O princípio da insignificância e a sua relação com os demais princípios norteadores do sistema penal

AutorRubin Toazza, Gabriela
Páginas29-87
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Capítulo II
CAPÍTULO II
O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A SUA RELAÇÃO
COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO
SISTEMA PENAL:
2.1. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade data do início do século
XVIII. Foi na “época das luzes” que os pensadores iluministas
resolveram manifestar-se contra o poder absoluto concentrado
nas mãos das elites e de uma minoria. Essa classe dominante – que
regia o poder – era responsável pelos três poderes – Executivo,
Legislativo e Judiciário – ditava as normas, administrava o
Estado e, ainda, investigava, instruía, denunciava e julgava os
seus nacionais.35
Surge o princípio no direito moderno como fruto
35 “Um erro tão comum quanto contrário ao fim social, que é o sentimento
da própria segurança, consiste em deixar ao magistrado executor das leis
o arbítrio de prender um cidadão, de tirar a liberdade a um inimigo sob
pretextos frívolos e de deixar um amigo impune apesar dos mais fortes
indícios de culpabilidade. A prisão é uma pena que, por necessidade e
diversamente de qualquer outra, deve preceder a declaração do delito;
contudo, esse caráter distintivo não lhe tira o outro essencial, a saber, que
somente a lei pode determinar os casos em que o homem merece uma pena”.
Assim, a lei apontará os indícios de um delito que impõem a custódia do
réu, sujeitando-o a um interrogatório e a uma pena. O clamor público, a
fuga, a confissão extrajudicial, o depoimento de um cúmplice, as ameaças e
a constante inimizade com a vítima, e corpo de delito e indícios semelhantes
são provas suficientes para prender um cidadão; mas essas provas devem ser
estabelecidas pela lei e não pelos juízes”. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos
e das Penas. Tradução Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São
Paulo: Fontes, 2000.
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do direito natural e da filosofia política à época do
Iluminismo, orientada no sentido de proscrever a
insegurança do direito, o arbítrio e a prepotência
dos julgadores na administração da justiça criminal.
Monstesquieu, com a teoria da separação dos poderes,
afirma que o juiz não pode, sem usurpação dos poderes
que competem ao legislativo, estabelecer crimes e
sanções. Afirma-se, por outro lado, o princípio da
obediência do juiz à letra da lei, com a proibição de
interpretá-la. As grandes linhas do direito natural, que
remontavam ao século anterior, já haviam firmado às
bases políticas do princípio ao estabelecer as relações
entre a liberdade e o vínculo de dever imposto pelo
cidadão á sociedade civil: deram os cidadãos ao
Estado o direito de fixar os seus deveres através da
lei. Enquanto a lei não é ditada subsiste à liberdade
natural36.
Assim, desde a época das luzes já se fazia menção
a necessidade de que o fato para ser considerado típico – e
necessariamente punível – deve estar inserido em uma lei
anterior que o defina e estabeleça a sua pena respectiva37.
Com a Revolução Francesa o princípio da legalidade
36 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1993, p. 90.
37 “Expressamente foi o princípio da legalidade introduzido nos Bill of
Rigths e Constituições das colônias inglesas que se libertavam. Vamos
encontrá-lo no Bill of Rigths firmado em Filadélfia, em 1774. Na declaração
de independência, aliás, alegava-se que o rei havia tornado os juízes
dependentes exclusivamente da sua vontade. A proibição de lei ex post facto
aparece na Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e na Constituição
de Maryland, do mesmo ano, segundo a qual, “leis de efeito retroativo,
punindo fatos praticados antes da existência de tais leis, e somente por
elas declarados criminosos,s ao opressivas, injustas e incompatíveis com
a liberdade. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de
Janeiro: Forense, 1993, p. 90/91.
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Capítulo II
passou a ser muito mais do que um princípio e foi erigido à
categoria das garantias individuais objetivando a concessão de
segurança jurídica ao indivíduo frente ao arbítrio do legislador38.
O poder competente para legislar em matéria penal
é o Poder Legislativo. E a Constituição Federal em seu art. 22,
I afirma que compete privativamente à União legislar sobre
matéria penal. Assim, o Estado constitui-se na única fonte de
produção legislativa de matéria penal no Brasil. “O princípio
da legalidade é o mais moderno instrumento constitucional de
proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito
[...]39”.
O princípio da legalidade está explicitado e
sistematizado na Constituição Federal brasileira em seu art. 5º,
XXXIX e XL: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal”. “A lei penal não retroagirá,
38 “O seu fundamento político radica principalmente na função de garantia
da liberdade do cidadão ante a intervenção estatal arbitrária, por meio da
realização da certeza do direito. O significado científico ou jurídico aparece
na teoria da pena como coação psicológica de Feuerbach e, ao depois, na
teoria da tipicidade de Beling. O reconhecimento legislativo do princípio
da legalidade se inicia com a Declaração de Virgínia de 1776 – “Nenhum
homem será privado de sua liberdade, exceto pela lei do país ou o julgamento
de seus pares” (art. 8º) – passa pela Josephina austríaca de 1787 – “Nem
toda ação contrária à lei é um crime, e devem ser considerados como delitos
somente aquelas ações contrárias à lei que sejam declaradas como tal por
uma lei penal atual” -, e, finalmente, chega com o seu momento culminante
com a Déclaration des Droits de l’Homme et Du Citoyen, de 1789 –
“Nenhum homem pode ser acusado, dedito ou encarcerado, senão nos casos
determinados pela lei e segundo as formas por ela exigidas” (art. 7º) e “a lei
só deve estabelecer penas, de forma estrita e necessárias, e ninguém pode ser
punido senão em virtude de lei estabelecida e promulgada com anterioridade
ao delito e legalmente aplicada (art. 8º)”. PRADO, Luiz Regis. Curso de
Direito Penal Brasileiro, p. 140/141.
39 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral, p. 25/26.

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