O meio ambiente do trabalho e a constituição

AutorMarcelo Rodrigues Prata
Páginas177-229

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6.1. Conceito de direito fundamental

A respeito do conceito de direito fundamental, vejamos a cátedra de Willis Santiago Guerra Filho:

O filósofo alemão Immanuel Kant, embalado pela influência política da Revolução Francesa e pela influência teórica de Rousseau (1712-1778), foi o introdutor da consciência jurídica dos Direitos Fundamentais do homem (grundrechtsbewustes Denken), principalmente no que diz respeito à liberdade e à dignidade da pessoa humana.671

Por outro lado, Guerra Filho professa que os direitos fundamentais não se confundem com os direitos humanos, considerando que só aqueles são positivados — incorporados pela Constituição —, muito embora sejam tributários desses últimos:

De um ponto de vista histórico, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, do que de um modo geral é chamado de direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situados em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas — especialmente aquelas de direito interno.672

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6.2. As gerações ou dimensões dos direitos fundamentais

Atualmente, a doutrina prefere a expressão dimensões a gerações de direitos fundamentais, considerando que as etapas históricas não podem ser separadas em departamentos estanques. Noutros termos, quando se diz, v. g., que as liberdades individuais são um direito de primeira geração, não se quer afirmar com isso que todas as liberdades individuais já foram conquistadas na prática. A propósito, ensina Guerra Filho:

Mais importante é que os direitos gestados em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada — e, consequentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos humanos e fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.673

6.2.1. Direitos de primeira dimensão

A propósito dos direitos fundamentais de primeira dimensão, vejamos o ensino de Willis Santiago:

A primeira geração é aquela em que aparecem as chamadas liberdade públicas, “direitos de liberdade” (Freiheitsrechte), que são direitos e garantias dos indivíduos a que o Estado omita-se de interferir em uma sua esfera juridicamente intangível.674

Nesse grupo de direitos de primeira dimensão se incluem os típicos direitos burgueses em face do poder tirânico do rei, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à expressão, ao voto, à propriedade, à autonomia da vontade privada. Além disso, pertencem à primeira dimensão garantias processuais como a garantia ao devido processo legal, do habeas corpus e do direito de petição.675

6.2.2. Direitos de segunda dimensão

No que tange aos direitos de segunda dimensão, Guerra Filho ensina que “... surgem direitos sociais a prestações pelo Estado (Leistungsrechte) para

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suprir carências da coletividade”.676Aí, e.g., se incluem os direitos trabalhistas e previdenciários, bem assim os direitos econômicos e culturais.

6.2.3. Direitos de terceira dimensão

Karel Vasak, jurista da Unesco, foi o primeiro a escrever sobre a terceira dimensão dos direitos fundamentais,677 ou seja, os relacionados à Fraternidade ou Solidariedade entre os povos — como o direito de proteção e utilização do patrimônio histórico e cultural comum da humanidade, ao desenvolvimento, à paz, à comunicação, à determinação dos povos e, lógico, ao meio ambiente. Por sinal, vejamos a lição de Paulo Bonavides:

A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender tão somente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos.

E continua:

Têm, primeiro, por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.678

Na mesma linha, Ingo Wolfgang Sarlet arremata:

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa.

E continua:

Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo

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estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.

E assim conclui Sarlet:

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, como leciona Pérez Luño, podem ser considerados uma resposta ao fenômeno denominado “poluição das liberdades”, que caracteriza o processo de erosão e degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face do uso de novas tecnologias. Nesta perspectiva, assumem especial relevância o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida (que já foi considerado como direito de terceira geração pela corrente doutrinária que parte do critério da titularidade transindividual).679

Por sua vez, Norberto Bobbio entende que o direito a um meio ambiente equilibrado é o mais importante dos direitos de terceira dimensão.680

6.3. O meio ambiente do trabalho como direito fundamental de terceira dimensão
6.3.1. Antecedentes históricos

Muito embora desde 1948 o § 1º do art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos já dissesse que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”, a consciência ambiental é algo recente. Ela pode ser verificada a partir da década de 1950, em virtude dos efeitos deletérios do processo irracional de industrialização nos países desenvolvidos.681

A propósito, o Tratado de Roma — que instituiu, em 25.3.1957, a Comunidade Econômica Europeia (CEE), mais precisamente em seus arts. 117 e 118 — representa um marco para o Direito Ambiental do Trabalho na Europa.682 Por sua vez, a existência de uma legislação mais rigorosa a esse res- peito acarretou a transferência de parte da produção industrial para os países de terceiro mundo, que, mais preocupados com a questão social, terminam por negligenciar a proteção ambiental — como se essas duas questões não fossem intimamente relacionadas...

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Já na década de 1960 houve a Revolução Ambiental nos Estados Unidos,683 que daí se espraiou para o Canadá, a Europa e o Japão. O ano de 1970 foi dedicado a chamar a atenção a respeito da questão ambiental na Europa. Em 1972, houve a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, patrocinada pelas Nações Unidas, sendo que nela, lamentavelmente, o Brasil e a China se recusaram a reconhecer a verdadeira dimensão do problema. De qualquer...

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