A Intuição no Campo do Direito

AutorPedro Paulo Teixeira Manus
Ocupação do AutorMinistro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho. Professor da PUC-SP.
Páginas270-279

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Intuição é uma forma de conhecimento imediato de determinado objeto. Pensemos um pouco sobre esta afirmação.

Quando cogitamos a respeito das formas de pensamento do homem, somos levados, normal-mente, a cogitar da dedução e da indução, que são formas de raciocínio, pelas quais, de forma mediata, tomamos conhecimento dos fatos que nos cercam.

Assim, centramos nosso pensamento nestes dois modos de raciocinar, esquecendo da intuição, que como já referido, também se constitui numa forma de conhecimento. É curioso sublinhar que no dia a dia utilizamos tanto a dedução, quanto a intuição como formas de raciocinar, o que fazemos desde os primeiros anos de nossas vidas, mas ao refletir a respeito, esquecemos da intuição.

Utilizando a expressão raciocínio no seu sentido preciso, estamos falando de uma operação mental através da qual passamos de algumas premissas para uma nova premissa, que é a conclusão. Vemos, portanto, a razão de afirmar que o raciocínio é uma forma de utilizar a inteligência para alcançar outras informações, mas sempre de forma mediata.

Para a lógica interessa o resultado desta operação psicológica, como nos informa André Franco Montoro1, que é o seu produto, denominado argumentação.

Eis porque se afirma que a argumentação é uma sequência de proposições em razão das quais se extrai uma nova proposição, que tem como base as anteriores e que se denomina conclusão. Esta estrutura lógica de pensamento a que nos referimos, dá origem a duas espécies de raciocínio, que são a dedução e a indução.

A dedução é a forma de argumentação que decorre de um elemento de natureza total, o que significa que se trata de forma mediata de conhecimento.

Com efeito, partindo de uma premissa de caráter total e subsumindo uma premissa àquela, extraímos a conclusão, que decorre de um tipo de argumentação que vai do total para o particular.

Já a indução, que pode ser do tipo generalizadora ou analógica, apresenta estrutura formal semelhante àquela típica da dedução, mas parte de premissa de caráter particular, levando à conclusão. Esta conclusão pode nos dar uma informação de caráter geral, tratando-se de hipótese de indução generalizadora, ou pode fornecer, também uma nova informação, mas por analogia, se estivermos cogitando da hipótese de indução analógica.

Eis porque os autores afirmam que na argumentação dedutiva a conclusão está contida nas premissas que a ensejam, ainda que de forma implícita. Já

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na indução, a conclusão alcançada é diversa das informações que nos trazem as premissas, daí porque se diz que a argumentação indutiva agrega, pela sua conclusão, nova informação. Tal não ocorre na dedução, porque, como mencionado, a informação contida na conclusão já havia sido referida nas premissas.

Podemos agora compreender o exato sentido da afirmação de que tanto a dedução quanto a indução constituem formas mediatas de raciocínio. Isso porque, como vimos, ambas pressupõem o conhecimento de premissas anteriores, a fim de chegarmos a outra informação, que é a conclusão. Este não é o processo de conhecimento que se verifica através da intuição.

Inicialmente afirmamos que a intuição é uma forma de conhecimento imediato de determinado objeto, afirmação esta que contrapõe a intuição, como forma de conhecimento, à noção de dedução e indução, pois são ambas formas mediatas de adquirir o conhecimento.

Do ponto de vista etimológico, como nos informa Jacob Bazarian2 (intuição deriva do latim, in tueri, que significa "ver em", contemplar; intuitus, que significa visão, contemplação; intuitio, ato de ver contemplar.

Afirma Jacob Bazarian3 que nesse sentido "a intuição é um conhecimento direto, uma espécie de visão imediata dos objetos e de suas relações com outros objetos, sem uso de raciocínio discursivo. É nesse sentido que se diz que a intuição é uma percepção, visão ou contemplação".

Desse modo a intuição é uma forma de conhecimento que prescinde do discurso típico e necessário para o conhecimento indutivo ou dedutivo. Não se intui através de raciocínio, mas de forma direta, sem qualquer intermediação.

Tomamos conhecimento de um determinado objeto, ao olhá-lo, de forma direta. O cientista faz uma descoberta em seu campo de trabalho, igualmente de forma direta, e o momento em que se dá o fenômeno da descoberta ocorre sem qualquer intermediação de seus conhecimentos anteriores.

O poeta e o pintor, no momento em que captam a imagem a se transformar no poema, ou a ser transposta para a tela, igualmente têm a visão da ideia de forma mediata.

A sensação de que algo não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo, igualmente é intuitiva, não necessitando raciocínio para tanto. Ainda exemplificando, ao jurista, o ideal de justiça também é intuitivo, porque decorre de uma sensação.

Todos estes exemplos são de intuição nos variados campos do conhecimento humano. Note-se que o conhecimento, a descoberta, o captar a imagem, o ideal de justiça, são todos frutos da intuição, conhecimento imediato. Outra questão é a compreensão ou a explicação de cada um desses fenômenos e de seu processo de realização, que se dará através da indução ou da dedução.

O que nos interessa, quanto ao conceito de intuição, é sublinhar que se trata de uma forma imediata de conhecimento e que, como veremos, está presente entre nós nas variadas áreas de atuação do homem.

Ao tomarmos contato com a literatura que se ocupa da intuição, constatamos que, de fato, há muita confusão, já no que se refere ao conceito. Tem razão

J. Bazarian4 ao afirmar que a propósito existe uma verdadeira "torre de babel", pois os autores utilizam o conceito de intuição de forma diversa.

Isso, porém, para os que lidam com o direito, não constitui novidade, pois, infelizmente também entre nós a linguagem, às vezes, serve como fator que dificulta a comunicação e não como forma de precisar conceitos e facilitar a compreensão dos vários fatos com que lidamos.

À guisa de exemplo, inúmeros autores, no campo do Direito do Trabalho, ao cuidar das formas de rompimento do vínculo entre empregado e empregador, utilizam termos específicos para se referir ao rompimento do contrato por iniciativa do empregador, por iniciativa do empregado, por iniciativa de ambos, ou por fator alheio à vontade destes.

Utilizam então expressões como "resilição", "resolução", "rescisão", exemplificativamente, mas sobre os quais não há consenso, gerando, ao contrário de uma linguagem unívoca, uma grande confusão, porque só se compreenderá o exato sentido da afirmação se soubermos com base em que autor se está utilizando a expressão naquele momento e desde que o autor referido só a utilize num único sentido, o que nem sempre ocorre.

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Note-se que desejável que houvesse uma terminologia unívoca para designar as várias formas de rompimento do contrato de trabalho e que, portanto, bastaria mencionar cada uma delas para situar o leitor sobre a hipótese em debate.

No caso exemplificado, infelizmente, têm as várias expressões servido muito mais para dificultar a comunicação do que o inverso, que seria sua finalidade.

O mesmo acontece com o conceito de intuição.

Tanto assim que nos informa J. Bazarian5, que

Bergson, que se ocupou a vida toda do tema, utiliza-o em diversos sentidos, tornando-o confuso, que é exatamente o oposto à ideia da própria intuição. Leia-se A Intuição Filosófica, de Henri-Louis Bergson6, para constatar que tem razão Bazarian em sua crítica, que estende também a Husserl e Heidegger, que não chegaram a definir a própria intuição, embora dela tenham se ocupado. Confira-se também Edmund Husserl em Intuición Essencial y Fantasia e Distinción de principio entre los modos de la intuición7.

Optamos, portanto, pela classificação de Jacob Bazarian, que é fruto de seus estudos sobre o tema, percorrendo os vários autores e que decorre da forma pela qual o objeto é captado pela intuição, nos vários campos do saber:

  1. Intuição empírica - sensível, psicológica.

  2. intuição intelectual - racional, criativa, filosófica, essencial, axiológica, mística

A intuição empírica capta diretamente, pelos sentidos e pela consciência, os fatos e fenômenos, mas não a essência. São tipos da intuição empírica a intuição sensível, que capta pelo sentidos as formas, as cores, o cheiro, o gosto, e a intuição psicológica, que se utiliza da consciência para captar fenômenos psíquicos, como o desejo, a alegria, a tristeza etc.

A intuição intelectual capta diretamente pela razão e pelo intelecto os fenômenos, mas também os conteúdos não sensíveis, a essência das coisas e suas relações. São tipos da intuição intelectual a intuição racional, que capta pela evidência as relações de semelhança, igualdade, causalidade, os princípios lógicos, os axiomas etc., a intuição criativa que descobre ou adivinha as relações ocultas, que para estabelecer racionalmente demandam exaustivos discursos, como o diagnóstico médico imediato e a intuição filosófica, impropriamente chamada de metafísica, que capta, pela razão, a essência e existência das coisas reais e valores éticos, estéticos, emocionais etc.

Em função do objeto captado distingue-se a intuição filosófica em: intuição essencial (Platão, Husserl); intuição existencial (Heidegger, Sartre); intuição essencial e existencial simultaneamente (Bergson) e intuição axiológica ou de valores.

Afirma Bazarian que alguns autores, como Bergson, confundem a intuição filosófica, que al-guns também chamam de metafísica, com a intuição mística (ou religiosa), mas que ao contrário daquela, não tem correspondência com a realidade, pois seu objeto é fictício, irreal, inexistente, sendo mera intuição ilusória.

A seguir, a fim de facilitar a compreensão, Bazarian simplifica o quadro acima e reduz os tipos de intuição a intuição empírica, intuição mística e intuição intelectual.

Diz que a intuição empírica coincide com o conhecimento empírico, daí porque não deve ser chamada de intuição, devendo ser identificada como "sensação", "percepção", "representação"...

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