Mitos e Desafios do Desenvolvimento, Participação e Gestão Democrática

AutorTerezinha Moreira Lima
CargoUniversidade Estadual do Maranhão (UEMA)
Páginas25-33

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1 Introdução

Mais do que em qualquer outra época vive-se, hoje, a ilusão dos mitos transfigurados nas idéias e práticas das classes dominantes que atingem com maior celeridade todos os sentidos dos indivíduos. A propósito, Bourdieu, em 1998, discorria sobre o mito da “mundialização” e da visão neoliberal que se coloca como evidente e sustentada por um trabalho de doutrinação simbólica do qual participam ativamente determinados intelectuais, e mesmo cidadãos comuns de forma passiva, reproduzindo uma visão de mundo insidiosa e difundida por toda parte, tornando as políticas neoliberais como inevitáveis e indispensáveis.

São impostos, como óbvios, pressupostos criados a partir “de cima”, como o crescimento máximo, a produtividade e a competitividade como fim das ações humanas; faz-se um corte radical entre o econômico e o social e, finalmente, o uso de eufemismos que servem para substituir a realidade objetiva por palavras e frases “mais suaves” numa tentativa de atenuar as problemáticas sociais com discursos mistificadores e alienantes. Bourdieu destaca que há, também, todo um jogo com as conotações e as associações de palavras como flexibilidade, maleabilidade, desregulamentação que tendem a fazer com que a mensagem neoliberal seja uma mensagem universalista de libertação. (BOURDIEU, 1998, p. 44)

Dentre os mitos citados por Bordieu, a globalização é um mito no sentido forte do termo, um discurso poderoso, uma idéia-força, uma idéia que tem força social, que realiza a crença. É a arma principal das lutas contra as conquistas do welfare state e tem por função instaurar uma reestruturação, a volta a um capitalismo selvagem, mais racionalizado e cínico. A globalização é antes de tudo um mito justificador de um mercado financeiro unificador, dominado por países mais ricos. Isso não significa, entretanto, homogeneização; é a extensão do domínio de um pequeno número de nações dominantes sobre o conjunto das praças financeiras nacionais incidindo, inevitavelmente, sobre a divisão social do trabalho e sobre os trabalhadores em todo o mundo.

O poder do mito tem resvalado para outras questões importantes nas sociedades contemporâneas como o mito do desenvolvimento sustentável em uma conjuntura com mudanças dramáticas e sem precedentes, onde se verificam profundas metamorfoses no mundo do trabalho. Além do mais, os conflitos em torno do avanço dos processos de devastação ambiental e da biodiversidade são desrespeitados, especialmente, pelos países industrializados que possuem o domínio da biotecnologia e que ainda não despertaram, convenientemente, para os problemas do aquecimento do planeta.

Celso Furtado afirmava que a idéia de desenvolvimento econômico é um simples mito, desviando-se a atenção das necessidades fundamentais da coletividade, mobilizando os povos e levando-os a aceitarem sacrifícios, justificando-se formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo. A literatura sobre o desenvolvimento econômico exemplifica o papel do mito reforçando a idéia e evidência de sua universalização. Para Furtado (1999), o desenvolvimento deve ser entendido como processo de transformação da sociedade tanto em relação aos meios quanto aos fins e que cada país deve levar em conta suas peculiaridades «tendo em conta os constrangimentos do quadro internacional».

Neste artigo refletimos sobre o mito do desenvolvimento sustentável e da economia solidária como um desafio em contexto capitalista onde prevalece a racionalidade formal das políticas transnacionais que se sobrepõem ao âmbito de visão dos atores nacionais e, quiçá, dos denominados atores institucionais ou sujeitos políticos responsáveis pela gestão das cidades. Destacamos as iniciativas de trabalhadoras voltadas para a geração de trabalho, emprego e renda, onde constróem redes de solidariedades em face dos processos de reestruturação produtiva e de desenvolvimento regional no Maranhão. Atentamos, ainda, para o desafio da participação na gestão democrática como uma forma de desenvolvimento humano no sentido de Amartya Sen (2000)«de expansão das liberdades reais de que goza um povo».

2 Sobre mitos e desafios

É importante ressaltar que o conceito de desenvolvimento sustentável originou-se a partir do discurso desenvolvimentista, consubstanciandose no informe denominado “Nuestro Futuro Común”, Relatório Brundtland de 1978 que faz 20 anos, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, onde declara que: desenvolvimento sustentável é aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” – portanto, garantindo o crescimento econômico, social e ambientalmente sustentável. Essa noção de sustentabilidade já considerava que os recursos naturais não são renováveis e inesgotáveis, portanto; havendo uma estreita relação com a dinâmica do sistema capitalista, onde se dá a apropriação dos recursos da natureza sem atentar para os cuidados necessários em evitar a escassez e manter a qualidade do meio ambiente.

Como se verifica, é um conceito atual do ponto de vista que atende às expectativas do momento em que se vivem determinadas circunstâncias e conjunturas sociais e políticas, tendo sido reiterado por ocasião da Agenda 21 que afirma a economia como motora do desenvolvimento sustentável e destaca em vários capítulos a necessidade de um ambiente econômico e internacional que garantaPage 27 políticas onde se viabilize a liberalização do comércio, da distribuição ótima da produção mundial dentro da lógica e da hegemonia do mercado.

Vários fatores têm despertado as sociedades para a discussão da sustentabilidade, dentre eles os desastres ambientais como resultados da crescente e irracional interferência do homem no meio ambiente. Nos anos 1970, por exemplo, ocorreu a crise do petróleo chamando a atenção do mundo para a questão ambiental; em 1986 a explosão de um reator da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, lançou radiação na atmosfera, com prejuízos incalculáveis para a humanidade, atingindo cerca de 3,4 milhões de pessoas.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como ECO-92, foi uma tentativa de articular governos e instituições da sociedade civil de 179 países com o objetivo de promover em todo o planeta um padrão de desenvolvimento que conciliasse mecanismos de proteção ambiental, equidade social e eficiência econômica. Tanto para o Relatório Brundtland quanto para a Agenda 21 a questão da sustentabilidade é pautada pela visão econômica, defendendo o crescimento econômico com o progresso técnico sem limitar, no entanto, o sistema de acumulação capitalista.

Apesar desses esforços progressistas, continua o desenvolvimento econômico a palavra chave da eficiência e das inovações tecnológicas capaz de garantir o melhor aproveitamento dos recursos naturais assim como contribuir para a busca de soluções para os efeitos nocivos das atividades produtivas que trazem danos ao planeta. Em 2002, dois anos depois da ECO-92, o Brasil criou sua própria Agenda 21 contemplando a participação do governo, setor produtivo e sociedade civil quando foram discutidas muitas propostas resumidas nos seguintes eixos temáticos: Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infra-Estrutura e Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável, a partir dos quais seriam formuladas políticas públicas. Entretanto, mais uma vez, as boas intenções e propostas exequíveis ficaram no papel.

É publicado o Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC na sigla em inglês). A primeira parte do relatório do IPCC, divulgada em fevereiro de 2007, tratava sobre a avaliação científica do fenômeno de aquecimento global, comprovando-se a responsabilidade das ações humanas na mudança climática. A segunda, lançada em abril, destacava possíveis impactos e conseqüências do aquecimento sobre países e ecossistemas, destacando-se : o aumento da freqüência e de extremos climáticos (períodos quentes ou muito frios); aumento de erosão de áreas costeiras, com o mar invadindo lentamente cidades litorâneas e redução de taxa de precipitação, ou seja, áreas secas podiam ter ainda menos água e ecossistemas de áreas úmidas podiam ser transformados. A terceira, divulgada na sexta-feira (4/5/07), em Bangcoc (Tailândia), aponta para propostas que reduzam as emissões de dióxido de carbono entre 50% e 85% até 2050 como o estímulo ao uso de formas alternativas de energia que não envolvam a queima de combustíveis fósseis a partir da adoção dos mecanismos de crédito de carbono; o uso de energia solar e eólica combinado com a utilização eficiente de energia na iluminação de prédios, além da captura e o armazenamento de dióxido de carbono expelido por usinas movidas a carvão, dentre outras...

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