Mandado de Segurança

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2927-2973

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Art. 1.º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

§ 1.º Consideram-se autoridades, para os efeitos desta lei, os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do Poder Público, somente no que entender com essas funções.

§ 2.º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança.

Seção I - Notas históricas

1. Direito lusitano. Muitos autores costumam indicar as seguranças reais, previstas nas Ordenações reinóis portuguesas, como a origem próxima do mandado de segurança que a atual legislação de nosso país consagrou.

Antes de nos manifestarmos sobre essa opinião doutrinal, devemos lembrar que o conceito daquela figura do processo lusitano vinha estampado no título CXXVIII, do Livro V, das Ordenações Filipinas: “Segurança Real. Geralmente se chama a que pede às Justiças a pessoa, que se teme de outra por alguma razão. E se a Justiça da Terra, a que for pedida, for informada, que a pessoa, que pede esta segurança, tem razão justa de se temer, mandará vir perante si aquele, de que pede segurança, ou irá a ele, ou mandará lá o Alcaide, segundo a qualidade da pessoa for e requerer-lhe-á da Nossa parte, que segure aquele, que dele pede segurança; e se o segurar, mandar-lhe-á disso um instrumento público, ou carta testemunhável, segundo for o julgador (destacamos).

Cabe esclarecer que o instrumento público e a carta testemunhável, referidos no texto dessas Ordenações, constituíam documentos atestatórios da autenticidade de um direito ou de um fato; a dessemelhança formal entre um e outro estava em que o primeiro era elaborado por tabelião, ao passo que o segundo era produzido por escrivão.

Em traços gerais, o procedimento judicial relativo às seguranças reais era o seguinte: o indivíduo, que se sentisse ameaçado por outrem, dirigia-se ao juiz competente, a quem narrava os motivos de seu temor. Caso o magistrado se convencesse dessas razões, e as considerasse ponderosas, determinava a citação do “ameaçador”, solicitando-lhe, em

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nome do Rei, que “segurasse” o ameaçado, vale dizer, que garantisse não lhe acarretar nenhum mal ou dano. Se o “ameaçador” concordasse em dar a segurança, o juiz concedia ao ameaçado um instrumento público ou uma carta testemunhável, contendo os termos em que a “segurança” deveria ser efetivada.

No caso de o “ameaçador” recusar-se a “segurar” o ameaçado, dispunham as Ordenações reinícolas em exame: E não querendo segurar, o Julgador segurará da Nossa parte de dito, feito e conselho, e além disto castigará o que por seu mandado não quiser dar a dita segurança, pelo desprezo, que lhe assim fez, e a pena será segundo a qualidade da pessoa e a razão, que tiver e disser, porque não fez mandado” (destacamos).

A expressão “dito, feito”, constante do texto legal reproduzido, deve ser interpretada como significativa de brevidade, e o vocábulo “conselho”, como sinônimo de discrição. Sendo assim, conclui-se que a segurança real: a) deveria atender a um procedimento extremamente rápido, sumário; b) tinha a sua concessão subordinada a um ato discricionário do magistrado, que os praticava, quase sempre, segundo certos critérios de oportunidade e conveniência.

Sem contestar a opinião doutrinal predominante - que vê nas seguranças reais portugueses a gênese da ação de mandado de segurança atual -, entendemos que esta possui algumas das suas raízes também presas a outros institutos regulados pelas Ordenações Filipinas, como as cartas de segurança, que eram emitidas pelo juiz em nome do Rei (logo, possuíam a forma de instrumento público), a pedido do interessado, e destinadas a assegurar o acatamento a seus direitos, que se encontrassem sob ameaça de lesão iminente, por parte de terceiro, fosse este particular ou autoridade pública. Assim como as seguranças reais, as cartas de segurança somente eram passadas pelo juiz quando o “ameaçador” se negasse a “segurar” o ameaçado.

Tais cartas podiam ser utilizadas, indistintamente, nos processos civil e criminal.

Alguns juristas procuram ligar a origem da ação de mandado de segurança aos instrumentos de tutela da posse de direitos pessoais, disciplinados pelas Ordenações Filipinas. Nada obstante ao fato de reconhecermos que essas providências tendessem à manutenção de coisas incorpóreas, como as prerrogativas, as honras e outras dignidades e funções, em rigor possuíam natureza de autênticos interditos possessórios, motivo por que não nos parece possível realizar, sem distorções consideráveis, uma aproximação íntima dessas medidas interditivas com o mandado de segurança da legislação moderna.

Fundamentalmente, a nosso ver, o mandado de segurança tem a sua gênese histórica nas seguranças reais e nas cartas de segurança, previstas nas Ordenações Filipinas. Não se trata, como se possa imaginar, de simples origem onomástica, atada ao vocábulo segurança, mas, sim, teleológica, porquanto ambas foram instituídas como instrumentos especificamente incumbidos da proteção de direitos ameaçados de lesão por ato ilegal de terceiro. Essa significativa nota teleológica comum às seguranças reais e às cartas de segurança, de um lado, e ao mandado de segurança, de outro, conduz à inevitável inferência de que este derivou daquelas.

Parece-nos que esta conclusão não é infirmada pelo fato de as seguranças reais somente poderem ser dadas quando o “ameaçador” fosse um particular - sabendo-se

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que a função medular do mandado de segurança reside, ao contrário, no combate a ato de autoridade, praticado com desrespeito à lei ou mediante abuso de poder (Lei n. 1.533/51, art. 1.º). Ora, não se pode fazer tábua rasa da particularidade de que os povos, ao incorporarem às suas legislações certos institutos concebidos por outras culturas, soem imprimir-lhe algumas modificações tendentes a adequá-los à realidade e às necessidades locais, sem que esse natural processo de adaptação apague os rastros históricos deixados por esses institutos.

  1. Legislação brasileira. Ao elaborar o projeto de revisão constitucional - publicado, posteriormente, de forma apendicular ao seu estudo sobre “A Organização Nacional”, 1914 - Alberto Torres encontrou oportunidade para sugerir a instituição de medida judicial, distinta do habeas corpus, e dos interditos possessórios, destinada a fazer respeitar, de modo preventivo, os direitos individuais, públicos ou privados, ameaçados por ato de particular ou do próprio Poder Público, a ser concedida quando nenhum outro instrumento especial fosse apto para esse fim. A denominação mandado de garantia, que atribuiu a esse remédio, tomou-a por empréstimo a Melo Freire, que a utilizara quando da feitura do seu Projeto de Código Criminal português.

    Essa novidade processual, alvitrada por Alberto Torres, vinha regulada no art. 73 do Projeto por ele elaborado: “É criado o mandado de garantia, destinado a fazer consagrar, respeitar, manter ou restaurar, preventivamente, os direitos individuais, públicos ou privados, lesados por ato do poder público, ou de particulares, para os quais não haja outro remédio especial” (destacamos).

    Tempos depois, no Congresso Jurídico realizado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, em 1922, para comemorar o Centenário da Independência, o Ministro Muniz Barreto, da Suprema Corte, sugeriu que fosse criado, em nosso sistema processual, um instituto análogo ao recurso de amparo da legislação mexicana, que teria a função de proteger direitos não tutelados pelo habeas corpus.

    No que tocava ao procedimento, em particular, argumentou: “Exposto o fato na petição, provado com documentos que façam prova absoluta e citada a lei que se diz violada com esse fato, o juiz mandará que o indiciado ofensor responda em prazo breve, instruindo a resposta com os instrumento que tiver. Tal como se fosse im processo de habeas corpus, o juiz julgará sem demora a causa. Se verificar que o fato alegado não é certo e líquido ou não está provado, mandará que o requerente recorra aos juízos comuns”.

    2.1. A reforma constitucional de 1926. Quando da reforma da Constituição Federal de 1891, empreendida em 1926, Herculano de Freitas, Relator-Geral, pôde lançar oportuna advertência de que: “Se as nossas leis processuais se acham desprovidas de meios rápidos e eficazes para reparar a ofensa a respeitáveis...

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