Migrantes-nômades: chegar, partir ou ficar?

AutorSirlândia Schappo
Páginas226-240

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Ao adentrar* na análise das expressões do fenômeno migratório na atualidade, busca-se destacar questões pertinentes ao contexto sócio-econômico que incidem nas novas dimensões e recentes configurações dos deslocamentos populacionais. Pode-se aferir que as alternativas de reinclusão rápidas dos migrantes no mercado de trabalho são cada vez mais reduzidas, em comparação, por exemplo, com os “desenraizamentos” das populações rurais ocorridas na década de 1960 no Brasil.

Neste sentido, pretende-se refletir sobre a insuficiência da utilização genérica do termo êxodo rural para explicar os deslocamentos populacionais no atual contexto, em especial os de origem rural. Compreende-se que o termo refere-se à migração rural-urbana frente às perspectivas de “ascensão social” vislumbradas no local de destino por parte dos migrantes. Porém, ao se contextualizar tais deslocamentos em sua diversidade e heterogeneidade, pode-se observar que eles vêm adquirindo (já a partir dos anos 80 e principalmente na década de 1990) novos contornos marcados por direções acentuadamente “indefinidas”.

Por que Migrantes-nômades?

Primeiramente, busca-se esclarecer a opção pelo termo migrantes-nômades frente a uma gama de expressões utilizadas para denominar os deslocamentos populacionais, como abandono dos campos,Page 227êxodo rural e evasão. Uma delas, utilizada com freqüência, êxodo rural, pode limitar os movimentos demográficos à passagem de um meio tradicional para um meio técnico urbanizado.

Para Mendras (1978, p.166) êxodo rural restringe-se ao movimento de massa que conduz os camponeses às cidades industrializadas. Segundo o autor, “A transferência para a cidade de populações rurais em uma época de rápida industrialização é, ao mesmo tempo, a passagem de uma civilização camponesa tradicional a uma civilização industrial tecnicista e urbanizada”.

No entanto, a Mesorregião Oeste de Santa Catarina, além da migração rural-urbana, apresenta o que Mendras (p.166) denominou “migração de agricultores”, ou seja, o deslocamento de agricultores do seu local de origem para outras regiões, onde continuam a exercer seu ofício. Um exemplo disso é o grande número de ex-agricultores familiares assentados nos projetos de reforma agrária e envolvidos no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), no Oeste Catarinense.

O êxodo, para Mendras, seria o resultado de uma avaliação por parte de quem se põe em “movimento”, diante do que ele denominou perda de vitalidade da sociedade aldeã e a possibilidade de um ambiente acolhedor a sua espera:

Se a sociedade aldeã perde toda vitalidade e a aldeia abandonada não é mais que um teatro de sombras; se mais adiante um ambiente acolhedor o espera, onde encontre um ganha-pão suficientemente remunerador, se é possível refazer aí sua identidade social, recriar os laços, se ele pode, ao mudar de ofício, encontrar seu caminho na vida citadina ou estabelecer-se em uma terra no campo, então, o emigrante se instala, e o movimento do êxodo começa a funcionar (MENDRAS, 1978, p.172).

Entretanto, outro limite é a utilização do termo “êxodo rural” para os países do terceiro mundo, onde as cidades, apesar de receberem um fluxo considerável de população, não oferecem, na mesma proporção, empregos em um mundo industrial 2 .

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Tais restrições à utilização genérica de “êxodo rural” ampliaramse nas últimas décadas, diante do contexto de aumento do nível e desemprego e das dificuldades de mobilidade social nos centros urbanos, como aponta o estudo de Jannuzzi (2000) sobre os migrantes no mercado de trabalho paulista.

Nesse cenário, os locais de “origem” e de “destino” tornam-se relativos, no sentido de que o “destino” pode corresponder à chegada a um ambiente provisório que, em breve, pode tornar-se um local de “origem” de um novo deslocamento, por isso, opta-se aqui pelo termo migrantes-nômades para caracterizar tais migrantes no atual contexto.

O termo “migração”, no sentido genérico, é definido por Lee (1966, p.99), como “uma mudança permanente ou semipermanente de residência”. Porém, o autor, ao desmembrar tal conceito, aponta que todo ato migratório implica um lugar de origem, um lugar de destino e uma série de obstáculos intervenientes. No entanto, como mencionado, os pontos de “partida” e de “chegada” tornam-se relativos, no presente contexto.

Dessa forma, cabe um questionamento no sentido de primeiro se averiguar se o “lugar de destino” continuaria, nas últimas décadas, apresentando fatores de atração comparáveis àqueles dos anos de plena expansão, a partir da década de 1950, da industrialização no Brasil. Uma possível evidência da diminuição dos fatores de atração é a redução dos fluxos migratórios, principalmente, para as áreas mais urbanizadas, nas últimas décadas, a qual apontada por vários autores (JANNUZZI, 2000; MARTINE, 1994; CAMARANO e ABRAMOVAY, 1999).

Pode-se aferir que os estudos sobre migração congregam diferentes condicionantes dos deslocamentos populacionais, os quais são apresentados como sendo principalmente de ordem social, econômica ou política. Contudo, a ênfase no fator determinante principal é variável, conforme os diferentes períodos históricos.

A teoria clássica da migração, na qual se destacam autores como Ravestein (1885) e Lee (1966), busca ressaltar os condicionantes de atração e retração das áreas envolvidas em um deslocamento populacional. Esse deslocamento seria resultado de um cálculo racional dos indivíduos entre as perspectivas oferecidas na sociedade de destino e as condições prevalecentes na sociedade de origem. Nesse enfoque, a mudança é abordada como algo que representaria melhora nas condições de vida do migrante e destacam-se os pontos de partida e de chegada,Page 229apontando-se o deslocamento como correspondendo a uma mobilidade social ascendente, assim, abandonar uma situação pior para alcançar uma mais positiva, em termos sociocupacionais.

Estudos mais recentes ressaltam a necessidade de incorporar em tais análises o caráter histórico e conjuntural das migrações, as quais acompanhariam a estrutura de produção do capitalismo. Nesse enfoque, Singer (1976) destaca, na conjuntura em questão, as migrações internas como expressão da industrialização, abordando o país todo e não apenas os espaços duais de atração e repulsão. A origem das migrações estaria nas disparidades e desigualdades sociais geradas pela industrialização nos moldes capitalistas.

Singer (1976, p. 224) aponta que os fatores de expulsão que levam às migrações são de duas ordens: fatores de mudança e os fatores de estagnação 3 . No entanto, o autor destaca que apesar dos fatores de expulsão definirem as áreas de onde se originam os fluxos migratórios, são os fatores de atração que determinam a orientação destes fluxos e que entre estes fatores, o mais importante é a demanda por força de trabalho.

Nesse sentido, o próximo item aborda aspectos da atual conjuntura e da caracterização do fenômeno migratório, bem como alguns pontos relevantes, no que tange aos estudos referentes aos deslocamentos populacionais.

Problemas sociais e políticos da migração

Parte-se aqui do pressuposto de que a problemática social e política da migração não é inerente ao fenômeno em si. Migrar nem sempre representa uma mudança negativa nas condições de vida das pessoas, pois esse ato pode expressar uma alternativa melhor dentre as oportunidades de que o indivíduo dispõe.

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O problema...

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