Livro II da Parte Geral (arts. 16 ao 69)

AutorPaulo Bandeira
Páginas45-55

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Esse Livro trata da função jurisdicional. Convém lembrar que, ao se falar de Processo Civil, torna indispensável o entendimento do que seja jurisdição. Ainda que certas pessoas (e não são poucas) pensem que jurisdição é a delimitação territorial de um órgão ou departamento, em verdade é a função do Estado relativa ao ato de solucionar os conflitos que lhe são apresentados pelas partes, pessoas naturais ou jurídicas,4baseando-se em um sistema jurídico que contém regras para a efetiva tutela jurisdicional.

De forma mais simples, podemos dizer que, para que se inicie um processo no âmbito civil, é necessário que exista um conflito, uma contenda. Assim se, por exemplo, João pede um empréstimo a Pedro e este não paga, inicia-se o litígio. Não havendo consenso

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entre as partes, a solução será buscar ajuda e esse socorro vem do Estado ou, como se diz tecnicamente, busca-se a tutela jurisdicional. O Estado, representado por um juiz, deverá resolver a contenda e o faz através de um processo ajuizado pelo autor, passando por várias fases, até chegar a uma sentença, dizendo a quem assiste a razão.

A lide, a contenda, o litígio, a briga, refere-se à chamada jurisdição contenciosa, aquela em que duas ou mais pessoas litigam e esperam uma decisão do Estado-Juiz. Existe, ainda, uma chamada jurisdição consensual ou voluntária, na qual "interessados" buscam a tutela do Estado para validar algo, como, por exemplo, quando marido e mulher requerem homologação de separação ou divórcio consensual. Não há briga, não há discussão. O Estado somente atua para chancelar a vontade dos interessados. Repise-se: o novo Código altera esse conceito.

A propósito, com o advento da Lei nº 11.441/2007, as partes já podem homologar separação ou divórcio em um Cartório, desde que, é claro, não exista discussão sobre partilha de bens ou menores envolvidos no caso.

Ao falarmos de "tutela jurisdicional", isto é, a função do Estado de aplicar a lei, na condição de terceiro estranho e desprovido de interesse no caso concreto,5devemos nos lembrar que, em passado remoto, as pessoas quando tinham uma desavença, buscavam resolvê-la de forma direta sem a intervenção do Estado, ou seja, exerciam a chamada auto-tutela. Era a época do "olho por olho, dente por dente".

O Código Penal pátrio permite as chamadas excludentes de ilicitude,6como legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal.

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Assim, matar em legítima defesa é admitido pelo ordenamento legal. Não esqueçamos de que é exceção à regra.

Passada a fase da justiça pelas próprias mãos, em determinado momento, vislumbrou-se a necessidade da existência de um terceiro imparcial que pudesse mediar o conflito - o qual, logicamente, não poderia ter qualquer interesse na demanda. Nascia, assim, a figura do árbitro, pessoa escolhida pelas partes.

Mais adiante, com a consolidação da noção de Estado, a este foi atribuída tal função.

Neste momento, a jurisdição assume feição moderna. Por oportuno, socorremo-nos do Professor Humberto Dalla Bernardina de Pinho que nos ensina que "a jurisdição, que em latim significa ‘ação de dizer o direito’, resulta da soberania do Estado e, junto com as funções administrativa e legislativa, compõe as funções estatais típicas".7O mesmo autor, juntamente com Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, em sua obra recente, ao falar do Novo Código de Processo Civil em relação ao art. 16 ("A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código"), posiciona-se:

"O artigo repete a regra do Código de Processo Civil de 1973, mas aborda a jurisdição de forma genérica, sem diferenciar as modalidades contenciosa e voluntária [...]."8

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Com a noção contemporânea de Estado de Direito, temos a divisão de funções: jurisdicional (julgar os conflitos, aplicando as leis), legislativa (elaborar as leis) e executiva (executar as leis, visando o bem comum).

Para aplicar o conjunto de leis, que ditam regras para o convívio em sociedade (direito material) depois de terem sido criadas, o Judiciário tem de dispor de um mecanismo que regule a tramitação desse pedido quando lhe é apresentado: o direito processual, seja civil, penal ou trabalhista.

2.2. 1 Condições da ação ou pressupostos de admissibilidade do julgamento de mérito?

Para se propor uma ação, ou seja, para se pedir a intervenção do Estado-Juiz, alguns requisitos devem estar presentes nesta peça processual.

O NCPC não mais fala em "condições da ação" para a propositura da demanda. O que seriam as condições, agora, pela doutrina pátria são os "pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito", bem mais adequado, portanto.

A bem da verdade, não se trata de uma novidade, já que a comunidade jurídica já questionava o tema há muito tempo.

O NCPC, de forma clara, determina:

"Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade."

Exigem-se duas condições apenas ou, traduzindo para um conceito mais moderno, são necessários dois "pressupostos de admissibilidade do julgamento de mérito".

Cassio Scarpinella Bueno, considerando o disposto no citado artigo, nos ensina: "Postular, contudo, não pode ser...

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