respeito do papel
do Estado tendem a enfatizar seu potencial pacif‌icador e apaziguador das
relações conf‌litivas entre os cidadãos (WACQUANT, 2008) bem como sua
importância na mediação e na administração do convívio de costumes di-
ferentes e de comunidades morais distintas (SEGATO, 2006). A despeito
disso, as ciências sociais também produziram inúmeras leituras que acen-
tuam o caráter arbitrário e violento do Estado, como se observa nas análi-
ses de Karl Marx (Cf. MARX, 2004) e de autores marxistas e pós-marxistas
(ALTHUSSER, 1985; BOURDIEU, 1996; GRAMSCI, 2004). Uma das crí-
ticas mais contundentes ao Estado foi levada a cabo por Michel Foucault,
cujas ref‌lexões mostram como a racionalidade estatal moderna se funda no
gerenciamento da vida, no direito de deixar morrer e de deixar viver, por
meio de processos de assujeitamento dos corpos e de controle da popula-
ção (Cf., por exemplo, FOUCAULT, 1988).
Embora a tensão entre “Estado protetor” e “Estado violador” pareça ser
constitutiva do Estado moderno, alguns grupos minoritários têm apostado
na sua dimensão pacif‌icadora e vêm tentando pressioná-lo a legislar em
relação a uma forma específ‌ica de violência, de discriminação e de precon-
ceito, a saber, o discurso de ódio, objeto de apreciação do presente ensaio
Marcos de Jesus Oliveira

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