A Degradação do Meio Ambiente de Trabalho em Decorrência da Violência dos Novos Métodos de Gestão

AutorWilson Ramos Filho - Juan Carlos Zurita Pohlmann
Páginas268-286

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1. Introdução

Há hoje algo ligado ao trabalho que, de forma ascendente, vem ceifando a vida e a saúde dos trabalhadores. Pelos elementos que a seguir serão demonstrados se demonstrará que este fenômeno está ligado à organização do trabalho. Parte-se desta constatação para buscar verificar o que se modificou na organização do trabalho e que atinge trabalhadores do mundo todo.

Será demonstrado que, nos dias de hoje, a própria organização do trabalho se apresenta cada vez mais violenta. Os modos de gestão baseados nesta violência podem ser identificados a partir do início da década de 1990, o que criou um quadro de degradação do ambiente de trabalho com consequente ascendência das estatíticas de adoecimento físico e mental dos trabalhadores. Por mais que com a promulgação da Constituição de 1988 se passou a reconhecer a fundamentalidade do ambiente de trabalho equilibrado, será demonstrado que os novos métodos de gestão acabam por violá-lo.

Como os danos provocados por esta degradação ao ambinete de trabalho são de difícil ou incerta reparação, será defendido que melhor que repará-los, seria evitá-los. Esta constatação será embasada nos princípios da prevenção e da precaução.

2. O conceito de violência

A definição de violência é polêmica, por ser polissêmica. Uma aproximação se obtém no conceito da OMS1, qual seja: "El uso intencional de la fuerza o el poder físico, de hecho o como

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amenaza, contra uno mismo, otra persona o un grupo o comunidad, que cause o tenga muchas probabilidades de causar lesiones, muerte, daños psicológicos, trastornos del desarrollo o privaciones".

Com foco na coerção, Zygmunt Bauman2 indica que a violência se utiliza do terror, inclusive corporal e/ou psicológico, para forçar o indivíduo ou uma coletividade a atuar contra a sua vontade, configurando uma privação ao direito de escolha e de se autodeterminar. Slavoj Žižek3 divide a violência em três aspectos, diferenciando-os em: subjetiva que, por ser a mais visível, estaria inserta na maioria dos debates atuais; simbólica, própria da linguagem e suas formas e que dota a violência de um sentido hegemônico; sistêmica, a qual é a base das anteriores e consequência da hegemonia da ideologia econômica e política, servindo de base para a crítica da violência subjetiva por ressaltar os limites até os quais esta pode ser admitida como normal.

Um dos méritos de Žižek é o de não se submeter à ideia reducionista quanto à análise da violência apenas a partir da violência observável. Propõe pensar a violência de uma maneira complexa, integrando outros aspectos que passam despercebidos, porém fundamentam o sistema de dominação e exploração. Esta violência sistêmica não é observável e acaba não condenada por estar intrínseca à cultura.

Como identificado por Žižek na relação entre a violência subjetiva e a sistêmica, Bauman também atrela a percepção da violência não à violência em si, mas na ilegitimidade daquele que a está impondo. Analogicamente à verificação dos atos terroristas, conclui o autor que "[...] a etiqueta de ‘terrorista’ das pessoas que atiram, lançam bombas e queimam outros cidadãos depende menos da natureza de suas ações do que da simpatia ou antipatia daqueles que imprimem as etiquetas e as colam"4. Para Bauman5 é impossível identificar se a história da violência é crescente ou declinante, pois não há meios objetivos de mensurá-la; além do que, contra ela, provavelmente não se adotará medida consistente, pois, como afirma Marie-France Hirigoyen6, a ordem para se estabelecer precisa da coerção, podendo ser verificada no relacionamento dos casais, na própria família, com reflexo na criação dos filhos.

Analisando a constante de violência, Bauman7 conclui que a ‘não violência’, que seria um atributo da vida civilizada, não significaria a ausência de coerção, mas sim a ausência de coerção não autorizada, pois o Estado ainda detém o monopólio da violência, podendo autorizar e legitimar a sua utilização por outros. Por assumir variadas feições e funções, a violência possui muitos sentidos, podendo ser percebida em várias formas, e, em regra, o que a faz ser percebida como indevida seria a não aceitação de que esta seja praticada de maneira ou por pessoa não autorizada para tanto.

Tal qual Žižek, Johan Galtung8 compreende a violência sob três aspectos: direta, estrutural e cultural, as quais se conectam e se apresentam ao mesmo tempo na sociedade. No entanto, diverge quanto à classificação. Para este, a violência direta, como a subjetiva de Žižek, é um evento, ou seja um ato específico de violência, como um assassinato ou uma agressão, ainda que psicológica. A

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violência estrutural possui a exploração como peça central, marcando não apenas o corpo da vítima, mas também sua mente e espírito. Trata-se de um processo que implanta a ideologia violenta; segmenta a visão que as vítimas têm desta ideologia; marginaliza estas vítimas; e fragmenta as vítimas para que estas não se vejam como partes de uma coletividade, o que garante a passividade diante desta forma de violência. Já violência cultural é a porção não variante (aspectos culturais como a religião, as ideologias, a linguagem, a ciência etc.) que irá legitimar as demais formas de violência.

A utilização de meios violentos para o gerenciamento da produção não se trata, em verdade, de novidade, pois estes sempre estiveram à disposição das empresas, sendo utilizados com fundamento no poder diretivo derivado de violência econômica, causando ansiedade e desconforto ao trabalhador. A diferença está na sua admissão como estratégia empresarial fundada no medo e no sofrimento como forma de induzir à submissão, visando à maximização dos lucros9.

A indignação perante a violência se dá no momento em que as vítimas começam a percebê-la não mais como fatalidade ou encargo oponível, mas como reflexo de uma injustiça, demandando, por um processo dinâmico e complexo de lutas específicas e de conquistas coletivas, o reconhecimento de direito à proteção contra a violência denunciada10, formando nova ‘realidade’.

Ainda que não se tenha um consenso sobre a definição de violência, a qual pode ser analisada em diversos níveis, esta representa uma constante na sociedade. No entanto, isto não implica aceitá-la como uma parte inevitável da condição humana11, mas deve-se investigar os valores que lhe estão associados, pois ela reflete as formas de poder constituídas socialmente. No presente, ao mesmo passo que o expansionismo do capital conquistou o ideário geral pela possibilidade de ascensão financeira, promoveu um comprometimento do discernimento da moral, recolhendo à normalidade discursos empresariais carregados de violência contra o ser humano, no qual se inserem os novos métodos de gestão12.

3. A ideologia intrínseca aos novos métodos de gestão e que legitima a violência no ambiente de trabalho

A violência originada nos novos métodos de gestão não decorre apenas do poder diretivo dos empregadores, mas, e principalmente, dos modos de gestão característicos do capitalismo contemporâneo13. Pode-se acrescentar que esta violência decorre da utilização do poder na relação de trabalho14, e é legitimada pelo Estado, nos limites por este propostos, apenas recriminada quando praticada em abuso.

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A violência, admitida aqui em seu amplo significado, não seria em si mesma reconhecida como ilegal, sendo refutada no ordenamento jurídico quando o ato for contrário aos limites estabelecidos pelo Estado, ou praticado por quem não possua legitimidade para tanto, do que resulta que o poder empregatício, praticado com autorização estatal e nos limites por este estabelecidos, mesmo provocando danos ao trabalhador, não será reconhecido pelo sistema como uma forma ilícita de violência, o que, entretanto, não afasta a admissão como tal quando a análise for materialmente realizada. Isto fica mais evidente ao se compreender que o empregador não possui qualquer poder sobre a pessoa do trabalhador, mas tão somente sobre sua força produtiva15.

O capitalismo, sob os influxos da onda neoliberal, leva aqueles que estão trabalhando à exaustão e aos que não estão ao distanciamento ainda maior de um posto de trabalho16. As últimas mudanças do capitalismo, com a ascensão da virada gestionária, elegeram o assédio como forma de gestão.

Ramos Filho17, com base nos estudos feitos por Luc Boltanski e Ève Chiapello18 sobre os espíritos do capitalismo19, reconhece como marco temporal a partir do qual é possível identificar as modificações das técnicas de gestão do trabalho subordinado o final da década de 1980 e início da década de 1990. Estas modificações, pelas quais passaram a induzir lealdade, submissão e subserviência ao capitalismo, estão conformadas a um terceiro espírito do capitalismo.

O conceito de "espírito do capitalismo", tem sua significação atrelada a um complexo de elementos que constitui uma realidade histórica, e pode ser entendido como a ideologia que justifica o engajamento ao capitalismo, pelo qual se legitimam as ações e disposições com ele coerentes. Sem este engajamento dos atores, arrisca-se afirmar que não haveria o capitalismo e, por esta razão, não pode este ser entendido sem que se considerem as ideologias que o justificam, ainda que estas se encontrem em constante mutação para alcançar maior adesão.

É possível identificar que o "primeiro espírito" do capitalismo possuía como pilares fundamentais: o progresso material; a eficácia e...

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