Os Nordestes de Freyre e Furtado

AutorJosé Henrique Artigas de Godoy
CargoDoutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, São Paulo - Brasil
Páginas61-88
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 12 - Nº 24 - Mai./Ago. de 2013
6161 – 88
Os Nordestes de Freyre e Furtado1
José Henrique Artigas de Godoy2
Resumo
O artigo busca relacionar duas interpretações clássicas do pensamento social e econômico do
Brasil e do Nordeste formuladas por Gilberto Freyre e Celso Furtado. Freyre foi um dos respon-
sáveis pela def‌inição da categoria Nordeste a partir de referenciais não apenas naturais, mas
também sociais, econômicos, políticos e culturais. Furtado, por sua vez, foi o mais destacado
intelectual a defender políticas públicas regionais para o Nordeste, realçando as características
particulares que condicionavam a subordinação política, social, econômica e cultural da região
em relação ao Centro-Sul do país. Com trajetórias de vida bastante diferentes, Freyre e Furtado
expõem retratos díspares do Brasil e do Nordeste. Escreveram sob conjunturas e referenciais
analíticos diversos, não obstante apresentam abordagens inovadoras que se aproximam na busca
totalizante de uma explicação verdadeira do Brasil, do Nordeste e do nordestino.
Palavras-chave: Gilberto Freyre. Celso Furtado. Nordeste.
1. Introdução: cosmopolitismo e regionalismo
Este artigo busca relacionar distintas interpretações que zeram escola no
pensamento social e econômico do Brasil e do Nordeste em dois momentos
históricos marcados por mudanças estruturais, os anos 20 e 30 do século XX,
inuenciados pelo regionalismo e pelo getulismo, e os 50 e 60, quando são
defendidas novas estratégias de desenvolvimento e integração nacional. Nestes
diferentes momentos-chave dos processos de modernização, Gilberto Freyre
e Celso Furtado expuseram retratos díspares do Brasil e do Nordeste. Os
1 Este artigo é uma versão modif‌icada de paper apresentado à 34ª Reunião Anual da Associação Nacional de
Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), de 2010. O texto original também envolvia a trajetória e a obra
de Joaquim Nabuco. Agradeço comentários e críticas recebidos quando da apresentação, especialmente vindos
de José Murilo de Carvalho, Nísia Trindade Lima, Ricardo Benzaquem de Araújo, Luis Werneck Vianna e Rubem
Barbosa Filho.
2 Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, e professor do Departamento de
Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
João Pessoa, Brasil. É autor de artigos publicados nas revistas CSOnline (UFJF, 2010), Cadernos Imbondeiro
(2010) e Política & Trabalho (Impresso) (UFPB, 2009). E-mail: jhartigasgodoy@gmail.com.
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2013v12n24p61
Os Nordestes de Freyre e Furtado | José Henrique Artigas de Godoy
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autores apresentam abordagens inovadoras e inaugurais na história do pensa-
mento brasileiro. Cada qual escrevendo sob uma conjuntura e um referencial
analítico particulares, aproximam-se na busca totalizante de uma explicação
verdadeira do Brasil, do Nordeste e do nordestino.
Freyre era pernambucano do Recife, Furtado, paraibano da sertane-
ja Pombal. A produção intelectual de ambos foi vastíssima. Reetiram so-
bre o Nordeste sem jamais renderem-se ao provincianismo localista. Foram
cosmopolitas.
Freyre teve uma formação com fortes referências anglo-saxãs. Desde mui-
to cedo vivenciou a tradição protestante e teve uma trajetória educacional em
instituições bilíngues, estudou no Colégio Americano Gilreath e depois no
liceu batista norte-americano do Recife. As inuências culturais anglo-saxãs
foram um estímulo aos estudos superiores, feitos nos Estados Unidos – nas
universidades de Baylor, no Texas, e Columbia, em Nova York – e continuados
na Inglaterra, em Oxford. Após graduar-se, defendeu o Masters of Arts em
Columbia, com um trabalho escrito em inglês, embora já versando sobre a
temática que o celebrizou: a vida social no Brasil em meados do século XIX.
Na Inglaterra, Freyre aprofundou seus estudos sobre sexualidade na formação
patriarcal brasileira. Mais tarde, ao voltar para o exterior como professor vi-
sitante de Stanford, o autor teve a oportunidade de visitar os estados do sul
dos Estados Unidos, o que foi importante para vericar as particularidades
históricas do modelo escravista brasileiro. No exterior escreveu Casa-grande e
senzala, parcialmente rascunhado em Nova York, sob o estímulo de Oliveira
Lima. Após 1951 se alinhou ao salazarismo e rodou o mundo procurando
aproximar em torno do lusotropicalismo os povos colonizados pelos portugue-
ses. Mais tarde, as tendências favoráveis aos norte-americanos levaram o Ins-
tituto Joaquim Nabuco, idealizado por Freyre, a se tornar um instrumento da
“Aliança para o progresso”, seguindo o discurso panamericanista de Nabuco,
embora sob uma circunstância distinta, de explícito imperialismo. As relações
de intimidade com Castelo Branco reforçaram suas posições em favor do ali-
nhamento irrestrito aos interesses dos Estados Unidos. Em 1967 foi digni-
cado com o título de Cavaleiro Comandante do Império Britânico, atribuído
pela rainha Elizabeth. Destacando as inuências aristocráticas e anglo-saxãs,
Maria Lúcia Pallares Burke classica Freyre como um vitoriano nos trópicos.

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