Modelagem estatística do voto dos ministros e da decisão do mérito das Adins

Páginas113-147
Capítulo 4
Modelagem estatística do voto dos ministros
e da decisão do mérito das Adins
Introdução
A questão central que buscamos responder é “como o Supremo Tribunal
Federal decide os casos?”. Nosso objetivo é desenvolver um modelo de
análise do comportamento do tribunal a m de determinar os elementos
de maior inuência no processo de decisão judicial (judicial decison-
-making process).
Para entender o processo de decisão do Supremo, olhamos a maneira
como os ministros do tribunal praticaram o controle da constitucionali-
dade das leis e efetivamente decidiram os casos de Adins, no período da
promulgação da Constituição de 1988 até março de 2003. Examinamos os
elementos de maior influência na atividade prática dos ministros, fazemos
considerações sobre como esses elementos se inter-relacionam e acessamos
o papel que eles desempenham nas decisões do tribunal.
Na discussão do controle da constitucionalidade das leis o processo
pelo qual os juízes chegam às decisões é sempre questionado. O debate se
faz habitualmente em torno da opção clássica: são fatores jurídicos, legais
ou fatores extrajurídicos, extralegais que mais influenciam as decisões?
A prática de julgar é classificada como restritiva ou ativista (restrictive
Justiça, profissionalismo e política
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versus activist), o que para alguns autores é sinônimo de conservadorismo
versus liberalismo.
Como nossa análise busca integrar diversos olhares, parte dessa dua-
lidade é deixada para trás. Isso porque nós partimos do pressuposto de
que o processo de decisão do Supremo Tribunal Federal é determinado
por uma combinação de fatores legais e extralegais, associados à ideologia
do profissionalismo. Assumimos que as decisões tomadas pelos minis-
tros são decisões políticas em algum sentido porque elas têm o poder de
invalidar leis e outras ações do governo. Essas decisões são fundamentais
para a proteção dos direitos e princípios constitucionais que permitem o
funcionamento e a estabilidade das instituições democráticas.
Nosso modelo de análise, como apresentado em capítulo anterior,
parte do princípio de que fatores do caso, aspectos legais, perfil e atitudes
dos juízes, grupos de interesse, contexto institucional, contexto político e
opinião pública, associados aos valores do profissionalismo, influenciam
na forma de o tribunal decidir. Nossa hipótese geral de trabalho é de que
apesar de fatores políticos influenciarem o processo de decisão judicial em
alguma extensão, os valores profissionais e a ideologia do profissionalismo
são elementos centrais na determinação do comportamento do tribunal.
Neste capítulo nos ocupamos de uma análise quantitativa desse com-
portamento, desdobrando nossa questão geral de como o tribunal decide
os casos em duas questões específicas. A primeira delas é referente à decisão
do mérito de cada caso; queremos identificar quais fatores influenciam o
STF a decidir pela inconstitucionalidade de uma lei. Essa questão refere-
-se ao aspecto coletivo da análise. Com a segunda questão pretendemos
conhecer os fatores que influenciam a decisão individual de cada ministro.
Na linha da nossa argumentação, esperamos que a profissão e os valores
associados ao profissionalismo tenham um papel fundamental na deter-
minação do resultado da decisão e do comportamento de voto individual.
Com essas questões procuramos entender como direito, profissiona-
lismo e política se relacionam. Para testar nosso modelo, analisamos os
300 casos relativos às Adins.
Modelagem estatística do voto dos ministros…
115
Modelos de análise
Para compreender o processo de decisão do STF olhamos para a manei-
ra como os ministros praticaram o controle da constitucionalidade das
leis e efetivamente decidiram casos (Adins), entre outubro de 1988 e
março de 2003. Nosso modelo busca integrar as diversas abordagens do
comportamento judicial (atitudinal, estratégica, institucional e legal),
argumentando que fatores legais (procedimentos legais e princípios cons-
titucionais) interagem com fatores extralegais (preferências políticas dos
ministros, assim como constrangimentos econômicos, sociais, políticos e
institucionais) na forma pela qual o Supremo decide os casos.
Adicionamos à análise um elemento pouco enfatizado por essas abor-
dagens, o profissionalismo. Consideramos, como indica Slotnick (1991),
que os valores, o tipo de treinamento, a personalidade, assim como prefe-
rências individuais, podem influenciar, consciente e inconscientemente, na
maneira como os juízes decidem os casos. Mas os juízes não são agentes
completamente livres; suas escolhas são orientadas e restringidas pela
Constituição, por precedentes, por medo de sanções e por outras forças
“ambientais”, sendo suas decisões tomadas dentro do contexto da insti-
tuição e do grupo aos quais pertencem. Dessa forma, as decisões desses
tribunais podem ser vistas como um híbrido de lei, política e estratégias
de ação: “law, politics and policy” (Slotnick, 1991:72).
Tomamos também emprestado o pensamento de Gibson (1983:9) de
que as decisões dos juízes são “uma função do que eles preferem fazer,
balanceadas pelo que eles pensam que devem fazer, mas constrangidas
pelo que eles percebem que é possível fazer”.
É claro que não vamos simplesmente transpor para o contexto bra-
sileiro as diferentes abordagens da judicial politics. Como afirma Taylor
(2008), no Brasil é difícil aplicar os modelos atitudinal e estratégico de-
vido à fraqueza do sistema partidário, às nebulosidades das preferências
ideológicas dos juízes e ao alto número de casos. Taylor cita também as
diferenças estruturais e in stitucionais entre a Suprema Corte americana e
a Corte brasileira: o STF não tem a doutrina do stare decisis (precedente

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