A mediação no Direito das Famílias e a Resolução no 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça: perspectivas da mediação enquanto política judiciária

AutorCarlos José Cordeiro/Josiane Araújo Gomes
Páginas483-503

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Ver Nota12

A mediação é um lugar de esperança, no qual a técnica dá voz ao “outro”, escon-dido que fica atrás do conflito.

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Introdução

A convivência humana é marcada pelo conflito, não havendo qualquer agrupamento de seres humanos que consiga organizar-se sem ter que enfrentá-lo. É em razão dele, inclusive, que surgem as regras sociais mais basilares, voltadas para a prevenção e, em caso de insucesso no intento inicial, para a solução do conflito.3É com tal propósito, pois, que ora se elege a mediação como objeto de estudo, buscando a sua compreensão enquanto uma das formas possíveis de resolver os conflitos sociais, marcada, sobretudo, pela voluntariedade de seu manejo e por seu papel acessório frente à jurisdição, porquanto esta ainda é considerada o meio primordial de solução de controvérsias, manifestando-se como expressão direta do monopólio estatal.

Contudo, não há como olvidar que a Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça4, ao instituir a Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses, inovou de forma importante o ordenamento jurídico brasileiro ao prever, no parágrafo único de seu art. 1º, que é incumbência do Poder Judiciário, por meio de seus órgãos, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de solução de controvérsias, em especial, os meios consensuais como a mediação, transformando, assim, algo que ficava à margem do Judiciário, no sentido de um meio totalmente alternativo, em verdadeiro serviço público a ser prestado por mencionado Poder.

A investigação acerca desse método é o objeto deste trabalho, de modo que se possa compreender o seu significado, abrangência, regras e princípios informa-

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dores, a fim de vislumbrar a sua possível contribuição ao Direito das Famílias, notadamente por ser este o locus inicial de nascimento dos conflitos e no qual a complexidade das relações humanas se expressa com maior força.

Além disso, a preocupação com a tendência institucionalizadora dos meios alternativos de solução de conflito demanda análise mais detida, que se pretende realizar neste artigo, de modo a reconhecer quais são suas perspectivas, limites e possibilidades, a fim de delimitar em que medida e de que forma a mediação, enquanto política judiciária, pode ser implementada de maneira efetiva e satisfatória.

1 O que é mediação?

A mediação, tradicionalmente, é compreendida como método autocompositivo de resolução de conflito, na medida em que a sua solução é construída pelas próprias partes por meio da facilitação do diálogo fomentada por terceiro imparcial que se preocupa em identificar os reais interesses das pessoas envolvidas, os quais, por vezes, mostram-se encobertos pelo pedido formulado no processo ou pela demanda, ainda que extrajudicial, ventilada em desfavor de outrem.

A partir dessa definição, depreendem-se algumas distinções entre a media-ção e a conciliação, que se mostram elucidativas para a melhor compreensão do instituto sob exame. A primeira delas pode ser qualificada como sendo de ordem qualitativa, ou seja, a mediação funciona como procedimento pelo qual o mediador estimula as partes a compreenderem as necessidades e os interesses do outro, sob enfoque não adversarial (despolarizado), direcionado para a capacitação das partes enquanto sujeitos hábeis a solucionar seus próprios conflitos (empoderamento).

Por sua vez, a conciliação permite que o responsável pela sua condução sugestione às partes possibilidades para resolver a controvérsia, diminuindo, assim, de certa forma, a autonomia e responsabilidade dos envolvidos pelo seu desfecho, alcançando-se resultados em tempo reduzido, mas com o inconveniente de não aprofundar na perquirição acerca das verdadeiras causas do conflito, de modo, inclusive, a poder evitá-las no futuro.

Assim, percebe-se que, enquanto a conciliação busca resolver o conflito, contando inclusive com o auxílio do conciliador, de forma direta, para alcançar tal propósito, a mediação visa trabalhá-lo para, eventualmente, alcançar uma solução facilitada pelo mediador.

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Nesse sentido, inclusive, são as ponderações de Cintra, Grinover e Dinamarco:

A mediação assemelha-se à conciliação: os interessados utilizam a intermediação de um terceiro, particular, para chegarem à pacificação de seu conflito. Distingue-se dela somente porque a conciliação busca sobretudo o acordo entre as partes, enquanto a mediação objetiva trabalhar o conflito, surgindo o acordo como mera consequência. Trata-se mais de uma diferença de método, mas o resultado acaba sendo o mesmo.5Em decorrência da diversidade de objetivos da mediação e da conciliação, vislumbra-se o segundo critério distintivo entre ambas, o qual pode ser considerado de ordem quantitativa, na medida em que, na mediação, em razão da complexidade das questões tratadas e do método de abordagem, o decurso do tempo é maior, havendo necessidade, em alguns casos, de cinco a seis sessões, enquanto na conciliação uma sessão já se mostra suficiente para alcançar o escopo inicialmente idealizado, qual seja, a composição do litígio.

Assim, é de se destacar que a mediação não visa, exclusivamente, à solução do conflito, como ocorre na conciliação, sendo que a sua ocorrência apresenta-se como apenas uma das consequências possíveis. Nesses termos, pode-se asseverar que o objetivo primordial da mediação é facilitar o diálogo entre as partes e a compreensão de seus interesses, mesmo que, a despeito disso, não se realize acordo, notadamente porque a sua maior relevância encontra-se no fato de viabilizar a continuidade dos vínculos e relacionamento das partes, de forma prospectiva e, também, segundo alerta Jean-François Six, proporcionar que cada pessoa possa contar, antes de tudo, consigo mesma e construa com outros indivíduos, que estão no “mesmo barco” que ela, novas solidariedades; afinal, o futuro são os outros, na medida em que dois podem se reconhecer mutuamente porque são um e outro reconhecidos por um terceiro6.

Nessa senda, a noção contemporânea de mediação rompe com o seu enquadramento enquanto forma de resolução de conflito (concepção tradicional), pois, em que pese isso possa ocorrer, a mediação deve ser considerada, acima de tudo, como procedimento facilitador do diálogo entre as pessoas, de modo a ampliar a capacidade comunicativa daquelas que estiverem envolvidas na con-

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trovérsia, a fim de que elas possam dar o melhor rumo às suas próprias vidas, independentemente da efetiva composição do litígio.

Por outro lado, se o objetivo da mediação é facilitar a comunicação entre as partes, depreende-se que a sua relevância é maior nos casos em que se verifica a necessidade de manter o diálogo e os relacionamentos interpessoais por representarem relações continuativas entre as pessoas.

Assim, alerta Marina P. M. Gomes que:

A mediação é indicada para diversas situações, em vários âmbitos do direito, sendo relevante, para a constatação de ser ela, ou não, via mais adequada para o conflito apresentado, a existência de vínculos ou laços afetivos entre os contendores e, principalmente, se há uma relação vinculativa e continuada no futuro, o que leva à conclusão de sua efetividade na resolução de controvérsias que envolvem direito de família (disputas entre casais, irmãos, etc.), direito empresarial (desentendimento entre sócios em relação a determinado contrato celebrado pela empresa, por exemplo), trabalhistas (mormente nos conflitos entre empregador e empregado nas situações onde o contrato de trabalho ainda permanece em vigor), ambientais (a exemplo do conflito entre entidades públicas e empresas), cíveis (principalmente no que diz respeito à propriedade intelectual), internacionais (divergência entre Estados), escolares (alunos e professor, por exemplo), bem como os comunitários (conflitos entre vizinhos ou moradores de um mesmo bairro)7.

Portanto, a mediação, em razão do seu objetivo, mostra-se bastante oportuna nos casos em que há relação estreita entre as partes, bem como a pretensão de continuidade dos vínculos, de modo que possam ser trabalhados os anseios dos envolvidos, de forma prospectiva, vale dizer, idealizando como o relacionamento será no futuro.

Por tudo que se expôs, pode-se asseverar que a mediação consiste em procedimento conduzido por terceiro responsável por identificar os reais interesses das partes e traduzi-los, de forma positiva aos envolvidos, atuando como facilitador da comunicação entre eles estabelecida, de modo que possam, autonomamente, encontrar novas formas de se relacionar, colocando, eventualmente, fim ao conflito e idealizando a maneira como manterão os elos que os vinculam.

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2 Marcos teóricos da evolução da mediação

A origem da mediação, enquanto modelo de resolução de conflito, não pode ser identificada de forma clara, na medida em que a sua realização, mesmo que de maneira atécnica, relaciona-se com a própria existência dos conflitos, desenvolvendo-se a partir do senso comum de que as controvérsias precisam ser solucionadas para que se viabilize a continuidade da existência e convivência humanas, a qual, por vezes, pode ser facilitada por um terceiro.

A teorização acerca da mediação, todavia, passou a ser objeto de estudo nos Estados Unidos da América, na segunda metade do século passado, desenvolvendo-se com o propósito de diminuir a grande quantidade de processos que incharam o Poder Judiciário, sobretudo em virtude das demandas originadas no período pós 2a Guerra Mundial, criando-se, assim, um modelo de meios alter-nativos de solução de conflitos, internacionalmente identificado pela sigla ADR (Alternative Dispute Resolution...

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