A negociação coletiva como pressuposto da dispensa em massa de trabalhadores: uma prespectiva luhmanniana do procedimento como mecanismo de legitimidade e controle

AutorCaroline Ferreira Ferrari
CargoProcuradora do Estado do Amazonas com lotação no Distrito Federal
Páginas49-60

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1. Introdução

Hodiernamente, situações socioeconômicas estimuladas pelo incremento tecnológico e a alta informatização que experimenta a humanidade vêm interferindo substancialmente no sistema de emprego, com supressão de postos de trabalho e a efetivação de dispensas coletivas1.

A reorganização da produção, a política neoliberal e o intercâmbio constante entre os diversos Estados evidenciam a sedimentação de um sistema global2 e interdependente, de forma que o desequilíbrio econômico em uma dada região acarreta impacto em ramos distintos, como a Política e o Direito, com propagação em múltiplos países e intromissão no mercado de trabalho.

Sabe-se que o movimento sindical surgiu como forma de defesa utilizada pelos trabalhadores com o intuito de contrabalancear o desequilíbrio existente entre as partes e possibilitar a negociação coletiva pela respectiva categoria pro?ssional e econômica.

A CRFB/1988, além de prever o direito de associação como garantia fundamental, traz, de maneira expressa, em seu art. 8º, inciso III, a competência da respectiva entidade sindical para a defesa dos interesses coletivos e individuais da categoria, determinando, destarte, a obrigatoriedade de participação do sindicato nas negociações coletivas de trabalho, com o ?to de manter o equilíbrio entre os parceiros envolvidos na contenda.

Já o art. 7º, inciso I, da CRFB/1988, assegura a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa na relação de emprego, matéria esta a ser regulamentada por meio de lei complementar, cuja edição não sobreveio até o momento.

Com base nesse panorama, segundo o Tribunal Superior do Trabalho, por haver distinções de índole normativa entre a dispensa individual e coletiva, já que esta última produz impacto no âmbito social, econômico e político de uma dada comunidade, é inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores.

Ocorre que, na seara do Direito Coletivo do Trabalho, não há um regramento especí?co para a operacionalização da dispensa em massa de empregados em razão de impactos decorrentes de crises econômicas, surgindo, então, questionamentos acerca do seu contorno jurídico, ou seja, se é possível a aplicação do regramento previsto para os casos de dispensa individual, se o princípio da função social da empresa3 impõe limites à própria liberdade patronal a ponto de sujeitá-la a uma negociação coletiva obrigatória ou se compete ao Poder Judiciário o estabelecimento normativo aplicável em virtude da inafastabilidade de acesso à jurisdição. Isto porque, sendo infrutífera a tentativa conciliatória, o tribunal do

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trabalho é conclamado a atuar, numa função nitidamente secundária4, por meio da qual prolata uma decisão de cunho obrigatório e com características legislativas.

Com supedâneo nessas premissas, indaga-se: Tendo em vista que cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, a teor do art. 8º, III, da Constituição Federal de 1988, inclusive em questões judiciais ou administrativas, em que medida a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores?5

Com o intuito de demonstrar que a exigência de negociação coletiva prévia é indispensável para a consecução de resultados legítimos, uma vez que permeia a inclusão social mediante uma atuação contrafatual6, com redução da complexidade, é que se buscará a resposta da presente indagação.

Assim, a apreciação do tema perpassa pela análise da negociação coletiva como pressuposto de legitimidade para a dispensa em massa de trabalhadores, primando-se por uma releitura do texto constitucional inserido em uma conjuntura econômica e social globalizada.

Nesse diapasão, com o ?to de compreender a relevância da negociação coletiva na seara do Direito Coletivo do Trabalho e assim responder à indagação proposta no presente artigo, far-se-á uma breve análise acerca do conceito de organização sindical, bem como será apreciado o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a dispensa em massa de empregados. Posteriormente, o tema será abordado à luz do pensamento de Niklas Luhmann a respeito do conceito de legitimação pelo procedimento, ressaltando-se, por conseguinte, como a negociação coletiva pode atuar de maneira a minimizar as contingências e permitir a variação estrutural da expectativa.

2. O conceito de sindicatos

Como cediço, o Direito do Trabalho desenvolveu-se a partir do século XIX com o desígnio de amenizar as desigualdades sociais, trazendo em seu bojo normas de amparo ao trabalho humano, a exemplo da redução da jornada diária e da proteção ao trabalho do menor e da mulher, considerados “meias-forças”7, “matizando-o com as premissas que informam o direito público”8. Isso porque o Direito Civil, baseado na plena liberdade individual, demonstrou-se insu?ciente para regular os contratos de trabalho travados à época, vivenciando-se um sentimento de irresignação por parte do proletariado e uma consciência de classe germinada na massa9, com o reconhecimento da necessária proteção especial ao labor humano. E foi com base nessa premissa que o Direito do Trabalho desenvolveu o seu princípio protetor, a ?m de levar à realidade prática a igualdade substancial daqueles que não se encontravam no mesmo patamar contratual10.

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Portanto, o surgimento do sindicalismo decorreu da coalisão de trabalhadores e da percepção de que a união desse segmento proporciona o fortalecimento de classe por meio da luta11 pelo assentimento de direitos mínimos garantidores de uma vida digna para o trabalhador e sua família12.

O sindicalismo nasceu, assim, a partir do reconhecimento do direito de associação, da identidade da atividade desenvolvida e da a?ni-dade fática e de ideologias disseminada no seio do proletariado13. Desta forma, o Sindicato “entendido como organização de resistência da classe trabalhadora para enfrentar o capital e ascender na escala social implica em Unidade e luta permanente”14.

Dentre os instrumentos universais que cuidam da natureza associativa dos sindicatos, alavancando o sindicalismo no mundo, pode-se citar o Tratado de Versalhes — primeiro documento de caráter internacional que reconheceu expressamente o direito de associação para empregados e empregadores —, datado de 1919 e responsável pela criação da Organização Internacional do Trabalho. Nesse sentido, tem-se a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ambas editadas em 1948, as quais dispõem acerca da liberdade de associação, assim como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 196915.

Partindo-se dessas premissas, passa-se à análise de um dos principais sujeitos de representação da classe pro?ssional e econômica: o sindicato, o qual possui papel marcante na defesa dos direitos sociais, com atuação administrativa e judicial.

De forma sucinta, os sindicatos são conceituados como:

[...] associações autônomas, constituídas em caráter permanente e sem ?ns lucrativos, criadas com o objetivo de promover o estudo, a defesa e a coordenação dos interesses econômicos e pro?ssionais daqueles que exerçam a mesma atividade ou pro?ssão ou atividades ou pro?ssões similares ou conexas. Como qualquer associação, os sindicatos têm natureza jurídica de pessoas jurídicas de direito privado (vide art. 44, I, do Código Civil), e são assim formados a

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partir da inscrição de seu ato constitutivo num Cartório de Registro Civil, e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Emprego, segundo o procedimento previsto na Portaria MTE n. 186, de 10 de abril de 2008.16

Assim, os sindicatos possuem a natureza de pessoa jurídica de direito privado, constituindo-se, pois, pela sua inscrição no Registro Civil e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Emprego, sendo o registro no MTE um resquício do sistema corporativista anterior à Constituição Federal de 1988 - exigido a título de observância ao princípio da unicidade sindical. Organizam-se pelo que se convencionou denominar “categoria”, a qual se perfaz pela aglutinação de trabalhadores que compartilham situações em comum e, por isso, possuem mais a?nidade17.

Os sindicatos são, portanto, espécies do gênero associação, compondo a base da organização sindical brasileira, sendo que para o exercício de suas atividades a CRFB/88 previu algumas prerrogativas especí?cas voltadas para a referida entidade enquanto sujeito de direitos, bem como para os seus dirigentes, a ?m de permitir a sua atuação de maneira límpida e efetiva. Tem-se, desse modo, o princípio da liberdade sindical como cerne do associativismo (art. 8º, caput, incisos I, II e V, da CRFB/88)18.

No mais, dentre os direitos e prerrogativas com previsão constitucional direcionados para o escorreito desempenho da organização sindical e representativos da luta de classes, tem-se a possibilidade de instituição de contribuição confederativa como forma de ?nanciamento e manutenção das atividades sociais (art. 8º, IV, da CRFB/88); a exigência de participação das

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entidades sindicais nas negociações coletivas (art. 8º, VI, da CRFB/88) com o ?to de manter o equilíbrio entre as categorias envolvidas nos processos de conciliação e de dissenso; o exercício do direito de greve (art. 9º da CRFB/88)19 como instrumento de pressão e barganha; além da vedação de determinadas condutas antissindicais, como a dispensa do empregado sindicalizado candidato a cargo de direção ou representação sindical, ainda que suplente, a partir do registro da candidatura, até um ano depois do ?nal do mandato, excepcionado o cometimento de falta grave, nos termos da lei (art. 8º, VIII, da CRFB/88), bem...

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