Os direitos fundamentais do nascituro e a responsabilidade civil da gestante

AutorCristina Grobério Pazó
CargoFaculdade de Direito de Vitória-FDV
Páginas22-42

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P A N Ó P T I C A

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO NASCITURO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DA GESTANTE

Faculdade de Direito de Vitória – FDV

1. I NTRODUÇÃO

O nascituro pode ser entendido como o ser em formação no ventre da gestante, local em que encontra proteção e segurança até o momento do nascimento. No entanto, está suscetível a alguns danos durante o período de gestação, em especial àqueles provocados pela própria grávida.

Mas quando esses danos saem do plano da possibilidade e tornam-se concretos, isto é, quando a gestante viola seu dever de proteção do filho a nascer, caberia a responsabilidade civil? É exatamente esta questão que este estudo visa enfrentar. Porém, em um primeiro momento, torna-se imprescindível uma análise sobre a situação jurídica do nascituro e os direitos a ele conferidos pelo Ordenamento Jurídico brasileiro. Em seguida, este artigo conduzirá ao estudo da responsabilidade civil, para, então, discutir a responsabilidade civil da gestante.

Para tanto, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, responsável por contribuir com conceitos e teorias fundamentais à realização desse artigo. Como bibliografia base para o entendimento da responsabilidade civil adotou-se, aqui, a obra de Cavalieri Filho (2010). Além disso, foi importante a contribuição de Berti (2008), obra que traz a questão da responsabilidade civil da gestante pelos danos causados ao nascituro.

Além dessas duas obras, tão fundamentais, foi ainda objeto de análise o Pacto San José da Costa Rica e o Código Civil brasileiro, na medida em que buscam esclarecer a situação jurídica do nascituro. Vale ressaltar que as obras aqui citadas são tidas apenas como bibliografia base, não excluindo a importância de outras obras utilizadas como material de

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análise para a realização desse estudo, que tem como método de abordagem a dialética, caracterizada por sínteses, negações e contradições.

Vale lembrar que o estudo em questão é de extrema relevância, uma vez que a doutrina e a jurisprudência não chegam a um consenso sobre a possibilidade de responsabilizar a gestante pela violação dos direitos fundamentais do nascituro. É ainda um problema a reduzida discussão sobre o tema. Portanto, é objetivo desse artigo resgatar o debate sobre o assunto, a fim de que se alcance a pacificação na doutrina e jurisprudência, além de crescente proteção aos direitos fundamentais do nascituro.

2. O NASCIMENTO E SEUS DIREITOS

2.1. O NASCITURO

A palavra nascituro é “derivada do latim nasciturus, significando aquele que deverá nascer, que está por nascer” (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p.187, grifo do autor). Desse modo, nascituro é aquele ser que espera, no ventre materno, o momento de nascer.

Apontar a situação jurídica do nascituro, entretanto, é questão polêmica no Direito brasileiro. A partir desse impasse, três principais teorias foram desenvolvidas na doutrina.

A teoria natalista adota a posição de que o nascituro não é pessoa, mas apenas mera expectativa de direito (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p.127). Desse modo, o nascituro apenas adquire personalidade jurídica quando ocorrer o nascimento com vida. Esta foi a teoria adotada pelo Código Civil de 2002 ao dispor em seu art. 2º que a vida e a personalidade civil se iniciam com o nascimento.

Já a teoria da personalidade condicional vê o nascituro como possuidor de direitos sob condição suspensiva (OERTMANN, apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 127). Assim, o nascimento com vida trata-se de uma condição para que o nascituro possua personalidade jurídica.

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Finalmente, a teoria concepcionista consiste em uma posição da moderna doutrina civilista, em que se acredita na aquisição de personalidade jurídica do nascituro desde a concepção (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p.188). É o que sustenta o Pacto de San José da Costa Rica em seu art. 4º, ao dispor que a vida do nascituro é protegida desde a concepção.

É certo que o Pacto de San José da Costa Rica entrou em vigor no Brasil em 1992 com o decreto nº 678. Entretanto, enquanto o pacto garante ao nascituro a personalidade jurídica e, portanto, uma gama de direitos, o Código Civil apresenta como requisito para o início da personalidade o nascimento com vida. Cabe, portanto, inicialmente, o seguinte questionamento: qual tratamento jurídico deve ser dado ao nascituro?

Em 2004, com a Emenda Constitucional 45, ocorreu o acréscimo do §3º do art. 5º na Constituição Federal, que garantiu aos tratados internacionais de direitos humanos força de Emenda Constitucional, se atendido o quórum de três quintos dos votos do Congresso Nacional. De fato, o pacto San José da Costa Rica não atende esse requisito formal, na medida em que foi inserido no Ordenamento brasileiro antes de 2004.

Consiste em um equívoco, entretanto, considerar esse pacto como lei infraconstitucional. Isso porque o §2º do art. 5º da Constituição brasileira já garantia aos tratados internacionais de direitos humanos o caráter constitucional ao dispor que:

Art. 5º, §2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Assim, a Constituição garante a todos os tratados internacionais de direitos humanos o caráter materialmente constitucional (PIOVESAN, 2010, p.79), ao passo que insere ao rol de direitos fundamentais do art. 5º aqueles direitos presentes em tratados internacionais em que o Brasil seja parte.

Não menos importante está o fato que, a partir de uma interpretação teleológica da Constituição, a intenção do constituinte era equiparar os tratados internacionais de direitos humanos a Emendas Constitucionais (PAZÓ; MORELATO, 2006, p.28).

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Desse modo, ater-se à questão formal seria negar direitos fundamentais ao desenvolvimento da vida, intencionados pelo poder constituinte, ao ser que, no ventre materno, aguarda o momento de nascer. Nesse sentido, apesar de o Pacto San José da Costa Rica não atender os requisitos formais dispostos no §3º, possui força de norma constitucional, sendo equivalente a uma Emenda à Constituição.

Diante do exposto, fica claro que diante de um impasse entre um dispositivo do Código Civil e outro do Pacto de San José da Costa Rica deve prevalecer este. Isso porque trata-se de uma norma materialmente constitucional, sendo, portanto, hierarquicamente superior ao Código Civil.

Conclui-se, assim, que a vida se inicia com a concepção. Desse modo, é nesse momento que o nascituro adquire a personalidade civil e, conseqüentemente, torna-se titular de diversos direitos.

2.2. DIREITOS DO NASCITURO

A personalidade jurídica, adquirida pelo nascituro a partir da concepção, torna-o titular de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais.

No que diz respeito aos direitos patrimoniais, devido à condição do nascituro é necessário que, quanto a alguns direitos, se aguarde o nascimento para a sua completa efetividade. Assim, “apenas certos efeitos de certos direitos dependem do nascimento com vida [...]” (ALMEIDA, 2000, p.169, grifo do autor). É o caso da doação e da herança, em que a eficácia desses direitos tem como condição o nascimento com vida.

Existe, entretanto, outra esfera de direitos, caracterizados por não serem “suscetíveis de uma avaliação em dinheiro” (BERTI, 2008, p.113). São os chamados direitos extrapatrimoniais, que consistem nos de personalidade do nascituro.

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Os direitos de personalidade são aqueles que proporcionam ao nascituro condições mínimas de desenvolver uma vida digna. Assim, possibilitam a proteção da pessoa humana em todos os seus aspectos, seja físico, psíquico ou intelectual (FARIAS; ROSENVALD, 2009, p. 101).

Não menos importante é o fato que esses direitos, por serem de extremo valor, são intransmissíveis e irrenunciáveis, conforme dita o art. 11 do Código Civil. Por isso, salvo os casos previstos em lei, é vedada a sua limitação, mesmo que almejada pelo possuidor do direito de personalidade.

É inegável, portanto, que ao nascituro são reconhecidos os direitos à integridade física, à imagem, à privacidade, à honra, entre outros presentes no Código Civil. Nesse sentido, declara o Enunciado 1 da Jornada de Direito Civil que os direitos personalíssimos alcançam até mesmo aquele que nasceu morto, na medida em que são adquiridos a partir da concepção.

Desse modo, ao se reconhecer direitos de personalidade ao nascituro, é a ele garantido:

[...] o direito de reclamar alimentos, à assistência pré-natal e à indenização por eventuais danos causados pela violação de sua imagem (como no exemplo de uma clínica de assistência pré-natal que explora a imagem da ultrassonografia) ou de sua honra (FARIAS, ROSENVALD, 2011, p.286).

Ainda, com a edição da Lei nº 11.804/08, a chamada lei de alimentos gravídicos concedeuse mais uma garantia ao nascituro. Deve o pai, juntamente com a contribuição da gestante, fornecer alimentos durante o período de gestação, a partir da concepção. Estabelece o art. 2º que esses alimentos compreenderão em valores suficientes para cobrir as despesas do período de gravidez, como assistência médica, exames e alimentação especial.

Além disso, o nascituro encontra proteção no Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz ser dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público possibilitar a efetivação dos direitos que dizem respeito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, entre outros direitos essenciais à criança e, portanto, ao nascituro. Afinal, o Estatuto também protege o nascituro, na medida em que:

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