Ministros: restritivos versus ativistas

Páginas181-229
Capítulo 6
Ministros: restritivos versus ativistas
Introdução
Na discussão da relação entre direito e política no processo de revisão
judicial procuramos ir além de uma visão dicotômica porque pressupo-
mos, como sugerido por Dworkin (2001), que todas as decisões judiciais
são políticas em algum sentido, regidas por princípios políticos gerais ou
por convicções que envolvam em alguma medida concepções do bem-
-estar geral. As sumimos que as decisões do Supremo Tribunal Federal são
políticas porque têm o poder de invalidar leis e outras ações do governo,
sendo também fundamentais para a proteção dos direitos e dos princí-
pios constitucionais que permitem o funcionamento e a estabilidade das
instituições democráticas.
Que o Supremo Tribunal Federal exerce funções políticas o reconhe-
cem seus próprios ministros. Sepúlveda Pertence, na Adin 47,44 afirma
44 Nessa ação, o procurador-geral da República argui de inconstitucional o decreto do governo do
estado de São Paulo que determina a prioridade do pagamento dos créditos judiciários de natureza
alimentícia (referentes às indenizações por acidente do trabalho e responsabilidade civil). Por
maioria, o tribunal decidiu pela improcedência da ação, nos termos do voto do relator, ministro
Octávio Gallotti. “O Decreto paulista n. 29.463-88 não dispõe sobre matéria de direito processual
ou judiciário civil; edita normas de administração orçamentária e nanceira, próprias do poder de
auto-organização dos Estados federados (art. 25 da Constituição).Tendo, assim, repelido a arguição
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que o exercício do controle da constitucionalidade das leis é uma função
política.
Já, várias vezes, se disse e repetiu, nesta Casa, que o controle abstrato da
constitucionalidade das normas é uma função essencialmente política
do Supremo Tribunal Federal, embora exercida sob forma jurisdicional.
Resolveu-se dar forma jurisdicional a esse processo político de controle
— embora não destinado a resolver lides intersubjetivas —, quando se lhe
poderia ter dado a forma de um procedimento ex ocio, até para manter a
imparcialidade do Tribunal; por isso, resolveu adotar-se, aqui, o ne procedat
judex ex ocio e exigir uma provocação externa à Corte. Mas esta equipara-
ção ou esta formulação do processo da ação direta, como se se cuidasse de
um processo de partes, há de ser contida nos limites adequados ao que há
de substancial nele, que é a função política, quase legislativa, de controle
abstrato da constitucionalidade de normas [Sepúlveda Pertence, acórdão
da Adin 47, 1997:25].
de inconstitucionalidade formal. Inconstitucionalidade material: Diante dessas inevitáveis contin-
gências, e da circunstância de não serem penhoráveis os bens públicos, o sistema de precatórios
funcione como garantia verdadeiramente recíproca, tanto do Estado, como do particular. Por
essas razões, não vislumbro inconstitucionalidade no Decreto estadual que, separando em duas
ordens os precatórios, conforme sejam, ou não, os pagamentos de natureza alimentar, manteve,
com prioridade para os primeiros, a prática do sistema dos precatórios judiciais.” Acompanharam
Gallotti os ministros Sydney Sanches, Moreira Alves, Néri da Silveira, Paulo Brossard, Celso de
Mello e Ilmar Galvão. Ficaram vencidos os ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Marco
Aurélio, que davam pela procedência parcial da ação, declarando a inconstitucionalidade dos arts.
1o e seus parágrafos, 2o e 4o do mesmo ato normativo. Segundo Velloso, “a Constituição de 1988
inova em diversos dispositivos, em diversos pontos. Uma dessas inovações é esta, no que toca ao
pagamento de créditos de natureza alimentícia, parecendo-me que é acertada a inovação, porque
sabemos todos como se torna difícil e tormentosa a execução contra a Fazenda Pública, mediante
precatórios, especialmente num regime de inação monetária. Então, tratando-se de crédito de
natureza alimentícia, impõe-se o seu imediato pagamento. [...] Senhor Presidente, o que está
acontecendo é que a Administração quer resolver questão nova, inovação introduzida pela Lei
Maior, com regras e procedimentos antigos. É preciso que a Administração compreenda que está
diante de questão nova, que precisa, por isso mesmo, aplicar ideias novas, que é preciso criar, para
o m de fazer realizar o que deseja a Constituição, o que está na Constituição”.
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Também o ministro Moreira Alves, na Adin 830,45 destaca o desem-
penho de um papel político por parte do Supremo, afirmando inclusive
que esse papel é mais extensivo na Corte brasileira do que na Corte
norte-americana.
Ao contrário do que tem ocorrido nos Estados Unidos da América do
Norte, em que a Suprema Corte — como bem historia a manifestação da
Advocacia-Geral da União — tem vacilado quanto ao conhecimento de
questões dessa natureza por entender, muitas vezes, que se trata de ques-
tões políticas (political-questions), imunes, portanto, ao controle judicial,
no Brasil, de há muito, vem o Supremo Tribunal Federal armando sua
competência para o julgamento dessas questões [Moreira Alves, acórdão
da Adin 830, 1994:15].
Se para Dworkin todas as decisões têm algo de político, a distinção
a ser feita, então, não é entre direito e política, mas sim entre princípios
políticos e procedimentos políticos. Alguns autores criticam essa defini-
ção de Dworkin, como Feldman (2005), que afirma ser ela apenas um
recurso analítico, uma vez que não acredita ser possível separar princípios
políticos e procedimentos políticos no horizonte interpretativo dos juízes,
já que este se compõe de uma variedade de fatores.
Concordamos com Feldman em que essa distinção é analítica, mas
entendemos ser ela produtiva, trazendo a possibilidade de perceber dife-
renças no posicionamento dos juízes. Ainda que a política seja inerente à
atividade jurídica, à formação e ao ideário dos juízes, é possível perceber
graus diferenciados de sua influência na argumentação dos juízes na
fundamentação de suas decisões.
Quando tomam decisões, os ministros podem legitimar seus votos
usando argumentos que levem em conta as consequências políticas, eco-
nômicas e/ou sociais da decisão, ou argumentos que não considerem essas
45 A ação foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pelo Partido Democrático Tra-
balhista (PDT), questionando a antecipação do plebiscito para decidir sobre a forma e o sistema
de governo no Brasil.

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