Neurociência, Direito e Memória

AutorAna Clélia de Freitas
Páginas26-30

Page 26

I A formação da memória

A neurociência tem demonstrado ser possível obter-se um máximo funcionamento cerebral através de estímulos para a aquisição do conhecimento e memória. Cada célula nervosa comunica-se com milhares de outras. Quando novas memórias são formadas, várias conexões são fortificadas e aperfeiçoadas.

Nesse processo, acontecem mudanças nas conexões sinápticas dos neurônios, onde as células nervosas se conectam, liberando neurotransmissores especializados para a memória. Um desses produtos químicos liberados pelas células é a acetilcolina, que é a base para muitos medicamentos que estão sendo desenvolvidos para aperfeiçoar a memória.

Atividades mentais e físicas que estimulam o funcionamento cerebral promovem essa constante ligação em rede no cérebro, fortificando os caminhos para a memória e estimulando a produção de substâncias necessárias para o crescimento e a manutenção desses neurônios. Com o passar do tempo, novas conexões podem ser criadas decorrentes do aprendizado.

A neurociência atual destruiu o mito antigo de que o cérebro era estático, com circuitos conectados de maneira permanente durante o

Page 27

desenvolvimento infantil. Isso está comprovado não ser a verdade. Pesquisas recentes em neurociência têm revelado que novos neurônios são formados em áreas do cérebro adulto, como no hipocampo, um local extremamente essencial na criação de novas memórias. Essas pesquisas têm demonstrado que um dos fatores para a criação de novos neurônios é a atividade física e mental.

A genética também tem um papel importante na formação da memória. Alguns animais nascem com a capacidade de adquirir novas memórias mais facilmente, como os cães pastores alemães. Hoje sabe-se que os genes também podem ser modificados com as experiências de vida e o meio ambiente, onde alguns genes são estimulados e outros bloqueados. Em laboratório, é possível criar seletivamente ratos mais espertos ou mais lentos no aprendizado. A manipulação seletiva dos genes é uma das abordagens para a criação de medicamentos que aperfeiçoem a memória nos seres humanos. Essa linha de pesquisa é extremamente crucial para o tratamento de doenças neurológicas como o Alzheimer.

II Emoção, memória e o cérebro

Sabe-se que as emoções desempenham uma função basilar na formação e evocação de memórias. Joseph LeDoux demonstrou laboratorialmente a relação do medo e memória, que é a base de muitos transtornos psicológicos, como a ansiedade, fobia, síndrome do pânico e o transtorno de estresse pós-traumático. No processo do “condicionamento clássico do medo”, um rato ouve um barulho ou vê um clarão de luz ao mesmo tempo que sofre a aplicação de um rápido choque elétrico. Depois de algumas repetições, o rato responde automati-camente ao som ou à luz com todo o padrão de resposta corporal ao choque elétrico, ainda que na ausência deste, com reações típicas de situações de perigo: o animal “paralisa”, sua pressão arterial e batimento cardíacos aumentam e ele assusta-se facilmente. (Ledoux, 2006)

A explicação é que o barulho ou o clarão tornou-se um estímulo condicionado, levando a mudanças psicológicas e comportamentais de resposta a uma situação de perigo, mesmo na ausência de qualquer perigo ou ameaça. Uma vez estabelecida, a reação de medo torna-se permanente, com a criação de uma memória emocional. O ativamento da região cerebral chamada amídala, que processa emoções como o medo causado pelos estímulos de som e luz, leva à comunicação com a região cerebral que processa e acumula memórias, o hipocampo, criando a memória emocional.

A memória algumas vezes produz distorções e erros que possuem grande consequência prática. Para o direito, o conhecimento sobre a criação de memórias e a relação entre emoções e memória é particular-mente importante no fenômeno das falsas memórias no testemunho jurídico. Falsa memória é um tipo de distorção da memória na qual um indivíduo tem a certeza de lembrar-se de algo que nunca aconteceu.

Na falsa memória a pessoa reconhece um objeto, rosto, palavra ou outro estímulo que ela não encontrou previamente como se fosse a evocação de uma memória verdadeira. Falsas memórias são marcantes judicialmente porque erros desse...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT