As audiências públicas no âmbito do Supremo Tribunal Federal Brasileiro: Uma nova forma de participação?

AutorMônia Clarissa Hennig Leal
CargoDoutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos
Páginas327-347

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IssN Eletrônico 2175-0491

AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO: UMA NOVA FORMA DE PARTICIPAÇÃO? 1 PUBLIC HEARINGS IN THE SCOPE OF THE BRAZILIAN FEDERAL SUPREME COURT: A

NEW FORM OF PARTICIPATION IN PUBLIC AFFAIRS?

LAS AUDIENCIAS PÚBLICAS EN EL ÁMBITO DEL SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEÑO: ¿UNA NUEVA FORMA DE PARTICIPACIÓN?

Mônia Clarissa Hennig Leal2 1 Este artigo é resultante das atividades do projeto de pesquisa “Controle jurisdicional de políticas públicas: o papel e os limites do Supremo Tribunal Federal na fiscalização e na implementação de políticas públicas de inclusão social – análise crítica e busca de novos mecanismos/instrumentos para uma atuação democrática e cooperativa entre os Poderes”, vinculado ao Grupo de Pesquisa “Jurisdição Constitucional aberta” (CNPq), do qual a autora é coordenadora, e desenvolvido junto ao Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas – CIEPPP (financiado pelo FINEP), ligado ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.

2 Pós-Doutorada pela uprec t- arls Universit t eidelberg ( leman a) e Doutora em DireiPós-Doutorada pela uprec t- arls Universit t eidelberg ( leman a) e Doutora em Direito pela Universidade do Vale do io dos Sinos – Unisinos, com Doutorado Sanduíc e realizado junto à uprec t- arls Universit t eidelberg ( leman a). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul
– UNISC, onde ministra as disciplinas de Jurisdição Constitucional e de Controle Jurisdicional de Políticas Públicas, respectivamente. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Jurisdição Constitucional aberta”, vinculado ao CNPq. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Membro do Comitê ssessor das Ciências umanas e Sociais da Fundação de mparo à Pesquisa do io Grande do Sul – F PE GS. monia @unisc.br.

Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 19 - n. 2 - mai-ago 2014

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Doi: 10.14210/nej.v19n2.p327-347

Resumo: A jurisdição constitucional desempenha papel de relevo no contexto do Estado Constitucional Democrático. Sua tarefa tem, contudo, se tornado cada vez mais desafiadora, notadamente em face da pluralidade e da complexidade que caracterizam a socie-dade atual, pois os instrumentos tradicionais se afiguram, muitas vezes, insuficientes, incapazes de responder satisfatoriamente às demandas que se apresentam. É necessário que se desenvolvam, portanto, mecanismos que permitam ao Poder Judiciário afigurarse como um locus de participação e de exercício da democracia. Nesse sentido, a figura das audiências públicas tem sido utilizada de forma cada vez mais frequente pelo Supremo Tribunal Federal, oportunizando a sociedade tomar parte no debate constitucional e possibilitando que as decisões proferidas sejam mais situadas do ponto de vista cultural, social, econômico, científico, etc. Em face disto, propõe-se um estudo da audiência pública e dos fundamentos teóricos que a sustentam, buscando-se analisá-la como nova forma de democracia direta.

Palavras-chave: Audiências públicas. Supremo Tribunal Federal. Status activus processualis. Jurisdição Constitucional. Participação social.

Abstract: Constitutional jurisdiction plays an increasingly important role in the Constitutional Democratic State. However, its activity has become increasingly challenging, particularly due to the plurality and complexity of contemporary societies, as the traditional mechanisms are often insufficient and incapable of satisfactorily meeting the demands that are presented. In this context, it is necessary to develop instruments that enable the Judiciary Power to become a locus for participation and exercise of democracy. Public hearings have frequently been used by the Brazilian Supreme Federal Court, giving society the opportunity to take part in the constitutional debate, and enabling the decisions made to be more relevant from a cultural, social, economic, scientific etc. point of view. A study of the public hearing is therefore proposed, and the theoretical bases that support it, seeking to analyze it as a new form of direct democracy.

Disponível em: www.univali.br/periodicos

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Key-words: Public hearings. Brazilian Federal Supreme Court. Status activus processualis. Constitutional jurisdiction. Participation in public affairs.

Resumen: La jurisdicción constitucional desempeña un rol destacado en el contexto del Estado Constitucional Democrático. Sin embargo su tarea se ha vuelto cada vez más desafiadora, especialmente ante la pluralidad y la complejidad que caracterizan a la sociedad actual, pues los instrumentos tradicionales aparentan ser, muchas veces, insuficientes, incapaces de responder satisfactoriamente a las demandas que se presentan. Es necesario que se desarrollen, por lo tanto, mecanismos que le permitan al Poder Judicial presentarse como un locus de participación y de ejercicio de la democracia. En ese sentido, la figura de las audiencias públicas ha sido utilizada de forma cada vez más frecuente por el Supremo Tribunal Federal, dando oportunidad a la sociedad de tomar parte en el debate constitucional y posibilitando que las decisiones proferidas estén mejor situadas desde el punto de vista cultural, social, económico, científico, etc. Frente a esta realidad, se propone un estudio de la audiencia pública y de los fundamentos teóricos que la sustentan, tratando de analizarla como una nueva forma de democracia directa.

Palabras clave: Audiencias públicas. Supremo Tribunal Federal. Status activus processualis. Jurisdicción Constitucional. Participación social.

jurisdição constitucional tem, cada vez mais, no contexto do Estado Constitucional Democrático, notadamente em face de sua tarefa de garantia dos direitos fundamentais, assumido um papel de relevo, sendo comuns as referências a fenômenos como “judicialização” (da Política e do Direito) e “ativismo judicial”, levando a questionamentos acerca de seus limites e de sua legitimidade. Esta tarefa tem, contudo, se tornado cada vez

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mais desafiadora, notadamente em face da pluralidade e da complexidade que caracterizam a sociedade atual, pois os instrumentos tradicionais de atuação jurisdicional se afiguram, muitas vezes, insuficientes, incapazes de responder satisfatoriamente às demandas que se apresentam. Neste contexto, em que uma grande parcela de poder é transferida para os juízes, que são chamados a decidir sobre questões estratégicas e de grande repercussão social (tais como aborto, cotas raciais, questões ambientais, etc.), é necessário que se desenvolvam instrumentos que permitam também ao Poder Judiciário afigurar-se como um locus de participação e de exercício da democracia. Nesse sentido, a figura das audiências públicas – instituída pela legislação que regulamenta as ações do controle concentrado de constitucionalidade – tem sido utilizada de forma cada vez mais frequente pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (de 2007 até o presente momento foram realizadas sete no total, tendo havido a convocação de mais sete apenas em 2013), oportunizando à sociedade tomar parte no debate constitucional e possibilitando, desta forma, que as decisões proferidas sejam mais situadas do ponto de vista cultural, social, econômico, científico, etc. Em face disto, pretende-se, no presente trabalho, um estudo da figura da audiência pública e dos fundamentos teóricos que a sustentam (tais como a noção de “status activus processualis”), buscando-se identificá-la como uma nova forma de democracia direta. Por fim, propõe-se uma análise crítica de sua operacionalização pelo Tribunal, visando identificar-se se elas funcionaram, efetivamente, como um instrumento de abertura e de participação ou acabaram se consubstanciando em simples elemento de legitimação formal da decisão.

o protagonIsmo da JurIsdIção ConstItuCIonal no Estado ConstItuCIonal dEmoCrátICo: JudICIalIzação da polítICa, polItIzação do JudICIárIo E atIvIsmo JudICIal

A jurisdição constitucional tem evoluído, ao longo do tempo, em estreita conexão com as transformações operadas no âmbito do próprio Estado, passando de uma postura restritiva e limitada (marcada pela aplicação de silogismos lógicos

Disponível em: www.univali.br/periodicos

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e pelo empirismo exegético) no contexto do Estado liberal a uma atuação ampla e ativa no Estado Democrático de Direito3, sendo comum a referência a fenômenos como “politização do Judiciário” e “judicialização da política”4, resultantes de um processo histórico que tem por base múltiplos fatores, tais como a centralidade da Constituição e sua força normativa, associada a aspectos como o caráter principiológico e a transformação dos direitos fundamentais5(seja pela superação de sua função negativa clássica6e incorporação de uma perspectiva positiva, seja pela ampliação7e extensão8de seus conteúdos, a partir do reconhecimento de sua dimensão objetiva9).10Todos estes fatores, somados, conduzem, por sua vez, a uma ampliação e a uma transformação da atuação da jurisdição constitucional, conduzindo, assim, a um protagonismo e a uma transferência de decisões (tradicionalmente reservadas à esfera política e deliberativa) para o Judiciário, fazendo com que o Direito seja, cada vez mais, um direito judicial, construído, no caso concreto, pelos magistrados11.

3 ESSE, onrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 20.

uflage. eidelberg: C. F. Müller, 1999.
4 Para uma abordagem ampla acerca das relaç es que se estabelecem entre Judiciário e po Para uma abordagem ampla acerca das relaç es que se estabelecem entre Judiciário e política, ver...

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