Mandado de Segurança Coletivo (Lei 12.016/09)

AutorFernando da Fonseca Gajardoni - Marcelo Furlanetto da Fonseca
CargoProfessor doutor de Direito Processual Civil (FDRP-USP) - Advogado
Páginas6-17

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1. Disciplina legal do MS coletivo até então

Até a vigência da Lei 12.016/09, não havia diploma que regulamentasse o mandado de segurança coletivo (art. 5o, LXX, da CF).

Entretanto, como se tratava de garantia constitucional, entendia-se com tranquilidade que a disposição era autoaplicável (norma de eficácia plena), de modo que, mesmo na inexistência de norma regulamen-tadora, plenamente possível a impetração do mandado de segurança coletivo1.

Então, coube à doutrina e à jurisprudência encontrar a solução para o uso adequado do mandado de segurança coletivo.

Prevaleceu o entendimento de que as regras do mandado de segurança coletivo decorriam da combinação de vários diplomas conforme o tema a ser tratado:

  1. quanto à legitimidade para a impetração, empregava-se o disposto no art. 5o, LXX, da CF (partidos políticos e sindicatos, associações e entidades de classe), embora na doutrina houvesse quem admitisse ampliação deste rol por norma infraconstitucio-nal2;

  2. quanto ao procedimento, a base era toda encontrada na Lei 1.533/51, com eventuais alterações e limitações impostas pelas Leis 4.348/64 e 5.021/66;

  3. quanto ao objeto, entendia-se que a regência era dada pelo art. 81 do CDC (Lei 8.078/90), que conceituava os direitos e interesses metain-dividuais;

  4. quanto às regras de competência, vingou o entendimento de que eram aplicáveis as disposições das constituições federal (art. 102, 1, d; 105,I, b, 108,I, c, 109, 114, e IV, e 121) e estaduais sobre o tema, além das regras constantes da Lei 1.533/51 (especialmente do art. 2o);

  5. finalmente, entendia-se que as regras de coisa julgada eram tidas da combinação do CDC (arts. 103 e 104) com a Lei de Ação Civil Pública (art. 16 da Lei 7.347/85), relação de coordenação esta que leva a doutrina a apontar a existência de um microssistema processual coletivo daí derivado.

2. Legitimidade para impetração do mandado de segurança coletivo na nova lei

Prevê o art. 5o, LXX, da CF que "o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados".

A Lei 12.016/09, a pretexto de regulamentar a disposição, acabou, na esteira da jurisprudência dominante neste tema - não da doutrina, que sempre insistiu na ampliação do rol, com admissão de outros legitimados para a impetração coletiva -, repetindo os termos da Constituição Federal, agora com a definição da

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temática da impetração pelos dois legitimados constitucionais.

Prevê o art. 21 da nova Lei de Mandado de Segurança que o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado: a) por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária; ou b) por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, um ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

3. Partido político

Por partido político deve-se entender uma associação civil (pessoa jurídica de direito privado), sem fins lucrativos, cuja finalidade é a de garantir o regime democrático e o sistema representativo, bem como tutelar os direitos fundamentais (art. Io da Lei 9.096/95)3. Para que seja assim constituído, os estatutos do Partido Político devem ser regularmente registrados no Tribunal Superior Eleitoral (art. 17, §2°, da CF).

Antes do advento da Lei 12.016/09, a doutrina entendia que a legitimação do partido político para a impetração do mandado de segurança coletivo era mais ampla, não se limitando apenas à defesa dos direitos e interesses de seus filiados4. Apontava-se que, como no texto constitucional não era estabelecida a limitação referida - diversamente do que acontecia com as organizações sindicais, entidades de classe e associações -, não poderia o intérprete restringir o alcance da norma, que, sendo garantia constitucional, deveria, inversamente, ser interpretada de modo potencializado.

Assim, prevalecia o entendimento na doutrina de que o partido político, em sede de mandado de segurança coletivo, funcionava como verdadeiro guardião do direito objetivo5, não havendo limitação temática nenhuma à impetração6, mas apenas no tocante à necessidade de ter ao menos um representante no Congresso Nacional (Câmara ou Senado)7.

A própria jurisprudência superior, entretanto, acabou rejeitando os argumentos da doutrina especializada. Ainda que sem restringir o alcance do cabimento do mandado de segurança coletivo impetrado por partidos políticos na defesa dos interesses de seus membros, o STJ passou a perfilhar a tese de que a impetração por partido político tem que guardar correspondência com os valores que devam ser tutelados por eles, tudo conforme o caput do art. 17 da Constituição Federal, e art. Io da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95).

Consequentemente, os partidos políticos só podiam impetrar mandado de segurança coletivo, conforme entendimento jurisprudencial até então dominante, em temas relacionados aos direitos e garantias fundamentais e sistema representativo de governo, assuntos intimamente relacionados aos valores para os quais foram criadas as agremiações políticas.

Logo, não seria lícito ao partido político impetrar mandado de segurança coletivo em matéria tributária, que, ao menos para a maior parte da doutrina, não pode ser considerada garantia fundamental8.

E mesmo para assuntos relacionados às garantias fundamentais (v.g., reajuste periódico do salário mínimo, nos termos do art. 7o, IV, da CF) - que ao menos em tese deveriam ser tutelados não apenas para os integrantes da agremiação - a jurisprudência se firmara no sentido de que só os afiliados do partido poderiam ser beneficiados pela decisão no mandado de segurança coletivo (direitos coletivos stricto sensu)9, algo que, convenha-se, tornava praticamente inócua a tutela das garantias fundamentais.

Com a Lei 12.016/09, lamentavelmente, consolida-se legalmente este entendimento jurisprudencial restritivo. Mais do que isto; extirpa-se a possibilidade de os direitos fundamentais serem tutelados genericamente pelos partidos políticos, uma vez que o art. 21, caput, da lei é claro no sentido de que a legitimação é limitada à defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes (defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus filiados, no que pertinentes às suas finalidades: art. Io da LOPP - garantias fundamentais) ou à finalidade partidária (regime democrático e sistema representativo). Portanto, a impetração do mandado de segurança coletivo por partido político, no regime da nova LMS, ocorre: a) na defesa dos interesses legítimos relativos a seus integrantes (garantias fundamentais dos filiados); e b) nos assuntos relacionados à finalidade partidária.

Certamente haverá forte crítica da doutrina - se não até ajuizamen-to de ADI (art. 103 da CF) - contra a restrição estabelecida pelo art. 21, caput, da Lei 12.016/09, quanto ao cabimento do mandado de seguran-

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ça coletivo por partido político10. Afinal, garantias constitucionais não podem ser limitadas por força de legislação regulamentadora11.

De qualquer forma, como não houve restrição no texto da Lei 12.016/09, possível que vingue a interpretação de que a legitimidade para impetração da segurança por partido político se dê em todas as suas esferas. Em outras palavras, podem impetrar mandado de segurança coletivo os diretórios nacionais, estaduais e municipais das agremiações, no âmbito da sua respectiva representação.

4. Organização sindical, entidade de classe ou associação

Sindicato é órgão de representação das categorias profissionais (que tem natureza de associação, ainda que com prerrogativas especiais), competindo-lhe, nos termos da Carta Constitucional, a defesa dos interesses ou direitos coletivos ou individuais da categoria, inclusive nas questões administrativas ou judiciais (art. 8o, III, da CF)12. A sua constituição é feita da mesma forma que a da associação civil, mas com necessidade de posterior depósito de seus estatutos para registro no Ministério do Trabalho (art. 513 da CLT).

Já as entidades de classe ou associações são entes que, no seu âmbito, agregam pessoas com um propósito comum (profissionais ou não) e que, por isto mesmo, unem forças em prol de objetivos previamente eleitos nos estatutos sociais. Trata-se de um gênero, do qual os sindicatos são espécies.

A Constituição Federal e, agora, a Lei 12.016/09 autorizam todos esses entes a impetrar mandado de segurança coletivo (art. 5o, LXX, da CF), mas condicionam, ao menos para as entidades de classe e associações, o ajuizamento à prévia constituição ânua13, restrição não...

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