O mundo fabril nas concepções de Taylor, Fayol e Ford

AutorJoão Miguel Teixeira de Godoy
CargoProfessor-pesquisador da Faculdade de História da PUC-Campinas
Páginas37-70
O mundo fabril nas concepções de Taylor, Fayol e Ford 37
O MUNDO FABRIL NAS CONCEPÇÕES DE TAYLOR,
FAYOL E FORD
João Miguel Teixeira de Godoy*
Resumo: O objetivo do artigo é apresentar uma síntese e uma análise do
pensamento e das contribuições de Taylor, Fayol e Ford no que diz respeito às
propostas de organização racional do trabalho, bem como indicar algumas
iniciativas que permitem compreender o modo de recepção que tiveram no
Brasil a partir dos anos de 1930.
Palavras-chave: Industrialização Brasileira; Fordismo; Taylorismo.
Abstract: The objective of the article is to present a synthesis and an analysis
of the thought and the contributions of Taylor, Fayol and Ford in what it says
respect to the proposals of rational organization of the work, as well as indicating
some initiatives that allow to understand the reception way that they had had in
Brazil from the years of 1930.
Key-words: Brazilian Industrialization; Fordism; Taylorism.
As maquinações no mundo do trabalho fabril, nem sempre estiveram
relacionadas diretamente com o emprego de máquinas. Desde pelo menos o
século XIX o espaço da reprodução do capital por excelência, a fábrica, vem
sendo observada, analisada, esquadrinhada, organizada, no sentido de encurtar
as distâncias entre aquilo que se compra no mercado numa medida de tempo, a
força de trabalho, que é uma potencialidade e uma promessa, e o trabalho
efetivamente realizado, encarnado na mercadoria. Essa aproximação, ou
encurtamento dos circuitos, sempre dependeu de máquinas e de maquinações,
ou seja, dependeu da montagem de um sistema de posicionamentos e relações
* Professor-pesquisador da Faculdade de História da PUC-Campinas.
E-mail: joaomigueltgo@yahoo.com.br
38 Revista Esboços, Florianópolis, v. 17, n. 24, p. 37-70, dez. 2010
entre máquinas, homens que trabalham e homens cujo trabalho é o controle do
trabalho de outros homens. Nesse assunto, no século XX três indivíduos se
destacam, pela qualidade, abrangência e influência de suas idéias: Taylor, Fayol
e Ford. Tiveram influência mundial, mas não de maneira homogênea. Muito se
discute a respeito da aplicação efetiva, no Brasil, das idéias desses três homens
que foram, sobretudo, homens de empresas, com preocupações mais pragmáticas
do que programáticas. Alguns trabalhos recentes, dão como resolvido o
problema da vigência do fordismo no Brasil, até pelo menos os anos setenta do
século XX.1 Pouco se preocupam em investigar se as aclimatações sempre
necessárias não teriam comprometido de tal forma o modelo, que mesmo o uso
da expressão fordismo deveria vir sempre entre aspas. Na outra ponta, temos
também os hipercríticos que rejeitam de maneira mais taxativa a vigência do
fordismo e do taylorismo no Brasil, a partir dos anos de 1930 e 1940.2
Minha sugestão é que poderíamos pensar na questão a partir da distinção
inicial entre a idéia de vigência e a de eficácia do fordismo e do taylorismo no
Brasil. Ou seja, teve vigência mas não eficácia. Adianto-me em dizer que não
se trata de propor uma nova versão das “idéias fora do lugar”, agora adaptada
para o século XX, mas de propor que embora elementos constitutivos das
idéias de Ford, Taylor, Fayol, entre outros, não tenham tido uma aplicação
efetiva no chão da fábrica e na conformação da ordem industrial no seu conjunto,
não teve eficácia portanto, o fato é que essas idéias estiveram presentes nos
discursos e mesmo no imaginário dos industriais brasileiros a partir de meados
do século XX. Pontualmente é possível até mesmo identificar algumas iniciativas
mais concretas como veremos adiante. Mas sua extensão foi limitada. O que
não significa ausência de um certo esforço no sentido de ampliar sua eficácia
no decorrer do desenvolvimento da ordem industrial no Brasil. Apesar do
pragmatismo que freqüentemente define a ação empresarial, internamente às
empresas, mas também no campo da política, essa ação sempre efetivou-se no
abrigo de normatizações e visões de mundo que no limite nos remetem às
idéias daqueles autores. Pode-se dizer que a vigência do fordismo e do
taylorismo no Brasil, num primeiro momento, deu-se essencialmente naqueles
aspectos fundamentais e necessários à defesa da ordem industrial e do projeto
de industrialização, contra projetos rivais de ordenação da sociedade e economia
brasileira naqueles momentos decisivos que foram os anos de 1930 e 1940.
Posteriormente fundamentou readequações institucionais necessárias à
consolidação dessa mesma ordem. Outro aspecto importante nessa questão, é
a definição das condições objetivas, das circunstâncias históricas, em que as
idéias dos autores em questão, foram assimiladas no Brasil. De maneira
esquemática, podemos dizer que do ponto de vista da relação entre a empresa
privada industrial, a fábrica, e a sociedade mais geral, até os anos de 1930
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caracteriza-se um momento em que a fábrica é um microcosmo da sociedade,
ou seja, a organização interna da célula produtiva, bem como as relações e
sistemas de controle e poder dentro dela, reproduzem em escala reduzida os
esquemas senhoriais dominantes, nascidos das relações entre senhores, escravos
e população livre e pobre do Brasil rural. O autocratismo privado, composto
de uma mistura de paternalismo e personalismo autoritário, hierarquia de
comando e informalidade das regras, definia a lógica das relações no espaço da
fábrica. Reproduz-se no interior dos estabelecimentos industriais as tradições e
práticas de mando originados fora dela. A partir dos anos de 1930 e 1940,
opera-se uma verdadeira inversão. A sociedade dobra-se ao mundo fabril, às
suas regras, normas e dinâmicas. A sociedade apresenta-se sobretudo como
um macrocosmo da fábrica. É nessa transição, e participando dela, que se origina
um ambiente propício à recepção das idéias e políticas de Taylor, Fayol e Ford.
Dentro desse quadro podemos identificar, principalmente a partir dos anos 30,
a influência crescente de idéias e práticas ligadas às formas de gerenciamento e
controle da força de trabalho no espaço fabril, expressas por Taylor, Fayol e
Ford. O que nos propomos aqui, entretanto, é uma primeira aproximação desses
autores. Procuraremos identificar suas principais idéias e propostas, sem a
preocupação de verificar exaustivamente aquilo que foi efetivamente aplicado.
Apenas indicamos alguns indícios de como essas idéias foram paulatinamente
sendo incorporadas na medida em que o processo de industrialização se
consolidava no Brasil.
Esses autores apontam as relações estabelecidas no espaço fabril e
destacam o papel desempenhado pela chefia nos estabelecimentos industriais.3
Para eles o espaço da fábrica constitui-se em realidade dinâmica e conflituosa.
O movimento que se inicia com a soma de dinheiro nas mãos do capitalista,
passa pela aquisição dos meios de produção e força de trabalho, pela organização
do processo produtivo até a obtenção final de um produto que se realiza
enquanto mercadoria na circulação, não é tranqüilo. A falta de tranqüilidade
decorre da percepção, pelo produtor direto, da desigualdade na distribuição do
valor criado no término do processo. Consideram, porém, que de direito, de
acordo com as regras institucionais que regulam as relações sociais, o
proprietário detém as prerrogativas da concepção e coordenação do processo
de valorização e realização do seu capital e pode, portanto, apropriar-se da
maior parte do excedente gerado.
O objetivo de todo sistema de gerenciamento, por eles criado, é
aproximar o máximo possível a situação de fato da situação de direito. Para
isso é necessário aperfeiçoar a administração do par coerção/consenso. Onde
os recursos da persuasão assumem o caráter dominante e, simultaneamente, os
métodos coercitivos o caráter determinante. Repete-se no espaço da fábrica a

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