Morosidade do Judiciário: Culpa Exclusiva da Lei e do Advogado?

AutorFábio Cenci
CargoAdvogado/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil
Páginas16-24

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I Introdução

Motivado pela necessidade de tornar o processo judicial mais rápido no Brasil, desde o fim de 2006 o Governo federal vem, através do Poder Legislativo, alterando sensivelmente todo o ordenamento processual (inclusive já se deliberou um novo ordenamento processual civil no Senado Federal); contudo, vem tal mudança sendo feita de forma racional, hábil a atingir o seu objetivo?

Tendo em vista a lei brasileira proibir a "justiça pelas próprias mãos", o Poder Público monopoliza a forma de resolução de conflitos entre as pessoas (físicas e jurídicas), atividade esta exercida pelo Poder Judiciário (exceção é feita aos tribunais arbitrais, onde a questão é resolvida fora do Poder Judiciário, e tal decisão tem a mesma força de uma sentença).

O processo judicial é pautado por leis que determinam a forma pela qual ele deve tramitar (leis de caráter processual). Tais normas devem respeitar determinados princípios1, sendo que alguns deles encontram-se elencados na Constituição da República. Atualmente, dois desses princípios dão causa a inúmeras discussões doutrinárias, quais sejam: os princípios da celeridade e o da segurança jurídica.

II Dos princípios processuais da celeridade e da segurança jurídica

Importante salientar que dentre os princípios que norteiam (ou deveriam nortear) o legislador, inexiste hierarquia, cabendo a ele ter sensibilidade e sabedoria para poder equacioná-los quando da formatação de um novo texto legal.

Sobre os princípios mencionados, o primeiro (que atualmente encontra-se previsto na lei maior) diz respeito à necessidade de que o processo judicial termine em tempo razoável, entregando, a quem de direito, aquilo que intenta com o processo.

Mas pode-se quantificar em dias, semanas, meses ou anos, um prazo máximo de tramitação do processo? Sobre este questionamento, vale colacionar o que escreveu Alencar Frederico: "No entanto, não é fácil determinar o exato alcance e sentido da expressão 'razoável duração do processo'. A doutrina aponta três critérios utilizados pela Corte Europeia do direito do Homem para avaliar se a duração de determinado processo foi razoável ou não, sendo eles: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes; c) a atuação do órgão jurisdicional. Entendemos que não pode haver fixação do prazo razoável, pois cada caso concreto tem suas próprias circunstâncias e particularidades que devem ser observadas, sendo impossível, e até mesmo irracional, estabelecer (determinar) um prazo limite de duração de um processo. Porém, pode-se dizerque a 'duração razoável do processo' é o tempo suficiente para que haja uma adequada, segura, eficiente e efetiva entrega da prestação jurisdicional, sendo capaz de precatar todos os danos derivados da lentidão. Em outras palavras, é o tempo giusto ed éaquo para que a prestação jurisdicional tenha a eficácia almejada."2

Tal entendimento encontra reflexo junto ao Supremo Tribunal Federal.

"(...) o excesso de prazo não resulta de simples operação aritmética. Complexidade do processo, retardamento justificado, atos procrastinatórios da defesa e número de réus envolvidos

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são fatores que, analisados em conjunto ou separadamente, indicam ser, ou não, razoável o prazo para o encerramento da instrução criminal. Excesso de prazo causado, em parte, pelo não comparecimento do advogado de defesa na Sessão do Tribunal do Júri, o que deu causa aque o Juiz nomeasse defensor público e determinasse a expedição de ofício à OAB comunicando a ausência injustificada do advogado" (HC 97.461, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 12-5-09, 2a. Turma, DJE de 1e-7-09).

Se o retardamento na finalização do processo se dá por responsabilidade exclusiva do próprio Poder Judiciário, caracterizada está a ofensa constitucional.

"O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5e, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei" (HC 85.237, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-3-05, Plenário, DJ de 29-4-05). No mesmo sentido: HC 93.639, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-12-08, 2a. Turma, DJE de 14-8-09; HC 95.634, Rel. Min. EllenGracie, julgamento em 2-6-09,2a. Turma, DJE de 19-6-09; HC95.492, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 10-3-09, 2a. Turma, DJE de 8-5-09; HC 87.164, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-4-06,2a. Turma, DJ de 29-9-06.

Justiça feita a destempo deixa de ser decisão justa. Para tal, pode-se tomar como exemplo uma ação em que o autor pretende receber indenização por conta de um acidente do trabalho; contudo, antes do recebimento da justa quantia, vem a falecer. Será que o princípio da celeridade processual foi respeitado (repita-se, norma constitucional)? Vale dizer que tal situação se repete com infeliz frequência nos fóruns do país3.

"Tendo em conta a peculiaridade do caso, a Turma desproveu recurso extraordinário no qual pleiteada a desconstituição de acórdão do TRF da 3a. Região e a conseqüente remessa do feito à comarca em que localizado o imóvel objeto de ação de usucapião. (...) Inicialmente, ressaltou-se que a aludida ação de usucapião fora ajuizada há mais de 40 anos e, desde então, o Estado, ministrando a prestação jurisdicional requerida, apreciara o mérito da demanda 2 vezes. A primeira sentença, proferida pelo Juízo da Comarca do Guarujá, em 1967, julgara procedente a demanda. A segunda, pelo Juízo Federal da 7a. Vara da Seção Judiciária de São Paulo, em 1975, também considerara procedente o pleito. A seguir, registrou-se que a EC 45/2004, em resposta à morosidade da justiça, consagrou o princípio da celeridade processual como postulado fundamental (CF, art. 5e, LXXVIII). Asseverou-se que, na situação dos autos, haveria, de um lado, as regras que garantem ao jurisdicionado segurança jurídica e, de outro, a afirmação constitucional da necessariamente rápida e, ao menos razoável, prestação jurisdicional. Ademais, aduziu-se que hipóteses de exceção não deveriam ficar à margem do ordenamento, sendo por este capturadas, e concluiu-se que a preservação dos princípios imporia a transgressão das regras. Tendo isso em conta, as regras de competência - cuja última razão se encontra na distribuição do exercício da jurisdição, segundo alguns critérios, aos órgãos do Poder Judiciário -, não poderiam prevalecer 43 anos após a propositura da ação. Concluiu-se que assim deveria ser em virtude da efetiva entrega da prestação jurisdicional - que já se dera - e à luz da garantia constitucional à razoável duração do processo. Precedente citado: HC 94.916/RS (DJE de 10.10.2008)" (RE433.512, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-5-09, 2a. Turma, Informativo 548).

Assim, pode-se afirmar que inexiste, matematicamente falando, uma quantidade de dias, meses, anos, décadas, para balizar o cumprimento da ordem constitucional; ela deverá ser analisada caso a caso, especialmente, levando-se em conta as características de cada processo e suas principais intercorrências.

Por outro lado, além de ser rápido, o processo judicial deve ser seguro, e processo seguro é aquele que, antes de tudo, garante às partes que integram a relação processual o exercício da ampla defesa (da mesma forma, garantia constitucional). A vedação de que a parte produza determinada prova (perícia, oitiva de testemunha, expedição de ofício etc.), claro, desde que pertinente e útil para que o julgador possa resolver o conflito de forma justa e correta (livre convencimento do julgador, nos termos dos artigos 130 e 131 do CPC), sob o argumento de que o processo irá se prolongar em demasia, e por conta disso, violará o princípio da celeridade, é ofender tanto o já mencionado princípio constitucional da ampla defesa, como o de que o processo judicial deve ser seguro.

"A razoável duração do processo (...), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos" (HC95.045, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-08, 2a. Turma, DJE de 26-9-08). No mesmo sentido: HC 92.293, Rel. Min. ErosGrau,julgamentoem02-12-08,2a. Turma, DJE de 17-04-09; HC 91.118, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 2-10-07, 1a. Turma, DJ de 14-12-07.

III Da celeridade e da segurança jurídica no atual CPC

O legislador, ao formatar o atual Código de Processo Civil (que teve como nascedouro o famoso grupo de estudos encabeçado pelo professor Alfredo Buzaid, que contou com a presença do professor Sérgio Luiz Monteiro Salles, que, antes de tudo, sempre fez questão de ensinar a sistemática da atual legislação aos seus alunos), primou pela garantia de um processo seguro...

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