Pensão por morte do cônjuge: união simultãnea de casamento e de concubinato adulterino

AutorCelina Kazuko Fujioka Mologni
CargoMestre em Direito ? Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Páginas77-86

Page 77

Pensão por Morte do Cônjuge: União Simultânea de Casamento e de Concubinato Adulterino

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Pensão por Morte do Cônjuge: União Simultânea de Casamento e de Concubinato Adulterino
Alimony Because of the Death of a Partner: Marriage Simultaneous Union and

Adultery Unions

Celina Kazuko Fujioka Molognia*

Resumo

Analisam-se os princípios constitucionais da dignidade humana e da solidariedade como eixos do novo olhar à família, local em que seus membros desenvolvem e realizam seus desejos e projetos de vida. A proteção legal desviou foco da instituição familiar aos seus sujeitos componentes, na pessoa de cada um de seus membros, promovendo-se a respectiva dignidade humana, na medida em que se realizam os deveres interpessoais recíprocos de solidariedade, não só como normas de condutas, mas, sobretudo, como princípios que estabelecem direitos e deveres nas relações familiares. A partir destes dois princípios estruturantes analisa-se a possibilidade de rateio da pensão por morte entre a esposa e a concubina, em caso particularizado de relacionamento conjugal e concubinato simultâneo, em confronto com o princípio da monogamia adotado em nosso sistema jurídico familiar. Apresenta-se a formatação da pluralidade familiar reconhecida pela Constituição Federal de 1998. Para análise da matéria, investigam-se decisões de tribunais e doutrinas. Conclui-se que, com a superação da crise hermenêutica de subsunção, e passando a compreender e utilizar novo modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito, com a efetiva aplicação da Constituição Federal, é possível o rateio da pensão por morte do componente comum, tanto à esposa, quanto à concubina.

Palavras-chave: Pensão por morte. Rateio. Coexistência de uniões. Conjugalidade e concubinato adulterino.

Abstract

This paper presents a rigorous evaluation of the constitutional principles of human dignity and solidarity as a new assessment of the family itself, where its members develops and achieves desires and life projects. The legal protection has taken out the focus of the family institution regarding its components, of the every member of the family, in which the interpersonal reciprocal duties of solidarity are performed, not only as a norm of conduct, but above all, as principles that establish rights and duties on family relationship. Based on the two structural principals mentioned above, one can evaluate the possibility of sharing the pension by the death of a partner between the wife and the concubine, in the case of explicating the conjugal relationship and the simultaneous adultery correlation, in confront to the monogamy principle already adopted by our family juridical system. The present research also suggests the family plurality format recognized by Federal Constitution in 1998. In order to analyze the subject, tribunal decisions and doctrines are investigated. The conclusion shows that with the overcome of the hermeneutics crisis of subsunction, and the beginning of an understanding and use of the new model dictated by the Democratic State of Law, with the effective application of the Federal Constitution, it is possible to share the allomony of the common component, with the wife and the concubine.

Keywords : Death Pensions. Share. Engagement Coexistence. Marriage and Adultery.

a Mestre em Direito – Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente da Universidade Norte do Paraná UNOPAR e Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: celina@uel.br

* Endereço: Av. Rio de Janeiro, 1421, apto. 21. CEP. 86.010-150. Londrina-PR.

1 Introdução

O cenário atual experimenta crises de Direito, do Estado, e, sobretudo, da dogmática jurídica, que vai se fragmentando diante do enfrentamento de demandas decorrentes de fatos sociais interindividuais complexos e conlituosos, que não encontram especiicidades legislativas regulamentadoras, no modelo liberal-individualista-normativista do direito, criando mais uma forma de crise: a crise hermenêutica.

Observam-se a insuiciência e o esgotamento dos velhos modelos interpretativos, reprodutivos e subsuntivos das palavras contidas no interior das normas jurídicas.

A superação desse paradigma implica em compreender e utilizar novo modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito, com efetiva aplicação da Constituição Federal, que

tende produzir um viés transformador com a consagração de novos valores, na solução das singularidades de cada caso concreto.

E entre estes valores inseridos na Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, encontra-se novo olhar à família através da consagração da dignidade humana de seus membros e da solidariedade familiar, no âmbito doméstico e no trato das relações com a comunidade em que vive.

A partir destes dois princípios estruturantes analisa-se quem seria o beneiciário ou beneiciários da pensão por morte, em caso de existência simultânea de relacionamento conjugal e de concubinato, diante do óbito do componente comum e face ao princípio da monogamia, que impossibilita a coexistência simultânea de duas ou mais uniões, como formatação de entidade familiar, nem mesmo sob a perspectiva da união estável.

Assim, no presente trabalho, analisa-se o caso de homem casado, com união paralela e simultânea com a concubina, para ins de terminologia da beneiciária, o que, no entanto, nada impede que poderia ocorrer, também, com a mulher,

MOLOGNI, C. K. F. / UNOPAR Cient., Ciênc. Juríd. Empres., Londrina, v. 11, n. 2, p. 77-86, Set. 2010

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em mesma situação, em união com o marido e outro homem, diante do princípio da igualdade constitucional entre o homem e a mulher.

2 A Dignidade da Pessoa Humana e Solidariedade

A sociedade transformou-se em busca da felicidade, a partir da revolução francesa, no inal do século XVIII, com a bandeira da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

No Brasil, com a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, substituiu-se o tripé revolucionário francês, com a consagração da liberdade, justiça e solidariedade, em seu artigo 3º, inciso I: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária” (BRASIL, 1988).

A funcionalização da liberdade leva à realização da solidariedade, a promover a “dignidade da pessoa humana (artigo 1, III da Constituição Federal), como fundamento do Estado Democrático de Direito, que tem como um dos objetivos da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” artigo 3, IV da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

O princípio da liberdade está presente no Direito de Família, hoje, mais adequadamente, no Direito das Famílias, pela pluralidade familiar, na escolha da constituição de família – art. 226, § 1º, e CF, sendo livre decisão sobre o planejamento familiar – art. 226 § 7º CF (BRASIL, 1988), na opção de regime matrimonial (art. 1.639 do Código Civil) e na forma de separação judicial ou divórcio, preenchidos os requisitos da Lei 11.441/2007.

A liberdade no âmbito doméstico é conferida pelo artigo
1.513 do Código Civil, que proíbe a ingerência do Estado na vida familiar, dispondo que: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.

A realização da justiça é voltada a “reduzir as desigualdades sociais” - art. 3, III CF. Tanto que por isso, como fundamento da dignidade da pessoa humana, reconheceu-se a união estável e consagrou-se a igualdade entre os cônjuges e entre o homem e a mulher -art. 226 § 5 CF- e promoveu-se a igualdade da iliação -art. 227 § 6 CF - (BRASIL, 1988).

Assim, pode-se airmar que o princípio da solidariedade é materializada com a funcionalização da liberdade e da justiça, como paradigmas transformadores do Estado liberal e individualista em Estado democrático e social, superando-se o individualismo jurídico para a função social dos direitos.

A estrutura da organização social, econômica, política, cultural e do ordenamento jurídico tende a ser mais sólida na medida em que os eixos da solidariedade e da dignidade da pessoa humana se encontrem indissociáveis, pois em seu núcleo, o valor da pessoa humana enquanto ser humano, teria a garantia da sua realização existencial proporcionada por outros, sobretudo, entre os membros do familiar, na

promoção de sua dignidade humana, como resultado da solidariedade, em especial na mútua assistência entre os cônjuges e companheiros (artigo 1.566, III e artigo 1.724 do Código Civil), além de proteção alimentar aos ilhos menores e incapazes e idosos.

A “oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade” (DENNINGER, apud LÔBO, 2009, p. 39) é a tendência dominante na legislação e na aplicação do direito. Signiica airmar que, no contexto social, e, principalmente, na comunidade familiar, existe o dever social de cada um cumprir o dever de solidariedade para o desenvolvimento da personalidade do outro membro, com dignidade.

São os ventos de novos tempos instigando inovadoras concepções de pensar e de viver, assim retratadas pela doutrina:

O princípio jurídico da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com relexos até a atualidade. Na evolução dos direitos humanos, aos direitos individuais vieram concorrer os direitos sociais, nos quais se enquadra o direito de família, e os direitos econômicos. No mundo antigo, o indivíduo era concebido apenas como parte do todo social; daí ser impensável a idéia de direito subjetivo. No...

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