A Dinâmica da Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho: A História da Forma de Compreender a Terceirização

AutorMagda Barros Biavaschi
Páginas173-182

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1. Introduzindo o tema

Vivem-se no Brasil tempos de inegável melhoria nos índices de crescimento econômico, desemprego e informalidade e em que, como assinala o Caderno Temático 1 - Política Social e Desenvolvimento: o Brasil entre dois Projetos1, uma clara disputa entre dois projetos alimenta corações e mentes: o liberal versus o desenvolvimentista. Tendências contraditórias que transparecem com frequência no debate econômico e social e, igualmente, se fazem presente no conteúdo das decisões da Justiça do Trabalho: de um lado, a corrente liberal, com ênfase ao ajuste fiscal, às políticas focalizadas, ao encontro autônomo das vontades coletivas como lócus privilegiado da produção normativa, à "rigidez" da legislação como óbice ao crescimento econômico, à competitividade, à ampliação dos postos de trabalho e ao fortalecimento das negociações coletivas; de outro, a desenvolvimentista, centrada em políticas que induzam o crescimento econômico e impactem positivamente na estruturação do mercado de trabalho e às políticas universais e que, compreendendo o Direito do Trabalho como relevante intervenção extramercado e apostando no crescimento econômico como forma de mais bem estruturar o mercado de trabalho, vê na regulação social do trabalho uma via apta à construção de patamares civilizatórios de convivência social.

É nesse cenário e em meio a essas tendências contraditórias que, com justiça, esta coletânea homenageia um magistrado que, na visão particular deste artigo, integra a segunda corrente antes enunciada, estimulando a que, no âmbito do Tribunal

Superior do Trabalho, TST, sejam destacadas algumas decisões paradigmáticas, trazendo-se, assim, elementos importantes para a discussão sobre o papel da Justiça do Trabalho diante do avanço da precarização do mundo do trabalho, que tem na terceirização da mão de obra uma de suas expressões mais significativas.

Em 10 de março de 2010, nos autos do processo: RR n. 28140-17.2004.5.03.0092, o Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, em Acórdão da 6ª Turma, publicado no DEJT 7 de maio de 2010, decidiu que [sic]:

[...]

Segundo a Súmula n. 331, I/TST a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo com o tomador dos serviços, salvo nos casos elencados nos incisos I (trabalho temporário) e III (conservação e limpeza, vigilância, atividades-meio do tomador) da referida Súmula (desde que não havendo pessoalidade e subordinação direta nos casos do inciso III, acrescente-se). Nesse quadro, a terceirização de atividade-fim - exceto quanto ao trabalho temporário - é vedada pela ordem jurídica, conforme interpretação assentada pela jurisprudência (Súmula n. 331, III), independentemente do segmento econômico empresarial e da área de especialidade profissional do obreiro. Locação de mão de obra em atividade-fim é medida excepcional e transitória, somente possível nos restritos casos de trabalho temporário, sob pena de leitura interpretativa em desconformidade com preceitos e regras constitucionais decisivas, como a dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e do emprego, além da subordinação

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da propriedade à sua função socioambiental. Configurada a irregularidade do contrato de fornecimento de mão de obra, determina a ordem jurídica que se considere desfeito o vínculo laboral com o empregador aparente (entidade terceirizante), formando-se o vínculo justrabalhista do obreiro diretamente com o tomador de serviços (empregador oculto ou dissimulado).

Ainda na 6ª Turma do TST, nos autos do Processo TST-AIRR n. 10483-10.2010.5.04.0000, em que é discutida a terceirização no setor das elétricas, Acórdão assinado pelo Ministro Mauricio Godinho Delgado define, a partir de precedentes daquela Corte, que:

[...] É o relatório.

VOTO

[...]

II) MÉRITO

[...]

Acrescente-se às razões expendidas pela Presidência do Regional que:

a) no tocante ao tema "responsabilidade solidária", que a condenação solidária das empresas, decorrente da terceirização ilícita, nos termos do art. 942 do Código Civil, caracteriza-se pela existência de grupo econômico entre elas, consoante o disposto no art. 2º, § 2º, da CLT. Para a configuração do grupo econômico, basta a existência de controle, direção, coordenação ou administração, não sendo necessária a formalização institucional.

O Tribunal Regional, para condenar solidariamente as Reclamadas, adotou apenas um dos fundamentos: a configuração da fraude trabalhista, na medida em que as funções desempenhadas pelo obreiro consistiam na atividade- -fim da tomadora dos serviços. Nesse contexto, a revista esbarra no óbice da Súmula n. 126 do TST, porque somente se fosse permitido o reexame da prova dos autos é que seria possível, em tese, concluir-se de forma diversa da Corte Regional;

b) quanto às diferenças salariais, a jurisprudência deste Tribunal Superior, em nome do princípio da isonomia, tem se manifestado no sentido de que é possível aplicar analogicamente os arts. 12 e 16 da Lei n. 6.019/74 para conferir tratamento salarial isonômico entre os empregados da prestadora e da tomadora de serviços, caso exerçam funções idênticas, o que restou afirmado pelo TRT, como se depreende das razões de fls. 61-63.

Precedentes desta Corte Superior:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ESPECÍFICA. O aresto colacionado em razões de Revista adota tese divergente daquela esposada pelo TRT da 4ª Região, motivo pelo qual o recurso merece ser processado. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI N. 6.019/74. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a contratação irregular não gera vínculo com os órgãos da administração pública, direta ou indireta (Súmula n. 331, II, do TST). Contudo, a impossibilidade de se formar vínculo com a administração pública não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas asseguradas aos empregados públicos que exerçam funções idênticas àquele. Daí porque, embora a Corte Regional afirme não ter sido a Reclamante contratada com base na Lei n. 6.019/74, o preceito que assegura o salário equitativo impõe-se a quaisquer outras situações de terceirização. Aplicável, portanto, o art. 12, a, da Lei n. 6.019/74, de forma analógica, ao contrato de trabalho da Reclamante. Recurso de revista conhecido e provido. (RR n. 8486100-29.2003.5.04.0900, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, 6ª Turma, DJ 18.4.2008).

CORSAN. TERCEIRAZAÇÃO. ISONOMIA SALARIAL. POSSIBILIADE. Tendo em vista a impossibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício direto com o ente público, Súmula n. 331, item II do TST, diante da ausência de concurso público, plenamente possível é a isonomia salarial entre os empregados da prestadora e da tomadora de serviço, se as funções executadas são idênticas, pela aplicação analógica da alínea a do art. 12 da Lei n. 6.019/74. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-7237300-05.2002.5.04.0900 Data de Julgamento: 19.5.2010, Relator Ministro: Roberto Pessoa, 2ª Turma, DEJT 4.6.2010.)

TERCIRIZAÇÃO. EQUIPARAÇÃO SALARIAL ENTRE OS EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E OS DA TOMADORA. A fim de se evitar a ocorrência de tratamento discriminatório entre os empregados da empresa prestadora de serviços e os da tomadora, e observado o exercício das mesmas funções, esta Corte entende serem devidos os direitos decorrentes do enquadramento como se empregado da empresa tomadora fosse, tanto em termos de salário quanto às condições de trabalho.(com a ressalva de entendimento pessoal do relator, para observar a regra da disciplina judiciária) Recurso de Embargos de que não se conhece. (TST-E-ED-AIRR e RR n. 750.675/2001.0, Rel. Min. Brito Pereira, DJ 19.10.2007).

(...)ISONOMIA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 12 DA LEI N. 6.019/74 AOS EMPREGADOS DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO. Na forma da jurisprudência da SBDI-1 desta Corte, os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços têm direito aos salários e demais vantagens dos empregados das empresas tomadoras dos serviços. Aplicação analógica do disposto no art. 12, a, da Lei n. 6.019/74. Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-120900-66.2006.5.04.0001, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 26.2.2010.)

EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ISONOMIA. TERCEIRIZAÇÃO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. ATIVIDADES TÍPICAS DA CATEGORIA PROFISSIONAL DOS BANCÁRIOS. ART. 12, ALÍNEA A, DA LEI N. 6.019/74. APLICAÇÃO ANALÓGICA.

A Constituição da República consagra o princípio da igualdade (art. 5º, caput), ao mesmo tempo em que proíbe o tratamento discriminatório (art. 7º, XXXII). A execução das mesmas tarefas, bem como a submissão a idênticos encargos coloca o empregado da tomadora de serviços e o empregado terceirizado

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em situação que enseja tratamento equitativo. A submissão a concurso público distingue tais empregados no que toca aos estatutos jurídicos reguladores de suas relações de trabalho, o que não afasta o direito ao tratamento isonômico, adequado às peculiaridades das atividades desenvolvidas. A impossibilidade de se formar o vínculo de emprego, contudo, não afasta o direito do trabalhador terceirizado às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas ao empregado público que cumprisse função idêntica no ente estatal tomador dos serviços. Esse tratamento isonômico visa a afastar os efeitos perversos e discriminatórios tentados pela terceirização ilícita. Trata-se de mecanismo hábil a propiciar que o ilícito trabalhista não perpetre maiores benefícios a seu praticante, encontrando amparo no art. 5º, caput, da Constituição (Todos são iguais perante a lei, sem distinção...

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