Negociação coletiva e afirmação de direitos: um estudo sobre cláusulas de gênero no setor bancário

AutorSayonara Grillo Coutinho Leona da Silva
Ocupação do AutorOrganizadora
Páginas247-256

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1. Introdução

O Direito do Trabalho se singulariza pela pluralidade normativa. Para além da legislação estatal, os instrumentos coletivos de trabalho caracterizam-se como fontes formais decorrentes da negociação coletiva. Negociação coletiva é o procedimento pelo qual são regulamentadas condições de trabalho, gerando ou não instrumentos coletivos denominados convenções e acordos coletivos.

Embora o Brasil se caracterize por adotar um modelo legislado (NORONhA, 2000), os acordos e convenções coletivas de trabalho são reconhecidos constitucionalmente como fontes de Direito do Trabalho (art. 7º, xxVI, da CRFB/1988) e têm ampla vigência estabelecendo direitos aplicáveis às relações de trabalho no âmbito das representações sindicais profissionais e econômicas contratantes.

Neste estudo, a negociação coletiva é tratada como processo, ao que implica seu reconhecimento a partir de um sistema dinâmico, em oposição à concepção estática imposta pela legislação brasileira. Assim, melhor falar em “negociações coletivas”, uma vez que se trata de um sistema de permanente contato entre trabalhadores e empregadores para a solução de conflitos no ambiente de trabalho, melhoria das condições laborais e redução das desigualdades sociais.

Em nosso país, é corrente a crítica à estrutura normativa da negociação coletiva (SIQUEIRA NETO, 1991). Vários aspectos da conformação legal e jurisprudencial acerca das negociações coletivas se traduzem, na prática, como promotores ou inibidores do avanço dos direitos dos trabalhadores por meio da negociação.

O tratamento legal é um fator chave para refletir sobre a negociação coletiva e a amplitude de suas possibilidades. Se, por um lado, o direito de greve é minuciosamente balizado pela lei, por outro, a proteção contra atos antissindicais passa ao largo da legislação brasileira. Esta distinção é a expressão imposta por uma política de negação do conflito social inerente às relações laborais.

Ocorre que a tradição legislativa brasileira sempre aden-trou nos espaços de autonomia coletiva para dispor sobre a forma de atuação dos sindicatos, opondo-se ao conflito. Ao contrário, a doutrina aponta que há outras experiências no Direito Sindical que promovem o espaço de atuação dos sindicatos (GIUGNI, 1991; SILVA, 1998). Ao reconhecer o conflito, a lei garante e protege a atuação dos sindicatos e seus membros no conflito que faz parte da negociação coletiva, promovendo-a e incentivando-a como forma de equacionar os conflitos sociais.

De outro lado, a estrutura negocial traduz a história do tratamento dos sindicatos e de sua atuação no país e demons-tra a formação de um modelo que privilegia o direito legislado sobre o negociado. Deste modo, procura-se analisar estes fatores para a compreensão das implicações que a estrutura da negociação coletiva traz para o país.

Cumpre apresentar os instrumentos típicos e atípicos da negociação coletiva. Os instrumentos típicos são aqueles que a lei e a Constituição fazem referência: acordos e convenções coletivas. Os acordos coletivos são tratados em um espectro de aplicação menor, posto que firmados entre um sindicato representante da categoria profissional e uma ou mais empresas. Por sua vez, as convenções coletivas são produtos da negociação entre sindicatos patronais e sindicatos obreiros, tendo um âmbito de aplicação para todas as categorias representadas.

Não obstante a existência de acordos e convenções cole-tivas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reconhece a ambas a vigência simultânea, garantindo a aplicabilidade das

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normas mais favoráveis. A definição de norma mais favorável é outro aspecto controvertido.

Com fito de analisar os efeitos práticos que a negociação coletiva tem obtido, foi conduzida uma pesquisa a respeito da afirmação dos direitos de gênero por meio da negociação coletiva da categoria bancária, em nível nacional.

Para tanto, o estudo inicia com uma breve apresentação dos sujeitos presentes no sistema de negociação coletiva do Sistema Financeiro Nacional. De um lado, a representação do patronato e, do outro, a organização sindical dos trabalhadores, trazendo aspectos relevantes para compreensão das discussões deste campo específico.

A seguir, passou-se à pesquisa sobre negociações cole-tivas e gênero no setor bancário, cuja importância surge de fatores bastante atuais, aos quais nem sempre é dada a devida atenção. Não obstante a inserção progressiva no mercado de trabalho brasileiro das últimas décadas, as mulheres continuam recebendo salários menores que os homens. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, em 2010, entre os trabalhadores com 12 anos ou mais de estudo com carteira assinada, as mulheres recebem em média 66,1% da remuneração dos homens nas mesmas condições.

As desigualdades permanecem, embora a Constituição de 1988 estabeleça a igualdade entre homens e mulheres no art. 5º, caput, da CRFB/1988, bem como direitos trabalhistas específicos (art. 7º, xVIII, xx, xxV, xxx, da CRFB/1988), e vede a discriminação em razão do sexo. No Poder Legislativo Federal, a representação das mulheres é tímida: 14,81% no Senado Federal e 8,77% na Câmara dos Deputados. Logo, a negociação coletiva toma relevância, uma vez que por seu meio é possível ratificar, ampliar, modificar e criar direitos, com menor formalidade que o processo legislativo, o que re-vela seu amplo potencial gerador e afirmador de direitos.

O tratamento dos direitos ligados a gênero é analisado mediante estudos feitos pelo DIEESE e pela pesquisadora Ecleia Conforto (2009), trazendo a observação às negociações coletivas sob o ponto de vista do gênero no Brasil e, ainda, uma comparação com os direitos firmados por negociações coletivas no Canadá, a fim de conhecer as possibilidades das negociações coletivas em geral, sem se ater apenas aos eixos temáticos nos quais giram as negociações pátrias.

Assim, foram analisados instrumentos produzidos a partir da negociação coletiva em âmbito nacional, no setor bancário, nos últimos dez anos, a fim de entender se a negociação coletiva estava sendo capaz de promover a igualdade de gênero no ambiente de trabalho. Foram examinadas 471 cláusulas, classificadas por tema e pelo avanço introduzido em relação à lei e aos acordos e convenções anteriores.

Por fim, fez-se a correlação entre a negociação coletiva específica na seara bancária e os fatores promotores e inibidores da negociação coletiva genericamente considerada, as implicações que o histórico do tratamento do direito sindical tem sobre as negociações coletivas especificamente analisadas, como as organizações sindicais vêm atuando para superar os entraves colocados pela estrutura sindical vigente para caminhar no sentido da ampliação dos direitos dos trabalhadores e, ainda, quais caminhos ainda não foram desbravados pelas negociações coletivas analisadas.

2. Negociação coletiva, sistema financeiro nacional e gênero

A Constituição da República estabeleceu: “é livre a associação profissional ou sindical” no seu art. 8º, inserida no capítulo II, intitulado “Direitos Sociais”. Estes são definidos pelo art. 6º como “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Embora reconhecidos pelo direito brasileiro e com o uso corrente da nomenclatura de “sindicatos”, não se pode perder de vista que o associativismo patronal é um fenômeno de resposta ao movimento dos trabalhadores. A respeito, Gino Giugni cita:

A associação sindical dos empresários é, principal-mente, fenômeno induzido; a exigência de coligação nasce da necessidade de constituir-se como contraparte e, também, do interesse de evitar que a concorrência de outros empresários possa se basear em menores custos da força de trabalho; portanto, nas piores referências de tratamento econômico e normativo dos empregados (1991, p. 36).

Este entendimento é corroborado pela doutrina pátria, que reconhece que as organizações patronais são constituídas “em construção paralela à sindicalização dos trabalhadores” (LOGUERCIO, 2000, p. 53). O § 1º do art. 511 da CLT1 define a categoria econômica como “o vínculo social básico ‘dos que empreendem atividades idênticas’, ‘similares’ ou ‘conexas’”.

A seguir, passamos a analisar a categoria patronal dos bancos e sua representação, que segue a previsão geral de se denominar “sindicatos”, em paralelo com as organizações dos trabalhadores.

2.1. Sistema financeiro nacional e representação patronal

Para melhor compreensão do objeto da pesquisa, serão apresentadas, ainda que brevemente, os principais atores empresariais e sindicais que negociaram coletivamente os acordos e convenções coletivas estudados.

A Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) é a entidade sindical representativa do sistema bancário, que representa a categoria econômica dos bancos quanto às questões trabalhistas e participa do processo negocial. Trata-se de uma

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estrutura associada à Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que veremos mais adiante.

A Fenaban foi fundada em 1966 e integrada à Febraban em 1983. A Federação é formada por sete sindicato de bancos: o dos estados da Bahia (e inclui Sergipe); o do Ceará, maranhão e Piauí; o sindicato dos bancos de minas Gerais, que engloba Goiás, Distrito Federal e Tocantins; o de Pernambuco (engloba Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte); o sindicato dos bancos do Rio de Janeiro e Espírito Santo; o de São Paulo (engloba Paraná, mato Grosso, mato Grosso do Sul, Acre...

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