O movimento pelos direitos da criança e do adolescente e o controle social sobre a política socioeducativa: Repertórios de interação socioestatal

AutorMaria do Carmo Alves de Albuquerque
CargoDoutora em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)
Páginas31-66
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 14 - Nº 29 - Jan./Abr. de 2015
3131 – 66
O movimento pelos direitos da
criança e do adolescente e o controle
social sobre a política socioeducativa:
Repertórios de interação socioestatal
Maria do Carmo Alves de Albuquerque
1
Resumo
Este ar tigo trata do movimento pelos direitos da criança e adolescente (movimento DCA) em
sua ação de incidência – ou controle social - sobre a política socioeducativa. Busca uma nova
perspectiva de análise sobre este movimento social que permita ref‌letir sobre seus resultados na
conquista das políticas públicas para a efetivação do paradigma de garantia de direitos à criança
e ao adolescente. Para tal foi preciso buscar novos referenciais teóricos adequados para pensar
esta forma de atuação, examinando os repertórios de interação entre o movimento e o Estado.
Entre eles a participação institucional através de instituições participativas como Conselhos e
Conferências, a ocupação de cargos no Estado e, especialmente, a articulação entre os atores
societais do movimento DCA e os atores estatais incumbidos legalmente de realizar o controle
público sobre a política. O artigo se baseia em pesquisa docente com base em análise documental
e observação de campo de atores e espaços de ação do movimento social DCA. Nota-se a impor-
tância de articular uma perspectiva teórica movimentalista, focando os repertórios da ação cole-
tiva, com uma perspectiva de análise de políticas públicas. Analisar padrões de interdependência
entre atores sociais e Estado é essencial para fugir da avaliação simplista de que a interação entre
Estado e movimento leva à burocratização e cooptação e para entender o signif‌icado e o lugar do
movimento no controle social da política pública.
Palavras-chave: Movimento social. Controle social. Repertórios de interação socioestatal. Coa-
lizões de defesa. Adolescente em conf‌lito com a lei.
1 Doutora em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciência Política
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora da Universidade Anhanguera de São Paulo
(Unian) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
E-mail: mcarmoa@gmail.com .
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n29p31
O movimento pelos direitos da criança e do adolescente e o controle social sobre a política socioeducativa: Repertórios de interação
socioestatal | Maria do Carmo Alves de Albuquerque
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1 Introdução
Diversos autores têm apontado a insuciência da literatura clássica sobre
movimentos sociais para um estudo adequado da ação dos movimentos no
Brasil, principalmente após a estabilização do regime democrático e a amplia-
ção da democracia que se seguem à Constituição de 19882.
O “modelo clássico” foi criticado por autores como McAdam, Tarrow e
Tilly (2009, apud ABERS; BÜLOW, 2011) que apontaram a necessidade de
enfatizar os processos políticos nos quais se desenvolve a ação coletiva e os seus
repertórios de ação conituosa (TILLY, 2010; TARROW, 2009).
Essa perspectiva vem sendo recentemente explorada por autores brasi-
leiros como Abers, Seram e Tatagiba (2014), Abers e Bülow (2011), Carlos
(2011), Sherer-Warren e Lüchmann (2011), Dowbor (2012), Silva e Oliveira
(2011), entre outros que, no entanto, problematizam a caracterização dessa
ação conituosa, explicitando e acentuando a importância do estudo sobre
a interação socioestatal dos movimentos sociais. Estes autores buscam uma
nova maneira de ver os movimentos que permita pensar sua participação na
construção democrática no Brasil e sua incidência em políticas públicas, a m
de ampliar a perspectiva de análise do movimento social para além dos estudos
que mais frequentemente se focaram nas suas dinâmicas de ação no interior
da sociedade, em conito e oposição ao Estado, pensado como exterior a ele.
E acrescentar um olhar sobre o seu repertório de ações que interagem com
atores do Estado.
O envolvimento dos movimentos sociais é acentuado mediante esforços
por democratizar o Estado, que também se notam em toda a América Latina
(ABERS; BÜLOW, 2011). No Brasil, os movimentos desempenham importan-
te papel na construção democrática (ALBUQUERQUE, 1997), pois há forte
interação com agentes públicos estatais (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA,
2014) e contínua incidência nas políticas sociais em todas as suas fases: a
formação da agenda pública, a proposição de normativas e instrumentos
de política pública, a execução, o monitoramento e a avaliação das políti-
cas (ALBUQUERQUE, 2007). A participação e a incidência da sociedade,
2 Albuquerque (1997) examina essa transição e o papel – uma nova fase – dos movimentos sociais na con-
strução da democracia no Brasil.
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especialmente dos movimentos sociais, nas políticas públicas é normatizada,
na legislação que segue a Constituição de 1988, como “controle social” sobre
as políticas públicas e se exerce por meio de novas instituições participati-
vas (IPs) como Conselhos e Conferências de políticas públicas conforme
a Constituição federal, em seus artigos 29, 194, 198, 204 e 227 (BRASIL,
1988); as Leis Orgânicas da Saúde, Leis nº 8.080/90 (BRASIL, 1990b) e
nº 8.142/90 (BRASIL, 1990c); Lei Orgânica da Assistência Social, Lei
Lei nº 8.069 (BRASIL, 1990a), entre outras.
Este artigo insere o “movimento pelos Direitos da Criança e do Adoles-
cente (movimento DCA)”3 neste debate, buscando compreender sua contri-
buição para a “política socioeducativa”4. Para tal analisa seus diferentes reper-
tórios de ação, explicitando a interação entre movimento e Estado, com as
características próprias deste movimento social.
O movimento social é entendido, conforme detalharemos adiante, como
um conjunto heterogêneo integrado por diferentes organizações, grupos e in-
divíduos ativistas que, no entanto, possuem identidades coletivas comparti-
lhadas. No caso do movimento DCA, esta identidade se constitui em torno
das lutas pela incorporação do “paradigma garantista” na legislação e na polí-
tica pública de Direitos da Criança e do Adolescente.
O ideário ou paradigma “garantista”, conhecido como a “Doutrina da
proteção integral” se consolida desde o m dos anos 1980 em oposição ao
“paradigma menorista”, que caracterizou, até então, as políticas para crianças
e adolescentes entendidos como “menores” em “situação irregular”: órfãos,
pobres, abandonados e infratores.
Sem negar a heterogeneidade do movimento, identicamos uma ação
coordenada em torno de repertórios de ação que conuíram para a opera-
cionalização desse paradigma, com seus inúmeros tropeços, nas legislações e
3 Para mais informações: .
4 Dentro da política de direitos da criança e do adolescente, def‌inida principalmente pelos artigos 227 e 228
da Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a política socioeducativa é a que
trata do atendimento e dos direitos do adolescente em conf‌lito com a lei e é def‌inida pela Lei nº 12.594, de18
de janeiro de 2012 (Lei do Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). O artigo parte das
dimensões nacional e estadual desta política, mas se detém no seu âmbito municipal.

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