A norma de competência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza das pessoas físicas: limitações materiais e imunidades 'implícitas

AutorJosé Luiz Crivelli Filho
CargoEspecialista em Direito Tributário pelo IBET/SP. Mestrando em Direito Tributário, Econômico e Financeiro na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado em São Paulo
Páginas157-169

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Introdução

O presente estudo possui objetivo muito singelo: analisar a norma de competência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza das pessoas físicas e, ato contínuo algumas das limitações materiais que envolvem o ato de produção da regra-matriz de incidência deste tributo, mormente no que diz respeito às restrições e vedações à dedução de despesas criadas pelo legislador infraconstitucional.

Nos três primeiros tópicos traçaremos algumas noções fundamentais. Estabeleceremos a importância da linguagem enquanto constitutiva da realidade jurídica, bem como para a produção dos atos de fala deônticos pelos quais opera o Direito. Em seguida, diferenciaremos texto e norma, buscando traçar a estrutura lógica desta última. No terceiro tópico, teceremos breves comentários acerca das fontes do direito e da atividade de enunciação.

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No quarto tópico dedicaremos esforço à construção da norma de competência tributária, estabelecendo os critérios que compõem o seu antecedente e o seu consequente, a fim de compreendermos a sua operacionalidade.

No último tópico, feriremos o assunto principal, buscando demonstrar, em linhas breves, que os direitos sociais constantes nos arts. e 7º, IV, da Carta Magna de 1988 con-figuram regras de imunidade implícitas, componentes das limitações materiais veiculadas pela norma de competência tributária. Para isso, buscaremos construir o conceito constitucional de renda, a hipótese de incidência e a base de cálculo possíveis da regra-matriz de incidência deste tributo, a fim de demonstrar que as limitações e vedações à dedução de despesas, tais como postas pelo legislador infraconstitucional, não se compatibilizam com a norma de competência tributária.

1. Direito e linguagem

A tradicional teoria do conhecimento via a linguagem como o elo de conexão entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscido; uma proposição seria verdadeira se a sua descrição correspondesse integralmente ao objeto referido. Com o advento do giro-linguístico, a linguagem passa a ser autorreferencial, constituindo a realidade e o próprio ser cognoscente; a verdade, por sua vez, torna-se múltipla e variável. Se a dogmática tradicional defendia que o sentido era extraído do texto, hoje não há mais dúvidas de que o sentido é construído pelo intérprete, envolto em suas ideologias e valores, de acordo com os limites de seu mundo, ou melhor, os limites de sua linguagem.

O direito consiste em linguagem. Os enunciados prescritivos postos no ordenamento jurídico expressam-se em linguagem; a produção normativa se dá por meio do processo de enunciação, para o qual se exige a linguagem; a incidência da norma jurídica exige ato humano que produza linguagem competente. Em síntese: o direito se expressa por meio da linguagem, e, assim, atinge o seu objetivo principal que é o de regular as condutas intersubjetivas. É com base nesta ideia que abordaremos os temas objeto deste estudo.

2. Texto e norma

Direito positivo é o conjunto de enunciados prescritivos, cujo suporte físico é, em regra, o papel. Com base nestes textos, o intérprete não extrai o sentido, mas sim o constrói, influenciado por sua ideologia, seus valores e suas preferências, sendo que deste labor exegético, exsurgirá a norma jurídica, juízo hipotético-condicional dotado de um antecedente e de um consequente. Todas as normas jurídicas possuem este arranjo sintático, embora o conteúdo semântico seja variável. A norma de competência tributária, como se verá adiante, não escapa desta estrutura lógica.

De se ver, portanto, que a norma jurídica é a significação que o intérprete atribui aos textos do direito positivo, a partir da interpretação. É produzida em sua mente, estabelecendo os vínculos de coordenação e subordinação com as demais normas existentes, conformando o sistema jurídico. Em simbolismo lógico, podemos esquematizar a norma jurídica da seguinte forma: D[f (S’ R S’’)], ou seja, deve ser que, dado o fato F, então seja instalada a relação jurídica R, entre os sujeitos S’ e S’’.1Texto e norma, portanto, não se confundem. De um enunciado prescritivo podemos construir uma, várias ou nenhuma norma jurídica; por vezes, de dois ou mais dispositivos, constrói-se apenas uma norma jurídica, e assim sucessivamente. Por isso concordamos com a observação de Humberto Ávila, no sentido de que "não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma - isto é, onde houver um não terá obrigatoriamente de haver o outro".2

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Como proposições prescritivas que são não se submetem ao binômio verdadeiro/falso, mas sim ao binômio válido/inválido. Para ser válida, a norma jurídica deve pertencer a determinado sistema "S", ou seja, há que ser editada e inserida no sistema por autoridade competente, mediante observância do procedimento estipulado pelo próprio sistema. Vê-se que a validade não é um atributo da norma jurídica, mas sim a sua relação com o sistema do direito positivo.

3. Fontes do Direito: a atividade de enunciação

Se partimos da premissa de que o direito opera por linguagem, então é certo afirmar que sua origem deve necessariamente dela advir. Daí falarmos no processo de enunciação. Em brilhante estudo sobre as fontes do direito tributário, Tarek Moyses Moussallem afirma que "o fato produtor de normas é o fato-enunciação, ou seja, a atividade exercida pelo agente competente. Falamos em fato-enunciação porque a atividade de produção normativa é sempre realizada por atos de fala".3A criação do direito incumbe aos órgãos habilitados pelo próprio sistema jurídico, que estabelece os procedimentos para a inserção de novas normas jurídicas no sistema. Não obstante, a atividade que estes órgãos realizam também se considera fonte do direito.

As normas ingressam no sistema do direito positivo mediante a introdução por outra norma, geral e concreta, pela qual reconstruímos o processo de produção norma-tiva, verificando sua validade ou invalidade. É pela enunciação-enunciada que verificamos se o órgão que editou o ato normativo foi o competente, se o local e o tempo da produção normativa se coadunam com as regras do direito posto e, principalmente, se o procedimento adotado encontra-se em consonância com as demais prescrições do sistema.

A norma jurídica introduzida consiste no apanhado de enunciados-enunciados, que serão interpretados pelo intérprete; ao atribuir significado aos vocábulos que compõem todo este fraseado normativo, construirá o intérprete a sua norma jurídica, de acordo com a estrutura lógica já mencionada. A norma de competência tributária foi introduzida por norma geral e concreta que tem em seu antecedente o processo de enunciação realizado pela Assembleia Constituinte em coordenadas de tempo e espaço determinadas e, no consequente, a obrigação de que os sujeitos detentores da competência tributária respeitem os enunciados-enunciados que compõem a norma de competência tributária.

Feitas estas brevíssimas digressões, sem o intuito de esgotar assunto tão rico, passamos a analisar a norma de competência tributária do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza das pessoas físicas.

4. A norma de competência tributária do imposto sobre a renda das pessoas físicas
4. 1 Sobre a competência tributária

Competência tributária4consiste em parcela de poder que permite ao ente legiferante instituir tributos, bem como expedir normas jurídicas sobre a matéria. O cálculo normativo entre as regras atributivas de competências e aquelas que veiculam imunidades traz como resultado a norma de competência, que por sua vez define o âmbito material de produção da norma jurídica tributária.

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O poder de instituir tributos não é livre encontrando rígidas limitações postas no plano constitucional, cabendo ao legislador infraconstitucional a sua observância, sob pena de inconstitucionalidade. No tocante aos impostos (arts. 153 a 156) e às contribuições sociais do art. 195, o legislador constituinte optou por estabelecer materialidades hábeis a justificar a tributação.

A discriminação de competências veicula um limite material ao exercício do poder de tributar. É dizer, o legislador infra-constitucional só poderá instituir impostos e contribuições sociais, desde que respeitadas as materialidades postas nas regras de competência.5"Competência" é signo linguístico que experimenta diversas acepções. Tárek Moyses Moussallem identifica seis possíveis acepções: "(1) indicativo de uma norma jurídica; (2) qualidade jurídica de um determinado sujeito; (3) relação jurídica (legislativa) modalizada pelo functor permitido entre o órgão competente (direito subjetivo) e os demais sujeitos da comunidade (dever jurídico de absterem); (4) hipótese da norma de produção normativa que prescreve em seu consequente o procedimento para a produção normativa (se o agente competente quiser exercer a competência para produzir uma norma ‘y’ deve ser a obrigação de observar o procedimento ‘z’); (5) previsão do exercício da competência que, aliada ao procedimento para a produção normativa, resulta na criação de enunciados prescritivos que a todos obrigam, e a que denominaremos norma sobre a produção jurídica; e (6) veículo introdutor que tem no seu...

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