Globalização e o meio ambiente do trabalho

AutorMarcelo Rodrigues Prata
Páginas135-152

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4.1. Conceito de globalização

Vejamos o conceito de globalização formulado por Doni Assis, professor de História do CEFAM: “Globalização é o processo pelo qual o espaço mundial adquire unidade”:

O ponto de partida desse movimento são as Grandes Navegações europeias do século XV e XVI que conferiram unidade à aventura histórica dos povos e configuraram, na consciência dos homens, pela primeira vez, a imagem geográfica do planeta.483

Por sua vez, o saudoso Eric Hobsbawn — considerado o maior historiador so século XX — pondera:

A globalização não é o resultado de apenas uma ação, como acender a luz ou dar a partida no carro. Ela é um processo histórico que, embora tenha sido muito acelerado nos últimos dez anos, reflete uma transformação incessante. Não é nada evidente, portanto, em que momento podemos dizer que esse processo chegou ao fim e pode ser considerado encerrado.484

Nada obstante, a queda do muro de Berlim, em 1989, é o evento emblemático que marca o fim da polarização entre o capitalismo e o comunismo

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desde o término da Segunda Grande Guerra. Com ele ganha impulso o processo de economia capitalista de nível mundial, que existe há séculos, mas agora é reforçado pela diminuição das barreiras físicas e ideológicas.

Por outro lado, o professor da Escola de Comunicação da UFRJ Mohammed Elhajji (autor do livro Da semiose ocidental hegemônica: globalização e convergência) concedeu entrevista na qual oferece uma perspicaz distinção entre mundialização e globalização — enfatizando o papel da informática, da comunicação instantânea na conceituação da globalização:

Mundialização é um processo copernicano, territorial e espacial que diz respeito ao fechamento do mapa e a sua conquista definitiva pelo Centro. [...] O fenômeno de mundialização era de natureza essencialmente espacial, relativo à concepção esférica do planeta. [...] A começar pela oportunidade vislumbrada pelos ocidentais de conferirem (e imporem) a universalidade de seus valores e a centralidade da sua visão filosófica e civilizacional do mundo.

E continua: “Já a Globalização é um modo de sujeição e de subjugação que se inscreve, essencialmente, na dimensão temporal e toma forma na instantaneidade e na imediatez das relações sociais, políticas e econômicas”. E assim conclui Elhajji: “O conceito de globalização, portanto, não deve ser entendido em relação ao globo terrestre, mas sim no sentido da globalidade de uma ação, ou seja, a sua realização simultânea em múltiplos pontos do espaço”.485 Aliás, Niklas Luhmann entende que, devido, principalmente, ao extraordinário avanço dos instrumentos de comunicação, hoje, existe apenas uma “sociedade mundial”.486 Alain Supiot, por sua vez, disse que: “Pretendendo uniformizar o mundo, arruína-se toda possibilidade de unificá-lo”.487 Enquanto Friedrich Nietzsche escreveu: “Convicções são inimigos da verdade mais perigosos que as mentiras”.488

4.2. Progresso econômico e tecnológico versus progresso social

Durante o século XX, a produção anual de bens e serviços aumentou mais de vinte vezes e a população mundial passou de 1 bilhão para mais de

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6 bilhões (atualmente já alcançamos os 7 bilhões). Ocorre que apenas 1 bilhão de pessoas vive na prosperidade, outro bilhão sofre na miséria, enquanto os demais se mantêm com uma renda módica, próxima ao mínimo indispensável. Só no Brasil, de acordo com o censo de 2010, há 16,2 milhões de miseráveis ou 8,5% da população.489

Por sua vez, Boaventura de Souza Santos defende que a globalização promove a criação de riqueza sem a respectiva geração de empregos. Num ambiente progressivo de integração dos mercados, a perda correlata dos direitos, combinada com o aumento do desemprego estrutural, está levando os trabalhadores à privação de seu estatuto de cidadania. É a chamada “lógica da exclusão”, o trabalho deixa de ser o sustentáculo da cidadania e vice-versa em detrimento da democracia.490

A economia deixou de ser um dos institutos sociais importantes — ao lado da religião, das ideologias, do direito e do Estado — para ser a principal instituição, em virtude do enfraquecimento dos demais pilares da sociedade. Ela tinha por fim reduzir a escassez dos bens básicos e gerar bem-estar social, mas perdeu esse sentido original e passou a ser um fim em si mesma. Isto é, a acumulação de capital por uma elite cada vez menor.

Para atingir plenamente esse propósito, a preocupação com as garantias mínimas do trabalhador — inclusive para que esse possa fazer parte da massa dos consumidores — foi deixada de lado. A produção não é mais destinada a atender às necessidades reais dos consumidores, mas é incentivado o consumismo exacerbado de um grupo cada vez menor de pessoas com real poder aquisitivo.491

4.2.1. O regime fordista

Segundo Boaventura de Sousa Santos, o sistema capitalista de acumulação, após a Segunda Grande Guerra, era caracterizado pela separação, na indústria, dos trabalhadores responsáveis pela produção dos encarregados da criação — organização taylorista. Por sua vez, havia uma relação direta entre os ganhos de produtividade e o aumento da massa salarial. Paralelamente a isso, eram oferecidos generosos benefícios indiretos aos operários, garantidos pela Previdência Social (Estado-Providência).

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Por outro lado, o crescimento dos salários representava um aumento do consumo. Esse regime era chamado de fordista e vigorou nos países centrais até o final dos anos 1960. Havia, então, um “compromisso social-democrata”.492 Esse sistema funcionava igualmente como proteção contra a ameaça representada pelos países socialistas.

Nada obstante, ensina Sousa Santos que esse sistema alienava o operariado quanto à sua própria subjetividade. Noutros termos, ele não tinha liberdade para decidir o que era melhor para si, era induzido a fazer parte de um sistema em que as lutas por melhorias nas condições de trabalho, pela cidadania e lazer eram suprimidas em troca da garantia de emprego, de melhores salários e de previdência social de qualidade. Em contrapartida, não havia espaço para expressão de sua criatividade, era obrigado a executar tarefas repetitivas, monótonas, sendo o seu lazer substituído pelo consumo. Havia uma separação do espaço da cidadania e do espaço da produção.

Por sua vez, o movimento estudantil veio questionar essa situação— professa Santos —, que era, de uma banda, muito cômoda, mas, de outra banda, pouco gratificante do ponto de vista da satisfação pessoal: “trabalho alienado”, “família burguesa, autoritarismo da educação, monotonia do lazer, dependência burocrática” do Estado-Providência.493

4.3. A transnacionalização da produção

A partir da década de 1970, houve a crise de rentabilidade diante da relação produtividade-salários, a crise do regime fordista, bem como a do Estado-Providência e regulador.494Para tanto, é consabido, contribuiu, decisivamente, as crises do petróleo da década de 1970. Com elas, as empresas são forçadas a cortar custos, para se tornarem mais competitivas.495 As

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despesas com empregados passam a ser repensadas, dando origem a um “enxugamento” das folhas de pagamento. Para se atingir esse escopo, lança-se mão da terceirização, do contrato de trabalho por tempo determinado, do job sharing, do cooperativismo, enfim, da precarização das relações de trabalho.496

Por seu turno, a transnacionalização da produção — explica Boaventura de Sousa Santos — foi uma resposta à perda de lucratividade das empresas. Saliente-se que o aumento da competição entre elas implicou uma pressão para redução dos salários diretos e indiretos e uma maior exigência de disciplina por parte dos empregados.

Além disso, a transnacionalização da produção diminuiu muito o papel dos Estados nacionais na condição agente regulador e responsável pelo pagamento de benefícios indiretos generosos, o que implicou o enfraquecimento do seu poder político e econômico.

Por sua vez, houve não só uma imigração da produção dos países centrais para os periféricos ou semiperiféricos, como, igualmente, uma imigração de mão de obra destes para aqueles. Desse modo, facilitou-se a exploração de uma massa de trabalhadores mais dóceis, que se sujeitavam a receber menores salários e benefícios indiretos.497 Praticou-se, assim, um verdadeiro dumping socioambiental nos países do Terceiro Mundo.498 Ou seja, houve um corte de custos com medidas de proteção trabalhistas e ambientais, o que barateou o produto oferecido pelas multinacionais, em detrimento dos trabalhadores, do meio ambiente e das empresas que permaneceram nos países centrais, respeitando a legislação local.499

4.4. Indiferenciação entre a produção e a reprodução social

A mundialização da produção — a “fábrica difusa” — desarticulou as lutas da classe operária. Além disso, passou a haver uma indiferenciação entre a produção e a reprodução social. Vale dizer, esse novo regime de trabalho

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permitiu o teletrabalho, o trabalho em domicílio. Assim, fica difícil separar o tempo dedicado à família e ao lazer do reservado ao trabalho. A esse respeito, Alain Supiot ensina que o espaço-tempo instituído há mais de um século pelo Direito do Trabalho “... está hoje abalado pelas novas tecnologias da...

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