O modelo de Karl Popper sob a ótica das Ciências Sociais Aplicadas

AutorMilton de Abreu Campanario - Milton de Freitas Chagas Junior - Mauro Silva Ruiz
CargoProfessor do Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Nove de Julho ? São Paulo ? SP, Brasil - Professor do Programa de Mestrado Profissional em Administração, Faculdade Campo Limpo Paulista ? São Paulo ? SP, Brasil - Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Nove de Julho ? São Paulo ? SP, Brasil
Páginas124-140
Artigo recebido em: 21/10/2011.
Aceito em: 19/02/2012.
Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.
124 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
O MODELO DE KARL POPPER SOB A ÓTICA DAS CIÊNCIAS
SOCIAIS APLICADAS
Karl Popper’s model under the perspective of the applied social
sciences
Milton de Abreu Campanario
Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Nove de Julho – São Paulo – SP, Brasil.
E-mail: macampanario@uol.com.br.
Milton de Freitas Chagas Junior
Professor do Programa de Mestrado Profissional em Administração, Faculdade Campo Limpo Paulista – São Paulo – SP, Brasil.
E-mail: morichagas@uol.com.br.
Mauro Silva Ruiz
Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Nove de Julho – São Paulo – SP, Brasil.
E-mail: maurosilvaruiz@gmail.com.
FQK
Resumo
Karl Popper é o principal filósofo da ciência na
modernidade, disputando com Thomas Kuhn a
primazia de interpretação do método científico.
Claramente há diferentes visões para uma leitura desse
importante autor que cunhou o método chamado de
dedutivo com teste. O texto reconhece a relevância
da visão de Karl Popperno desenvolvimento de
trabalhos científicos das ciências exatas e biológicas,
onde é amplamente aceita. No entanto, nota-se que
essa formulação é pouco sistematizada na área das
ciências sociais aplicadas. Este é um ensaio que busca
resgatar a sua contribuição, numa tentativa de traduzir
os conceitos por ele desenvolvidos de forma didática.
Para tanto, será feita uma introdução aos fundamentos
da ciência como forma específica de conhecimento,
buscando contrastar os métodos dedutivo e indutivo
e os procedimentos da ciência formal, básica e
aplicada. Uma tentativa de classificar a formulação de
proposições a serem testadas ou falseadas é feita com
a utilização de diferentes critérios, utilizando exemplos
da administração e da economia para ilustração.
Palavras-chave: Método dedutivo com teste. Pesquisa
social aplicada. Filosofia da ciência. Karl Popper.
Abstract
Karl Popper is the leading philosopher of science
in modern times, competing with Thomas Kuhn’s
interpretation to the primacy of how to utilize de
scientific method. Clearly, there are different versions
for a reading of this important author who coined the
method called deductive with test. This text recognizes
the relevance of Karl Popper’s view of science as a
practice in hard and biological fields, where it is widely
accepted. However, this popularity is not shared in the
applied social sciences area. This is an essay to rescue
his contribution in an attempt to translate the concepts
he developed in a didactic way. To this end, there will
be an introduction to the fundamentals of science as
specific form o knowledge, seeking to contrast the
deductive and inductive approaches and procedures
of what is known as formal science, basic and applied.
An attempt to classify the formulation of theoretical
propositions is undertaken with the use of different
criteria, taking examples in the field of management
and economics as an illustration.
Key words: Method deductive with test. Applied social
research. Philosophy of science. Karl Popper.
125
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
1 INTRODUÇÃO
A ciência moderna é fortemente influenciada
pela visão aristotélica da natureza, com a introdução
da lógica e da observação como elementos críticos
do conhecimento sistemático. A classificação dos ele-
mentos da natureza e da sociedade é apreendida pela
linguagem e utilizadanos círculos científicos e leigos,
pois ele parte da experiência sensível, fundamento
maior para se apreender a natureza das coisas. De
certa forma, essa visão o afasta de seu tutor Platão, que
via na interpretação racional não vivida uma validade
para interpretar o mundo. A partir desse fundamento
aristotélico da observação e da experiência, a natureza
da pesquisa científica ficou cunhada como positiva,
criando uma referência dialética da visão racionalista
e, por vezes, especulativa, havendo uma proposição a
ser testada por meio da pesquisa para ganhar validade.
O objetivo deste capítulo é explorar o conceito de pes-
quisa formal, básica e aplicada, conceito desenvolvido
por Karl Popper e central da área de metodologia e
filosofia da ciência, mostrando sua importância na
construção do conhecimento.
Karl Popper (1902-1994) tem uma vasta pro-
dução (POPPER, 1944, 1959, 1963, 1987, 1994),
sendo muito comentado na literatura especializada,
que não é aqui objeto de análise detalhada, mesmo
porque parte de seus escritos é destinada a temas
sociológicos como democracia e liberdade, que não
nos convém no momento. Sua obra mais pertinente
para esta revisão é A Lógica da Pesquisa Científica
(1963). Este artigo está centrado na forma como ele
trata a questão de criar uma proposição teórica a ser
testada (falseabilidade) e seus desdobramentos na
pesquisa das ciências sociais aplicadas. Esse teste tem
que ter uma metodologia replicável para ter validade
científica. Para nós, o intuito é modesto: ilustrar como
o modelo Poperianopode ser utilizado nesta área do
saber, particularmente em administração, economia e
áreas correlatas. Num certo sentido, este texto, busca
incorporar a visão de Popper de forma mais contun-
dente e expressiva do que foi feito em ensaio anterior
(CAMPANARIO; CHAGAS JUNIOR, 2012). É relevan-
te salientar que existem outras formas de apreender a
ciência como forma de conhecimento, admitindo que
o objetivo aqui é somente o de melhor expor as for-
mulações deste importante autor, que carrega consigo
muitas controvérsias colocadas nas últimas décadas.
(O’HEAR, 1977; STOVE, 2002)
Como salienta Raphael (1999), a pedra angular
da concepção Popperiana do método científico deriva
da constatação de que o honesto trabalho do cientista
é procurar falsificar suas próprias hipóteses, detectando
falhas em seu trabalho, da forma mais rigorosa possível.
Uma questão científica pode ter sua origem em uma
observação empírica nova, como a existência ou não
da partícula de Deus. De outro lado, acredita-se que
Albert Einstein deduziu a teoria da relatividade. Ou-
tros vão argumentar que esta teoria é puro positivismo,
pois pretendia representar as forças do universo na
sua totalidade. Para Popper, essas posições são mitos.
Houve muito trabalho empírico antes e após a genial
sacada de que o tempo é relativo e que a gravidade
provoca curvas na luz.
A rigor, há duas correntes básicas sobre o que
vem primeiro na ciência: a observação ou a razão
(CHALMERS, 1997). A primeira, de caráter mais po-
sitivista (seguindo o pensamento de August Comte e o
empirismo de Francis Bacon e John Locke), afirma que
sem observação não é possível a busca pela verdade,
contrapondo-se à escolástica metafísica. O iluminismo
fez uma grande contribuição ao introduzir na cultura
ocidental uma forma positiva de ver o mundo, mas
não sem problemas. A segunda corrente argumenta
que o ato de observar a realidade é uma atividade
construída pela razão (racionalismo de René Descartes
e de Immanuel Kant), tornando o levantamento de
informações e dados dependente do esforço teórico
e conceitual anterior (busca pela linguagem precisa).
Dessa forma, o esforço teórico antecipa a observação
empírica, sendo possível o exercício da ciência por
meio da construção de axiomas e a derivação lógica
ou a dedução matemática. É evidente que há críticas a
essas visões, que serão brevemente citadas no decorrer
deste texto.
Neste trabalho, serão exploradas as principais
contribuições de Karl Popper, localizando a contribui-
ção deste pensador no contexto da filosofia da ciência
sem, no entanto, pretender explorar a sua obra sobre a
perspectiva da epistemologia, este que é um trabalho
desenvolvido por outros autores, com destaque para
a coletânea de O’Hear (1977) e as críticas de Raphael
(1999). O intento aqui é simplesmente o de tornar
mais compreensível o modelo dedutivo com teste ou
126 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
dedutivo hipotético, atribuído a esse grande autor
e que merece uma divulgação em linguagem mais
acessível para a área ciências sociais aplicadas. Tal
intento é manifesto pela premissa de que a evolução da
ciência em qualquer campo é repleta de controvérsias.
Para muitos, o que é relevante é a resolução desses
embates e não sua origem, o que nos remeteria para
a história e a sociologia. O que importa realmente
é a noção de como a ciência alcança a fronteira do
conhecimento e isso é feito pela ideia de que há uma
superação positiva (ARIDA, 2003) isto é, controvérsias
são superadas e esquecidas, sendo colocadas em seu
lugar uma verdade temporária (positiva) que há que
ser falseada por novas controvérsias que advém da
pesquisa; este mesmo autor adverte para a questão
da retórica nas ciências, argumentando de acordo com
Mccloskey (1991) que muitas boas propostas teóricas
são esquecidas por longos períodos da história (veja a
descrição feita por Kuhn (2000) sobre o eletromagnetis-
mo) e outras, importantes, mas localizadas no tempo,
são enaltecidas como prevalentes, mas após algum
tempo são relegadas a um segundo plano, tal é o caso
do fordismo na engenharia de produção.
2 O CONTEXTO DA OBRA DE POPPER
Omnès (1996) faz um inventário da prática ou do
trabalho científico. Mas, como toda revisão, essa não
persegue de forma aprofundada a questão central de
Popper que, segundo o entendimento, é a formatação
de uma proposição teórica a ser testada empiricamente
ou por qualquer outro meio de observação sistemática,
tendo como crítica presente a formulação das propo-
sições feitas durante a pesquisa. De forma geral e sem
pretender elaborar um raciocínio epistêmico, o trabalho
científico busca a construção e a divulgação de novos
conhecimentos em um determinado tema ou campo de
pesquisa, com base em novos achados e descobertas,
junto à realidade ou, ainda, como resultado de racio-
cínio lógico, este que é tributário da matemática. Mas,
talvez sua característica mais marcante seja decorrente
da constatação de que, tal qual todo conhecimento, a
ciência é uma representação da realidade, um modelo
teórico ou imaginário de como a realidade se instala
e se comporta. O problema é saber até que ponto é
possível representar a realidade. O positivismo atesta
que ela pode ser totalmente reproduzível, se ao cientista
é dada a informação e os meios necessários à pesquisa.
John Loke e David Hume, como grandes ideólogos do
empirismo científico, imaginavam que a ciência seria
formada por subsistemas da realidade, capaz de ser
totalmente reconstruída. Seguindo essa tradição em-
pirista, tem-se o legado de August Comte, que coloca
a ciência como tributária da experiência sensível do
mundo material, única fonte capaz de fornecer dados
concretos (positivos) da verdade.
Essa posição é fortemente criticada no mundo
da ciência. O racionalismo crítico, por exemplo, trata
de reconhecer, seguindo Immanuel Kant (2007), que a
realidade em si é complexa e inatingível ou, ainda me-
lhor, irreproduzível. Por isso o uso de artifícios abstratos
e generalizações para que se possa aproximar-se dela.
O melhor artifício inventado pela ciência é a teorização
por meio de propostas, apostas ou ainda proposições
sobre como determinado fenômeno funciona. O
homem cria categorias derivadas de sua experiência,
imediatas ou mediatas. Mas, essas experiências são
filtradas pelo entendimento que é fornecido pela razão.
Karl Marx, na mesma linha de argumentação, atesta
que a realidade é construída abstratamente a partir
de contrastes ou de opostos observáveis na natureza
ou na sociedade pelo homem. A luz não é compre-
endida sem a escuridão ou ainda o capitalista não é
compreendido sem o trabalhador, diria Marx. Mas,
entre uma dimensão abstrata e outra sempre há o
que é captado pela observação ou pesquisa de forma
concreta pelo cientista, que é algo cinzento, uma
penumbra, entre um extremo e outro, que ele chama
de síntese. (KOSIK, 1976)
As sínteses processadas no mundo (por meio
da linguagem ou da matemática, por exemplo) são
somente possíveis por meio de categorias ou conceitos
que podem operar para distanciar-se da experiência
e da empiria imediatista. Dessa forma, ao observar a
realidade já se tem juízos a priori, alguns ordenamentos
que permitem emitir valores sobre o que se pretende
entender. O que torna Kant (2007), talvez, um dos
maiores pensadores da ciência é a sua classificação de
juízos de valores: analíticos e sintéticos. Os primeiros
são fruto da lógica pura, como, por exemplo, a raciona-
lidade matemática: uma figura geométrica como um tri-
ângulo é definida por número de ângulos (três) e lados
(três) abstratamente construídos pela mente humana,
sendo essa concepção universalmente aceita. Já o que
127
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
ele denomina juízo sintético é fruto da experiência e
da observação posteriores, o que abriria uma grande
fronteira para testar o conhecimento e renová-lo, isto
é, existem atributos que não são necessariamente de-
duzidos logicamente, mas somente pela experiência.
Seguindo Lacey (1996), a ciência propõe repre-
sentar a realidade de forma abstrata, consistente, codi-
ficada e lógica. Com essas colocações, assume-se aqui
claramente uma postura a favor da visão racionalista
segundo a qual a razão é a fonte de todo conhecimen-
to ou justificação. Mais precisamente, trata-se de um
método no qual o critério de busca da fidedignidade
ou mesmo da verdade é dedutivo e não puramente
empírico ou sensorial, muito embora sempre exista
uma alimentação sintética, fruto da experiência.
Ludwig Wittgenstein (2001), por meio de seu
magistral Tractatus Logico-Philosophicus explica como
a linguagem consegue representar o mundo, mas de
forma codificada e limitada, assim como um croqui
explica genericamente uma construção ou um mapa
que representa uma região ou um país. Mais espe-
cificamente nessa obra, ele pretende mostrar como
uma proposição teórica é capaz de representar um
estado de coisas da realidade observável. A resposta
é conhecida como teoria pictórica do significado (daí
a nossa expressão croqui), pois estabelece que uma
proposição é uma representação figurativa dos fatos,
um esboço simplificado do que realmente acontece na
realidade. Assim, a expressão capitalismo dá sentido
a um tipo de sociedade, organizada por meio do mer-
cado, da propriedade privada, da liberdade e da busca
por empreendimentos empresariais, constituindo-se
somente num “croqui” da realidade ou numa abstração
que precisa ser qualificada para ganhar concretude, um
significado maior para o pesquisador.
Essa visão é modificada por Wittgenstein (2005)
em sua segunda grande obra conhecida como Inves-
tigações Filosóficas. Nessa obra, o autor trata a lingua-
gem por meio da analogia com jogos, para os quais
não há uma única essência (capitalismo) que possa ser
expressa pela linguagem e sim características variadas
que dependem do uso que se faz dela. A rigor, existem
vários capitalismos: o americano, o europeu, o latino
americano e o asiático. Ao tentar explicar a realidade, o
autor chama a atenção para um jogo de linguagem,
por meio do qual há segmentos homogêneos que estru-
turam determinado pensamento ou uma expressão da
realidade (capitalismo); e outros heterogêneos, quando
se emprega a linguagem, não necessariamente para
expressar a realidade ou uma porção dela, mas para
imprimir um significado específico ou uma qualificação
que se faz expressar, mas que não é precisa (capitalismo
liberal, de estado, etc.). Da mesma forma, utiliza-se
a linguagem para dramatizar um evento ou ironizar
uma situação, ou ainda para imprimir a autoridade
sobre pessoas ou, o seu inverso, contestá-la. Assim,
considerando que o objetivo da ciência é dominar
o conhecimento sobre a natureza dos fenômenos e
suas implicações, Wittgenstein (2001) argumenta que
a linguagem tem que ser muito precisa e estruturada
em torno de princípios rígidos de discurso (conhecido
também pela expressão “formalismo estruturalista do
Tractatus”) sendo essa uma tarefa difícil pelos múltiplos
e variados significados ela pode representar. Enfren-
tando exatamente esta dificuldade no uso preciso e
formal da linguística em muitas expressões utilizadas
principalmente pelas ciências sociais, o autor altera
sua forma de argumentação e adere a uma visão
mais flexível, mais aderente à dinâmica da realidade
vivida e observável, isto é, a linguagem pode e deve
ser mais solta e expressar tendências e variações de
pensamento (WITTGENSTEIN, 2005). Dessa visão é
que surge a famosa expressão “jogos de linguagem”,
em que o discurso é flexível e não estruturado, capaz
de captar a nuances da realidade, sem o formalismo
do rígido estruturalismo que antes defendia. Dessa
forma, Wittgenstein larga o formalismo estruturalista
do Tractatus e adere a uma visão mais flexível, mais
aderente à dinâmica da realidade vivida e observável.
O autor que mais se aproxima desta segunda
visão de Wittgenstein, radicalizando-a, seja Paul
Feyerabend, em seu livro Contra o Método (1989).
Esse autor defende a ideia de que não há normas
ou regras metodológicas a serem seguidas pela ci-
ência, pois elas tolhem a liberdade da pesquisa e
não necessariamente levam à verdade, retardando o
conhecimento. Haveria então um jogo de métodos
que deveria ser experimentado livremente, chegando
perto do anarquismo metodológico ou teórico, que
abriria a ciência para novos e frutíferos significados, tal
qual aquele possibilitado pela linguagem. Sua funda-
mentação está contida em críticas a dois fundamentos
científicos tradicionais: a consistência do critério
e a falseabilidade. No primeiro, ele adota a postura
128 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
de que novas regras poderiam ser criadas livremente
para, de certa forma,contrabalancear a preservação da
tradição ou da condição de coerência. O método não
tem necessariamente que ter uma evolução a partir
das práticas antigas, mas sim revolucionar e derrubar o
conhecimento até então dominante. Não há, portanto,
necessariamente que seguir aconsistência do critérioao
aceitar novas hipóteses (ou proposições teóricas) que
podem ser ajustadas e testadas nas teorias já con-
sagradas, o que levaria ao dogmatismo. Isto é, uma
nova teoria não tem que ter consistência com teorias
já aceitas, buscando sempre aperfeiçoa-la.
Essa visão serve de fundamento para uma crítica
ao princípio da falseabilidade, desenvolvido por Karl
Popper, e que será neste texto apresentado. Por ora
basta destacar que toda a teoria tem um prazo de vali-
dade. Em algum momento ela será testada e mostrará
ser falsa. Mesmo pertencendo à escola do racionalis-
mo crítico (da qual Popper seria o maior expoente),
esta crítica de Feyerabend (1989) é, a rigor, um libelo
contra o positivismo, uma crítica de que tudo teria
que ser testável para ser verdadeiro. Nenhuma teoria
seria de fato perfeita, pois ao ser construído como um
croqui,deixa-se de lado fatos eventualmente interes-
santes. Mas, a ciência sempre tem que ter uma lógica
(que independe muitas vezes da experimentação) e ter
algum grau de aderência ao que é observável. Esse é
o jogo do possível.
Boas questões científicas são normalmente levan-
tadas pela investigação pretérita já publicada, que é
composta por representações fiéis, mas eventualmente
falseáveis ou testáveis, de elementos da realidade sen-
do investigada. É impensável argumentar que a ciência
social, e dentro desta vários de suas ramificações temá-
ticas, nasceu sem a contribuição de teorias vindas de
áreas das ciências humanas e sociais, como é o caso
da economia, antropologia, sociologia e psicologia. A
rigor não são compreensíveis os conceitos de ciência
sem passagens pela lógica e a física clássica de Newton
e Kepler ou ainda sem a compreensão da natureza tra-
zida por autores como Francis Bacon, Rennè Descartes
e Bertand Russel, entre muitos outros. Mas, todos eles
lançam neste mundo um imaginário, uma represen-
tação na busca por fidedignidade. Talvez o maior de
todos os cientistas e o que representa essa visão é
Charles Darwin, que publicou seu livro A Origem das
Espécies, em 1859, e revolucionou o pensamento sobre
a origem da própria natureza. Partindo da observação
sistemática, ele foi obrigado a criar uma lógica derivada
do axioma de que os organismos vivos estão em pro-
cesso permanente de evolução. Essa evolução parte
de um ancestral comum capaz de multiplicar a espécie
de forma gradual por meio da seleção natural. Seres
vivos sofrem mutações que podem ser repassadas aos
seus descendentes, mas a seleção natural vai escolher
os mais aptos a sobreviver num determinado meio
ambiente e eliminar os menos aptos.
Em administração e em economia, áreas relativa-
mente novas na ciência, os fundamentos das modernas
teorias estão assentados, por exemplo, nos estudos de
filosofia moral (economia) de Jeremy Bentham e John
Stuart Mill, precursores do utilitarismo no consumo e
que fortemente influenciaram a área de marketing,
por exemplo. Esse conceito é central em toda a teoria
de mercado, mas ainda tributário da lei de oferta e
procura de Adam Smith. Da mesma forma, a teoria
crítica em administração tem em Karl Marx e em Mi-
chael Foucault, por exemplo, expoentes da sociologia
e da ciência política crítica. No cerne da ciência admi-
nistrativa está claramente a presença de Max Webber
com sua análise sociológica das estruturas burocráticas.
Claramente um longo caminho foi percorrido desde
meados do século XIX até os tempos atuais, com a
presença de um enorme conjunto de conhecimentos
sobre o funcionamento das organizações, mercados e
das redes sociais que hoje são objeto dos estudos em
administração. Hoje, parte desses conhecimentos é
aplicada diretamente na atividade produtiva, exigindo
uma variedade muito grande de instrumentos ou tecno-
logias. Em outros termos, a práxis científica é o proces-
so pelo qual uma teoria torna-se uma ferramenta para
mudar a própria sociedade por meio do conhecimento,
se convertendo em parte da experiência vivida pelos
canais da organização da produção e dos processos
de consumo de bens e serviços – que retroalimentam
nossa evolução para novos conceitos e teorias. Para
Popper (1994), o nosso conhecimento tem fontes de
todo o gênero, mas nenhuma tem autoridade. Nenhu-
ma fonte de conhecimento tem um sentido terminante.
Há que sempre duvidar da sua veracidade. E essa
veracidade somente pode ser testada por iniciativa de
um questionamento sério, baseado em evidências ou
logicamente dedutível. Uma proposição é a tentativa de
resposta a tal questionamento. Toda monografia, tese
ou dissertação, e todo artigo científico é, no fundo, a
129
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
defesa de uma proposição que é uma primeira resposta
(a ser testada) a um questionamento bem feito.
Seguindo os ensinamentos de Popper (1994), no
trabalho de pesquisa, a opção sempre deve recair sobre
uma proposição abstrata (teórica) fruto de uma reflexão
cumulativa, mesmo porque a observação empírica
apenas é inteligível a partir de um enquadramento
conceitual prévio ou de uma observação nova ainda
não devidamente investigada. Ninguém ensina nada
novo sem obter fundamentos teóricos e empíricos
anteriormente. Kotler e Keller (2006) elaboraram os
fundamentos de uma nova disciplina da administração
em seu clássico texto sobre Administração de Marke-
ting, considerando todo o avanço científico da área de
economia, psicologia, administração e sociologia de
uma época. Da mesma forma, Levitt (1960) intitulado
o pai do marketing, autor de Miopia de Marketing,
rompeu o paradigma de vender a qualquer custo e
criou a ideia de satisfação ao cliente, mudando com-
pletamente a percepção do marketing como atividade
científica. Na economia, o modelo racionalista de
expectativas racionais, desenvolvido principalmente
por Robert Lucas, permite a modelagem matemática
e o uso da simulação como forma de revolucionar a
teoria e sugerir o tratamento empírico antes impossível.
Em outros termos, esses autores não desenvolve-
ram o seu gigantesco trabalho de sistematização e me-
lhora da compreensão das organizações e das relações
de troca no mercado sem fazer citações a outras áreas
científicas, sem observação, sem pesquisa, reflexão
teórica e uso da razão. Hoje, a administração e a econo-
mia incorporam sofisticados métodos estatísticos e da
neurociência para desenhar novos conceitos e teorias,
em evolução muito diversificada. Daí a importância
da pesquisa básica ou pura, pois ela enquadra o que
de mais geral e fundamental pode haver em termos
de conhecimento científico e tecnológico, embasando
ou dando um sentido mais consistente às pesquisas
aplicadas ou mesmo aos processos de inovação que
visam à utilização do conhecimento pela sociedade. É
sobre essa teoria básica que Popper irá tirar as propo-
sições a serem testadas empiricamente, na busca de
sua falseabilidade.
3 POPPER E A QUESTÃO DAS REVOLUÇÕES
CIENTÍFICAS
É relevante apontar que a ciência trabalha com
modelos, croquis ou esquemas que simplificam
a realidade por meio de variáveis e a relação entre
elas. Essa prática é comum em todas as ciências, va-
riando o tipo de lógica que se usa em cada uma. Nas
ciências como a administração utilizam-se também
representações metafóricas para expressar conceitos e
relacionamentos, tal qual Morgan (1996) argumenta.
Já outras ciências como a economia, em certos aspec-
tos, baseiam-se em axiomas rígidos, com postulações
racionalizáveis, facilmente modelados pela matemática
avançada ou pelo argumento lógico. Outros ramos
ainda avançam sob as práticas de pesquisa mais duras,
como a neurociência, os experimentos comportamen-
tais e a estatística inferencial.
O grande desafio da ciência tem sido o de conso-
lidar uma proposição teórica como representação da
realidade por meio de testes de consistência utilizando
as técnicas mais variadas. Daí o exercício da observa-
ção sobre a manifestação de objetos da realidade, ou
seja, os fenômenos investigados. Essa observação é
feita por meio de um objeto que é sensível a questio-
namentos sobre suas características, sobre sua forma
de se movimentar, sua dinâmica ou sua existência no
meio que habita (FULLER, 2003). Toda teorização,
entendida como forma de representação formal de
um fenômeno, carrega consigo a falibilidade, eviden-
ciando não a fraqueza da teoria, mas o seu oposto, a
possibilidade de ser testada contra a realidade. Há de
haver a garantia de que uma proposição teórica pode
em algum momento ser refutada por novas evidências
sistematicamente observadas. Disso vem a concepção
de que o método científico carrega consigo a necessida-
de permanente de justificação lógica do que se afirma
sobre algo (ACEVEDO; NOHARA, 2009). Segundo
essas autoras, o método científico envolve várias fases,
sendo a mais importante a formulação do problema,
que pode advir de uma reflexão teórica ou de novas e
sistemáticas observações empíricas a serem testada por
meio do enunciado das hipóteses, com detalhamento
do que se pretende demonstrar falso ou verdadeiro.
130 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
As observações anterioresnos remetem para uma
questão de nomenclatura, pois as autoras utilizam a
expressão hipótese e este texto utiliza-se da expressão
proposição. A rigor, a primeira tem vários sentidos.
Na matemática, hipóteses são condições para que
se opere uma demonstração, recurso muito utilizado
na economia, por exemplo. Já no sentido expresso
anteriormente, uma hipótese significa uma tentativa
de responder ou testar um questionamento feito sobre
algo, podendo ser provisoriamente ou de forma explo-
ratória. Na estatística, uma hipótese é uma maneira de
testar a significância de ocorrência de um evento, de
onde surge a expressão análise confirmatória de
dados. Para efeito deste texto, uma proposição tem
o sentido de afirmar se uma teoria e suas variáveis
respondem de forma consistente a um questionamento
sobre sua veracidade.
A partir de um questionamento, a proposição
trata de uma concepção teórica prévia, que parte do
conhecimento acumulado sobre um determinado obje-
to. Esse objeto, conforme Campanario e Chagas Junior
(2012), pode ser constituído por: um caso (fração da
realidade); um experimento (uma simulação controlada
da realidade); ou alguma forma de inferência empírica
(utilização de uma amostra do universo da realidade).
Todos esses procedimentos sujeitos à circunstância de
que a realidade é o que está no alcance e pode ser
apropriado pela linguagem existente namente humana,
sempre como representação, mas nunca como imita-
ção. Nessa instância, a observação da realidade ou
sua simulação é elemento crítico, estando presente nas
ciências experimentais, como a biologia e a psicologia,
ou nas ciências sociais aplicadas, como a administra-
ção, a economia, o direito ou a gestão de negócios.
Claro está que as ciências que buscam a consistência
lógica também avançam sobre este caminho quando
necessitam romper paradigmas ou mesmo questionar
fundamentos teóricos existentes.
Em tempos atuais, existem basicamente dois
grandes enfoques no tratamento da ciência comoforma
específica e sistemática de conhecimento (FULLER,
2003). Ambos podem ser incluídos no que se denomina
racionalismo crítico, mas com diferenças substantivas
devido ao jogo de linguagem. Inicialmente, há o que
se designa como Ciência Formal, termo atribuído a
Karl Popper. Nessa visão, a atividade científica é pura-
mente racional e lógica, com métodos, técnicas e pro-
cedimentos rígidos, que não devem ser influenciados
pelo contexto social ou histórico em que a atividade é
desenvolvida. De outra parte, há a concepção das Es-
truturas Científicas, desenvolvida por Thomas Kuhn
(1972, 2000). Nesse caso, a ciência é uma atividade
social (histórica) que forma estruturas de pensamento
e métodos de pesquisa dominantes, denominados pa-
radigmas, e evoluem para a prática normal de pesquisa
até o momento de emersão de revoluções que solapam
o pensamento dominante, substituindo-o por outro.
A visão da pesquisa assentada em teorias, métodos
e proposições de um paradigma são chamadas por
Kuhn de ciência normal, que destaca a extensão do
conhecimento que o paradigma identifica como signifi-
cativo, definindo assim os objetos mais relevantes para
investigação. Dessa forma, na visão de Kuhn, não há
propriamente algo a ser falseável e sim um paradigma
a ser defendido.
O importante não é aceitar ou rejeitar um destes
enfoques, mas notar que, ao elaborar uma pesquisa,
há que passar em revisão o estado da arte da teoria,
abrindo novas questões, reflexões, evidências, con-
sistências, casos, críticas, debates e reflexões. Muitos
argumentam que essas duas visões são incompatíveis
(LAKATOS, 1976). Para esse autor, os sistemas teóricos
possuem um núcleo forte – que atua de forma axio-
mática ou como pressuposto central – e um cinturão
de teorias adjacentes de suporte, estas sim submetidas
a testes de falseabilidade. Um programa de pesquisa
deve ser feito em torno do núcleo forte, cabendo às
teorias ou às proposições adjacentes reforçarem ou
não este núcleo. Feyerabend (1989) se oporia a essa
ideia de núcleo forte e cinturão, como se o objeto da
ciência fosse uma cebola a ser descascada. No entanto,
independente de aceitar uma visão formal, histórica
ou ainda do programa de pesquisa, se observa que o
conhecimento científico é fruto de basicamente dois
métodos muito distintos: dedutivo e indutivo. Mesmo
reconhecendo que essa é uma área controvertida na
filosofia da ciência, arrisca-se aqui uma simplificação
das duas grandes referências fundamentais do método
científico, assentando o argumento a partir de Chalmers
(1997), Fourrez (1991) e Omnès (1996).
O método indutivo tem sua origem em Aristóteles.
O método indutivo parte diretamente da observação
visando agregar novas informações que alicerçam
proposições ou hipóteses feitas sobre a realidade. Esse
131
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
método foi proposto inicialmente por Francis Bacon,
considerado o fundador da ciência moderna. Ele está
assentado na tradição empirista ou experimental,
cujos autores mais conhecidos são aqueles da tradição
anglo-saxã como John Locke, George Berkeley, David
Hume e John Stuart Mill. Já o método dedutivo trata
da formulação de uma proposição teórica ou concei-
tual com teste contra a realidade, tal qual apregoa Karl
Popper. Esse método tem a tradição no racionalismo
que se opõe ao empirismo na medida em que apregoa
a razão como fonte de todo e qualquer conhecimento
e sua justificativa. René Descartes e Immanuel Kant
são os expoentes mais notórios desta linha. Para
esses autores, no momento em que o cientista faz
uma tentativa de observação, ele já carrega consigo
uma classificação dos objetos a serem investigadas,
proposições a serem testadas e eventualmente teorias
herdadas do passado. Portanto, o método seria sempre
dedutivo, pois parte de uma racionalização primária
da realidade sob investigação.
Esses dois métodos buscam identificar o movi-
mento entre sujeito e objeto, colocando ascendência
da razão (dedutivo) ou da observação (indutivo) sobre
o conhecimento gerado. Essa diferença é também ser
interpretada como sendo uma questão de objetos
investigados, podendo a ciência ser dividida entre as
ciências formais, estudo das ideias, e as ciências fac-
tuais, estudo dos fatos. Essa conceituação foi feita por
Mario Augusto Bunge, que tratou as ciências formais
como contemplando somente os enunciados lógicos
ou analíticos e as ciências factuais sendo dependentes
da observação de fatos que circundam o objeto inves-
tigado. Tal visão per tence a um importante movimento
da Sociedade para a Filosofia Exata, que visa precisa-
mente empregar somente conceitos exatos, definidos
mediante a lógica e a matemática. (BUNGE, 1967)
As diferenças fundamentais entre os métodos
dedutivo e indutivo podem ser apreciadas a partir de
suas premissas e proposições decorrentes. O método
dedutivo parte de premissas que são consideradas
verdadeiras (paradigmas) que levam a proposições
teóricas verdadeiras. Já o método indutivo parte do
princípio de que observações bem feitas e consistentes
levam a premissas prováveis. Assim, as proposições no
método dedutivo partem de uma teoria bem estrutura-
da e podem ser deduzidos logicamente, mas devem ser
testadas sempre que surgem novos estudos ou ideias
a seu respeito. Claramente, Popper se alinha com essa
visão. No método indutivo, as proposições são criadas
sempre a partir de observações e de relações entre
fatos, gerando generalizações que formam uma teoria.
Todas as pesquisas contêm, a partir desse conhe-
cimento teórico sólido, um esforço sistemático para
abordar um tema sob algum ângulo ou perspectiva
nova, com um corpo de teoria dominante ou alterna-
tivo (CHALMERS, 1997). Nesse sentido, as pesquisas
utilizam mecanismos de análise lógica ou métodos de
busca de evidências factuais e terminam por demons-
trar a consistência do argumento ou dos dados obtidos.
Finalmente, elas possibilitam a abertura de novas evi-
dências para análise e avaliação de pares, permitindo
a replicação da pesquisa; por isso a importância de
publicar um artigo em revista científica de reconhecida
relevância, de forma a validar o conhecimento produ-
zido. (PRITCHARD, 1969)
Essa prática moderna de produção intelectual
submetida a um escrutínio em revistas científicas tem
época, não tendo sido parte permanente do método
científico. Talvez, no futuro, outras práticas sejam
introduzidas para validação, num aprendizado que
está sempre em movimento. Este movimento é que
torna a obra de Thomas Kuhn (1972) interessante e
relevante para a ciência. Como dito anteriormente, ele
designa como teoria normal um conjunto de atribu-
tos mais frequentes ou mais aceitos de um campo de
conhecimento existente, incluindo conceitos e métricas
dominantes, discurso de justificação comum, métodos
consagrados de fazer pesquisa e estilo de comunicação
e divulgação com linguagem própria. É interessante
observar que na nas ciências sociais aplicadas existe
significativa diferença entre a teoria normal nas linhas
de pesquisa e mesmo dentro destas. Os exemplos
são inúmeros. No campo do comportamento do
consumidor, por exemplo, há um conjunto de regras
e estilos que contrastam fortemente com as pesquisas
mais voltadas para a estratégia de marketing. Essas
regras e estilos evoluem para uma maturidade, nunca
alcançada, devido ao princípio da falseabilidade, isto
é, sempre haverá uma crítica possível no teste ou na
lógica de uma proposição teórica.
132 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
Esse campo normal tem domínios políticos,
éticos e estéticos que fazem a defesa do paradigma,
daí o caráter histórico e institucional da pesquisa e da
sua publicação. Popper critica esta visão, atribuindo
a ela um historicismo, isto é, torna a ciência relativa,
dependendo do momento ou do ambiente em que é
construída (POPPER, 1944). Para Kuhn, ao contrário,
há disputas internas entre grupos de pesquisa, haven-
do uma verdadeira seleção natural nas contribuições
relevantes, o que muitas vezes regride por conta da
retórica, isto é, da possibilidade de se persuadir ou
dissuadir a comunidade de uma proposição sem que
esta seja necessariamente a melhor solução científica.
Bianchi e Nunes (2003), apoiados no trabalho de
Kuhn, afirmam que a ciência não é feita a partir de
uma reflexão profunda, mas da sua reconstituição
histórica, da política em que ela está mergulhada, das
instituições que moldam regras e procedimentos e
organizam a atividade de experimentos e testes, bem
como das redes de cooperação ou comunicação entre
os especialistas da área e outros militantes e de grupos
de interesse diretos e indiretos nesta atividade.
Dessas observações é que se explica o apare-
cimento de modismos dentro das disciplinas, muitos
deles sujeitos exatamente ao efeito da retórica, do
poder de convencimento (MCCLOSKEY, 1991). De
fato, só a história é capaz de ser o grande teste de um
paradigma. Rever de forma sumária e sem redundân-
cias este corpo básico de contribuições é uma tarefa
obrigatória para levantar novas questões e prosseguir
na pesquisa. É absolutamente essencial apresentar
uma revisão sumária, mas consistente, desta teoria
(dominante ou não) que irá inspirar a pesquisa.
Para a finalidade de orientar a prática quotidiana
da pesquisa, se adota a premissa de que a teoria está
sempre em processo de mudança, sujeita a algum tipo
de crítica, refutação ou aprimoramento. Daí Popper
dizer que toda teoria é transitória ou falseável, num
movimento incremental de mudança. Kuhn diria que
há sim movimentos destrutivos, mais profundos, em
direção a um novo paradigma, uma nova ordem na
disciplina. De qualquer forma, há que se aceitar a
mudança como um elemento fundamental da prática
científica. Esse movimento, quando ocorre, não sola-
pa a pesquisa anterior, mas cria novos fundamentos,
novas bases para a teoria e os experimentos. Em ou-
tros termos, o pensamento científico é constituído de
contestações, confirmações ou ainda aperfeiçoamentos
sobre o conhecimento existente. Uns buscam falsear a
teoria existente por meio da lógica, alguns inventam
um caminho novo de pesquisa e outros procuram mais
evidências para confirmar um modelo existente. Esse
corpo de conhecimento é um ser vivo, em constante
evolução e adaptação.
4 PROCEDIMENTOS FORMAIS DA CIÊNCIA
SEGUNDO POPPER
A complexidade da atividade de geração de
conhecimento estabelece classificações das atividades
de pesquisa, de acordo com critérios variados (GIL,
1999). Note que se distinguem o método científico
(dedutivo ou indutivo) dos métodos ou técnicas
de pesquisa científica (SELLTIZ; WRIGHTSMAN;
COOK, 1987). No primeiro caso, refere-se o movi-
mento da relação entre sujeito e objeto, contrapondo
dois elementos fundamentais da ciência: razão e
observação. Já a pesquisa científica comporta vários
métodos ou técnicas, que variam de acordo com o
critério adotado para seu uso. É sobre essa diferença
que repousa a possível separação entre a atividade
de produzir um texto teórico e uma aplicação prática
dele decorrente, que é uma preocupação central das
ciências sociais aplicadas.
Como visto, segundo Karl Popper, o procedi-
mento formal de pesquisa parte de uma proposição
teórica nova ou uma reformulação de algo já existente
que visa responder a uma indagação bem elaborada,
que busca revogar, renovar ou incrementar a teoria
existente. Ficou consolidado no imaginário da co-
munidade científica que a pesquisa formal geraria
por si mesma a pesquisa aplicada, a tecnologia e as
aplicações da engenharia em vários campos do saber.
Para esse grande autor, o processo de pesquisa cien-
tífica é fundamentalmente básico e é denominado de
hipotético-dedutivo ou dedutivo com teste. O esquema
da Figura 2 ilustra esse modelo.
133
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
Seguindo Feyerabend (1989) com cautela, Demo
(1991) defende que o formalismo da ciência nem
sempre é seguido pelos cientistas em seu trabalho, uti-
lizando procedimentos mais aleatórios do que se possa
imaginar. Muitos buscam utilizar os mais variados mé-
todos, sem o rigor que a filosofia da ciência preconiza.
No entanto, esse rigor serve simplesmente como guia,
visando o amadurecimento constante e cumulativo
das práticas científicas no dia a dia. Os caminhos mais
fundamentais do enfoque aqui tratado permitem que
sejam delimitadas as potencialidades do trabalho em
cada etapa. Nesse esquema, que é derivado de traba-
lho anterior (CAMPANARIO; CHAGAS JUNIOR, 2012)
também não se enfoca de forma decisiva o princípio
da falseabilidade, uma vez que não necessariamente o
que não é observável em uma proposição deve levar ao
afastamento (falseabilidade) da teoria que o suporta,
mas a uma nova reflexão sobre o estado da arte da
mesma (CHALMERS, 1997). Antes de falsear o teste
lança dúvidas e novas reflexões.
O procedimento da ciência formal pode ser
chamado de dedutivo com teste ou hipotético-
-dedutivo (o método dedutivo em si pode não reque-
rer o teste), pois parte de uma proposição, retirada da
reflexão teórica, e busca confrontá-la com a realidade,
por meio de técnicas apropriados de extração, trata-
mento e análise de dados e informações.
Acevedo e Nohara (2009) apresentam um guia
completo de conteúdo e forma no trabalho científico
e salientam que a ciência a rigor nada tem haver com
processos de tomada de decisão e sim com a expli-
cação de fenômenos naturais ou sociais. Para tanto,
afirmam que
[...] o estudo da teoria sobre o fenômeno que se
está investigando deve ser feito anteriormente
Figura 1: Modelo Poperiano (Hipotético-Dedutivo)
Fonte: Adaptada de Campanario e Chagas Júnior (2012)
134 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
à fase de coleta de dados, pois é essencial que
o investigador compreenda em profundidade o
que já se sabe na ciência. (ACEVEDO; NOHA-
RA, 2009, p. 10)
O modelo formal é um guia de boas práti-
cas, mas o conhecimento científico é formado por
caminhos mais tortuosos, envolvendo etapas que se
retroalimentam. Por meio dessas teorias é que se busca
representar a realidade, mas sem nunca reproduzi-la
na sua integralidade. (FOURREZ, 1991)
5 POPPER E AS PROPOSIÇÕES DAS CIÊNCIAS
APLICADAS
A formulação de Popper da ciência veio a se
expressar de forma mais contundente a partir da II
Grande Guerra, com o reconhecimento de que o
desenvolvimento econômico e social deve muito àci-
ência básica. O clássico relatório de Vannevar Bush
(1945), que inspirou a criação do National Science
Foundation nos Estados Unidos, expressa essa posição
ao estabelecer um modelo linear direto entre ciência
básica e inovação, passando por ciência aplicada e
desenvolvimento tecnológico. Nessa concepção, todo
conhecimento tem origem na ciência básica, navegan-
do posteriormente para aplicações tecnológicas e ino-
vações de mercado. (CAMPANARIO; CHAGAS, 2011)
Kline e Rosenberg (1986) desenvolveram um
modelo de relação mais integrada entre esses universos,
designada como chain-linkedmodel. Nesse modelo,
trata-se de forma interativa a relação entre pesquisa
básica, aplicada, tecnologia e inovação, cada qual
agregando valor ao conhecimento e interagindo com
feedbacks entre uma etapa e outra. Furtado e Freitas
(2004) afirmam que essas relações entre esferas do co-
nhecimento são múltiplas e não necessariamente num
só sentido, principalmente quando se trata de ciências
sociais. Basicamente, a visão por esses autores defendi-
da é a evolucionária, pois o conhecimento é formado
por várias fontes simultaneamente, num processo de
retroalimentação em cada etapa, tal qual apontado por
Callon (1992). A rigor, o modelo interativo é composto
de fases que se retroalimentam. Assume relevância
o fato de que a atividade científica é acima de tudo
uma forma de representação da realidade por meio de
teorias e modelos ou croquis.
Algumas ciências, como a biologia e a saúde,
desenvolvem experimentos assentados em teorias,
mas avançam com a colocação de evidências de forma
cumulativa. Essa abordagem pragmática é chamada de
Design Science e se aplica à geração de conhecimento
científico a partir do estudo rigoroso de artefatos
aplicados à resolução de problemas objetivos. Na admi-
nistração, observa-se sua maior adoção em pesquisas
voltadas à gestão de sistemas de informação (DE SOR-
DI; MEIRELES; SANCHES, 2011). Essa é a principal
vertente da pesquisa nos diferentes ramos da saúde e
nas engenharias. Já as ciências sociais aplicadas como
a administração e a economia são mais propensas a
desenvolver modelos funcionais e de simulação de
uma determinada realidade, visando sua aplicação,
da mesma forma que um teste clínico, respeitando
obviamente os objetos pertinentes de investigação em
cada caso. Esse teste clínico raramente é experimental
(embora esta técnica cresça em importância) e sim
uma proposição derivada de uma teoria existente que
é testada com técnicas quantitativas de simulação,
interpretação de casos, surveys entre outras técnicas.
Como aponta Lundvall (1988), a pesquisa apli-
cada deve desembocar nas atividades de desenvol-
vimento, que visam programar soluções compatíveis
com determinados objetivos produtivos, sejam eles
visando o aprimoramento tecnológico de produtos,
processos ou produtos ou ainda gerando inovações
(tecnologias validadas pelo mercado ou socialmente)
no âmbito de tecnologias, organizações e mercados. As
áreas de engenharia e administração possuem amplo
campo neste caminho do conhecimento aplicado, mas
ainda há muito que caminhar. No âmbito acadêmico,
trata-se de colocar as tecnologias e o conhecimento
acumulado a funcionar, seja no plano laboratorial, de
plantas piloto, de estruturas administrativas comanda-
das por tecnologias, mas não necessariamente para uso
econômico ou social imediato.
As atividades de inovação, por seu turno, são
mais conhecidas como a etapa derradeira do conhe-
cimento científico, pois se refere à validação social e
de mercado de um determinado conhecimento ou
tecnologia aplicada a novos processos, produtos,
serviços ou organizações. Um determinado conhe-
cimento científico, tecnológico ou mesmo um teste
clínico pode ter um grande impacto no mercado ou
na sociedade. Mas sua viabilidade técnica e utilização
135
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
social dependem da ciência e da tecnologia. Já que o
mercado só valida esses novos conhecimentos como
inovação, pois depende da vontade dos consumidores.
O conceito de inovação mais preciso seria o de que o
conhecimento que gera riqueza por meio do mercado
ou pelo seu uso validado pela esfera pública, quando
as leis de mercado não direcionam corretamente os in-
centivos para produção (saúde pública, por exemplo).
Esse movimento entre a pesquisa básica e a pesquisa
aplicada é apresentado na Figura 2.
Figura 2: Modelo Interativo de Ciência Aplicada
Fonte: Adaptada de Campanario e Chagas Júnior (2012)
Ainda, seguindo Demo (1991) e Feyerabend
(1989), não existe um caminho rígido em que a ciência
percorre. Ela estabelece, simplesmente, que a pesquisa
pode carregar diferentes graus de especificidade em
sua reflexão, variando de pesquisa básica pura ou
até a inovação e que, como dito anteriormente, há
um movimento de retroalimentação destas práticas.
Sobre esse tema, Stokes (1997) apresenta uma interes-
sante postulação. Seguindo a visão de Louis Pasteur,
que propõe um modelo de quadrantes da pesquisa
científica como resultado do cruzamento de um vetor
de pesquisa pura e outro de pesquisa aplicada, três
quadrantes merecem atenção.
Quadrante 1 – Pesquisa Básica Pura. Nessa
vertente, a busca é pela teoria pura ou entendimento
fundamental. Não tem uso prático ou não foi cons-
truída para ter qualquer aplicação no curto ou longo
prazos. O exemplo na física é a Teoria Atômica de Nils
Bohr, que é uma forma extremamente sofisticada de
interpretar a física quântica, sem a qual não seria pos-
sível o desenvolvimento da teoria da relatividade. Nas
ciências sociais toda teoria deveria ter uma aplicação
em vista, mas não seria um exagero dizer que o modelo
de Howard e Sheth (1969) no campo do compor-
tamento do consumidor e a teoria econômica de
expectativas racionais de Lucas (1972) são puras,
pois introduzem elementos ou pressupostos novos
136 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
na teoria sem a pretensão de aplicação na realidade,
muito embora possam ao longo do tempo tornar-se
aplicadas. Os desdobramentos, em todos os casos,
são teóricos e práticos, dependendo de condições
históricas específicas.
Quadrante 2 (Pasteur) – Pesquisa Básica
para Uso. Nesse quadrante, a visão busca unir a pes-
quisa básica com a maior ou menor aplicabilidade ou
uso de um determinado conhecimento. Este é chamado
o quadrante de Louis Pasteur pelo fato de que sua te-
oria microbiológica da doença foi formulada com
fundamentação de teoria pura, mas com o foco na cura
de doenças. Essa visão significa que a pesquisa básica é
inspirada pelo uso e pela sua potencial utilidade, tendo
em vista a enorme preocupação com a erradicação de
enfermidades. Em marketing, a teoria de composto
de marketing foi criada por McCarthye Perreault
(1990) exatamente com esta intenção: tirar dos funda-
mentos maiores da teoria de marketing ferramentas que
fossem úteis para as organizações. Assim, eles criaram
um mantra dos Quatro Ps: Produto, Preço, Praça e
Promoção. Em economia, um bom exemplo é a matriz
insumo-produto (conhecido como Matriz Leontief) que
deu o Prêmio Nobel a Wassily Leontief. Em 1941, ele
criou um sistema de contas nacionais para melhor
compreender as relações entre segmentos produtivos
e identificar aqueles mais relevantes para o aumento
de produtividade e para o planejamento econômico
da economia norte-americana.
Quadrante 3 – Pesquisa Aplicada Pura. Fi-
nalmente, a pesquisa aplicada totalmente voltada para
o desenvolvimento de produtos, processos e serviços
que tenham uma aplicação imediata, que garantam
que o conhecimento encontre uma inovação capaz de
ser validada pelo mercado ou pela sociedade devido
à sua utilidade prática. Esse é o caso, por exemplo,
de grande parte do trabalho de Thomas Edison, com
destaque para a lâmpada incandescente. Philip Kotler
desenvolveu, entre outros trabalhos aplicados, a es-
trutura do marketing de relacionamento – CRM com
a finalidade de aplicação imediata. Hoje em dia toda
a parafernália de equipamentos e funcionalidades
ligadas à tecnologias de informação e comunicação
estão atreladas a uma visão de aplicação pura. A pró-
pria matriz de Leontief se tornou objeto de pesquisa
aplicada nas mais diferentes frentes de investigação.
Kline e Rosenberg (1986) fazem uma modelagem para
este tipo de pesquisa que desemboca na inovação,
validada pelo mercado.
O que é interessante observar é que o sistema
de quadrantes, representado pela Figura 3, tem
implicações imediatas sobre a forma de construir as
proposições a serem testadas no modelo de Popper.
Nessa visão dos quadrantes, o cientista pode seguir
rotas diferentes dependendo de sua visão e formação.
As proposições obviamente são diferentes do mundo
absolutamente abstrato e da ciência básica quando
comparado com aquele que decorre da preocupação
Figura 3: Modelo do Quadrante de Pasteur e Formulação de Proposições
Fonte: Adaptada de Stokes (1997)
137
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
com a área de inovação, passando pela pesquisa
pura aplicada. Segundo essa formulação não existiria
simplesmente uma pesquisa aplicada sem a qualifi-
cação pura, pois neste caso o fundamento maior é
o aperfeiçoamento tecnológico e a colocação de algo
criado para uso da sociedade, validado pelo mercado
ou pela esfera pública.
Popper, particularmente em seu trabalho mais
detalhado sobre o desenvolvimento de proposições
teóricas (POPPER, 1963), desenvolve uma lógica
para a qual se temum bom exemplo (CAMPANARIO;
CHAGAS JUNIOR, 2012). Uma pesquisa sobre o
comportamento do consumidor fumante parte de uma
indagação sobre os motivos genéticos ou sociais que
levam o indivíduo ou os grupos de indivíduos a fumar.
Qual seria o papel do marketing, certamente este um
fator da área social? Há muitas questões que podem
ser investigadas. Por exemplo: para reduzir o consumo
geral da população, uma boa estratégia das autorida-
des sanitárias seria adotar campanhas publicitárias
agressivas ou de educação/instrução sobre o tema?
Esta pergunta, de caráter geral, nos leva à literatura
ou aos estudos já feitos sobre o comportamento do
consumidor fumante e das campanhas publicitárias que
o combatem. Daí é possível tirar uma assertiva ou uma
proposição, como, por exemplo: em geral, a reação do
fumante é mais rápida e eficaz frente a uma campanha
agressiva do que frente a uma forma mais instrutiva de
evitar o consumo. Haveria que testar se realmente esta
proposição é igualmente verdadeira entre gêneros ou
ainda por coortes de idade, com foco em adolescentes,
por exemplo. Testar a assertiva em um grupo específico
da população com comportamentos diferenciados é,
em muitos casos, uma boa indicação de pesquisa teó-
rica ou básica. Ela certamente terá repercussões sobre
os formuladores de políticas sanitárias ou de saúde,
mas seu objetivo é somente esclarecer a hierarquia ou
a validade da influência de variáveis num determinado
fenômeno, provocando repercussões sobre o estado da
arte ou a ciência normal. Nesse caso tem-se tipicamente
uma situação do quadrante de Pasteur, que é talvez o
melhor para as ciências sociais aplicadas trabalharem.
6 CONCLUSÕES
Lakatos e Marconi (1991) apresentam variedades
de classificação da ciência, incluindo aquelas utilizadas
por August Comte, Rudulf Carnat, Mario Bunge, entre
outros. Para fins didáticos, adota-se aqui uma classi-
ficação Popperiana, que é muitas vezes utilizada sem
o devido conhecimento formal da mesma. Para esse
autor está claro que a natureza da pesquisa depende
de seu objeto de investigação, podendo ser básica ou
aplicada. Na primeira se busca a formulação teórica e
assertivas ou proposições a serem testadas para confi-
gurar um avanço na ciência, afastando a possibilidade
de uma visão positivista, que parte inicialmente de
observações para a construção da teoria. A pesquisa
aplicada, tal que nos enquadrou a classificação oficial
da CAPES. Utiliza-se de uma visão teórica prévia, mas
com uma intenção de transformação da realidade.
Ainda segundo essa linha de raciocínio, é possível
acrescentar que existiria um tipo de pesquisa que não
se enquadra perfeitamente no modelo Poperiano, mas
que faz sentido. Modelos econômicos ou de administra-
ção, desenvolvidos para estimar preços de mercado ou
comportamento das organizações (modelo da agência,
por exemplo), têm caráter puramente aplicado e não
são necessariamente dedutivos, pois partem do pro-
blema imediato a ser resolvido e sua utilização não
necessariamente é submetida a pares para avaliação
e validação e entregam essas tarefas ao mercado. A
eficácia e a eficiência do modelo são feitas pela prática.
Para Popper, a natureza da pesquisa científica
é criar um conhecimento novo ou aplicá-lo a uma
determinada situação, com a intenção de falsear ou
confirmar uma determinada proposição. Mas, muitas
vezes, pretende-se tão somente criar fazer uma nova
descrição ou classificação dos elementos de um fenô-
meno ou ainda criar uma explicação mais aperfeiço-
ada para ele. Assim, tendo como referências básicas
Kerlinger (1980), Piovesan e Temporini (1995), e
Vergara (1997), tem-se que, quanto aos seus objetivos,
a pesquisa, básica ou aplicada, pode ser classificada
como exploratória, descritiva ou explicativa (CAMPA-
NARIO; CHAGAS JUNIOR, 2012). Está evidente que
a pesquisa exploratória, tão comum nas áreas sociais
aplicadas, e mesmo a pesquisa descritiva, não fazem
parte do modelo Poperiano descrito neste trabalho.
Somente a visão da pesquisa explicativa faria senti-
do, pois ela se aproxima mais a natureza formal de
construção dedutiva de uma proposição falseável. No
entanto, há de se admitir que sem exploração inicial
e sem descrição ou classificação adequada, não há
avanço científico possível, mas ele só se completa com
138 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
a identificação de variáveis capazes de serem explica-
tivas (independentes) de um fenômeno, representado
por uma ou mais variáveis explicadas (dependentes).
Uma pesquisa explicativa pode ter um caráter básico
ou aplicado. Mas, o seu grande objetivo é induzir
uma compreensão sobre o objeto sendo investigado,
construindo uma teoria capaz de dar sentido científico
a um fenômeno qualquer. O conhecimento científico
assentado em bases sólidas, apesar de pertencer a um
movimento social complexo. O método que emprega
está sendo cada vez mais difundido como prática de
representação e observação da realidade.
Na visão de Popper está claro que a pesquisa bá-
sica é a forma mais pura de aplicar um olhar científico
ao estudo de fenômenos, acontecimentos, estruturas,
comportamentos e tudo o mais que a inventividade
humana se propõe a dominar em termos de conheci-
mento. Essa mesma atividade pode sugerir, também,
os melhores caminhos metodológicos a serem segui-
dos, variáveis a serem incorporadas e novas relações
a serem estabelecidas. Mas, com a máxima de Popper
será possívelavançar na ciência: a busca incessante
pela falseabilidade de nossas teorias e suas proposições
decorrentes.
REFERÊNCIAS
ACEVEDO, C. R.; NOHARA, J. J. Monografia no curso
de administração: guia completo de conteúdo e forma.
3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
ARIDA, P. A história do pensamento econômico como
teoria e retórica. In: GALA, P.; REGO, J. M. (Org.). A
história do pensamento econômico como teoria e
retórica: ensaios sobre metodologia em economia. São
Paulo: 34, 2003.
BIANCHI, A. M.; NUNES, R. Ainda sobre os conceitos de
paradigma e cânon como instrumentos de reconstrução da
História do Pensamento Econômico. Econômica, Niteroi,
v. 4, n. 2, p. 153-176, 2003.
BUNGE, M. A. Scientific research. Berlin: Springer-
Verlag, 1967. (Studies in the Foundations, Methodology,
and Philosophy of Science, v. 3).
BUSH, V. Science the endless frontier. Washington,
DC: United States Government Printing Office, 1945.
Disponível em:
vbush1945.htm>. Acesso em: 12 jan. 2012.
CALLON, M. The dynamics of techno-economic networks.
In: COOMBS, R.; SAVIOTTI, P.; WALSH, V. (Ed.).
Technological change and company strategies:
economic and sociological perspectives,London: Academic
Press, 1992. p. 72-102.
CAMPANARIO, M. A.; CHAGAS JUNIOR, M. F. Projetos de
pesquisas puras (básicas) em marketing. In: PIZZINATTO,
N. K.; FARAH, O. E. (Org.). Pesquisa pura e aplicada
para marketing: processos e aplicações. São Paulo: Atlas,
2012. p. 21-38.
CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? São Paulo:
Brasiliense, 1997.
DARWIN, C. A origem das espécies e a seleção
natural. Tradução Eduardo Nunes Fonseca. São Paulo:
Hemus, 2002.
DE SORDI, J. O.; MEIRELLES, M.; SANCHES, C. Design
science aplicada às pesquisas em administração: reflexões
do recente histórico de publicações internacionais. Revista
de Administração e Inovação, São Paulo, v. 8, n. 1, p.
10-36, 2011.
DEMO, P. Introdução à metodologia da ciência. São
Paulo: Atlas, 1991.
FEYERABEND, P. Contra o método. 3. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1989.
FOURREZ, G. A. A construção das ciências:
introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo:
UNESP, 1991.
FULLER, S. Khun. Popper: the struggle for the soul of
science. Cambridge: Icon Books, 2003.
FURTADO, A. T.; FREITAS, A. G. Nacionalismo e
aprendizagem no programa de águas profundas da
Petrobrás. Revista Brasileira de Inovação, Rio de
Janeiro, v. 3, n. 1, p. 55-86,2004.
GIL, A. C. Métodos e técnicas e pesquisa social. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 1999.
139
Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Q"Oqfgnq"fg"Mctn"Rqrrgt"uqd"c"ðvkec"fcu"Ek‒pekcu"Uqekcku"Crnkecfcu"
HOWARD, J. A.; SHETH, J. N. The theory of buyer
behaviour. New York: John Wiley, 1969.
KANT, I. Critica à razão pura. São Paulo: Ícone, 2007.
(Coleção Fundamentos do Direito).
KERLINGER, F. N. Metodologia da pesquisa em
ciências sociais: um tratamento conceitual. São Paulo:
EPU, 1980.
KLINE, S.; ROSENBERG, N.An overview of innovation. In:
LANDAU, R.; ROSENBERG, N. (Org.). The positive sum
strategy: harnessing technology for economic growth.
Washington, DC: National Academy of Press, 1986. p.
275-305.
KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1976.
KOTLER, P.; KELLER, K. L. Administração de
marketing: a bíblia do marketing. Tradução Mônica
Rosenberg, Cláudia Freire e Brasil Ramos Fernandes. 12.
ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas.
Tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2000.
KUHN, T. S. The structure of scientific revolutions.
2nd ed. Chicago: Chicago University Press, 1972.
LACEY, A. R. Adictionary of philosophy. 3rd ed.
London: Routledge, 1996.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia
científica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.
LAKATOS, I. Proofs and refutations. Cambridge:
Cambridge University Press, 1976.
LEVITT, T. Marketing myopia.Harvard Business Review,
Boston, v. 38, p. 24-47, Jul/Aug. 1960.
LUCAS, R. Expectations and the neutrality of money.
Journal of Economic Theory, New York, v. 4, n. 2, p.
103–124, 1972.
LUNDVALL, B. A. Innovation as an interactive process:
from user-producer interaction to the national system of
innovation. In: DOSI, G. et al. (Ed.). Technical change
and economic theory. London: Printer Pub., 1988. p.
349-369.
MCCARTHY. E. J.; PERREAULT, W. D. Basic marketing:
a managerial approach. 10th ed. Homewood: Irwin, 1990.
McCLOSKEY, D. Economics science: a search through the
hyperspace of assumptions? Methodus, London, v. 3, n. 1,
p. 6-16, 1991.
MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo:
Atlas, 1996.
O’HEAR, A. (Org.). Karl Popper: filosofia e problemas.
Tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: UNESP, 1997.
OMNES, R. Filosofia da ciência contemporânea. São
Paulo: UNESP, 1996.
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT. Manual de Oslo: proposta de diretrizes
para coleta e interpretação de dados sobre inovação
tecnológica. Tradução Paulo Garchet. São Paulo: FINEP,
1997.
PIOVESAN, A.; TEMPORINI, E. R. Pesquisa exploratória:
procedimento metodológico para o estudo de fatores
humanos no campo da saúde pública. Revista de Saúde
Pública, São Paulo, v. 29, n. 4, p. 318-325,1995.
POPPER, K. R.Conjectures and refutations: the growth
of scientific knowledge. London: Routledge, 1963.
POPPER, K. R. O racionalismo crítico na política.
Tradução Maria da Conceição Corte Real. 2. ed. Brasília,
DF: UNB, 1994.
POPPER, K. R. O realismo e o objectivo da ciência. Lisboa:
Dom Quixote, 1987. (Opus-Biblioteca de Filosofia, 5)
POPPER, K. R. The logic of scientific discovery. New
York: Basic Books, 1959.
POPPER, K. R. The poverty of historicism. Economica -
New Series, London, v. 11, n. 42, p. 86-103, May, 1944.
PRITCHARD, A. Statistical bibliography or bibliometrics.
Journal of Documentation, London, v. 25, n. 4, p. 348-
349, 1969.
RAPHAEL, F. Popper: o historicismo e sua miséria. São
Paulo: UNESP, 1999.
140 Tgxkuvc"fg"Ek‒pekcu"fc"Cfokpkuvtc›«q"̋"x0"36."p0"54."r0"346/362."cdt"4234
Oknvqp"fg"Cdtgw"Ecorcpctkq"̋"Oknvqp"fg"Htgkvcu"Ejcicu"Lwpkqt"̋"Ocwtq"Uknxc"Twk¦
SELLTIZ, C.; WRIGHTSMAN, L. S.; COOK, S. W.
Métodos de pesquisa nas relações sociais. Tradução
Maria Martha Hübner d’Oliveira e Mirim Marinotti Del Rey.
2. ed. São Paulo: EPU, 1987. (v. 1)
STOKES, D. E. O quadrante de Pasteur: a ciência básica
e a inovação tecnológica. Campinas: Unicamp, 1997.
STOVE, D. C. Popper y después: cuatro irracionalistas
contemporáneos. Madrid: Tecnos, 2002.
VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em
administração. São Paulo: Atlas, 1997.
WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Tradução
Marcos G. Montagnoli. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
WITTGENSTEIN, L. Tractatus logico-philosophicus.
São Paulo: EDUSP, 2001.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT