Análise e perspectiva no desempenho do processo interativo dos múltiplos atores na acessibilidade dos medicamentos para o controle da aids

AutorPaôla Wolski Meireles
CargoMestre em Parasitologia, Microbiologia e Patologia e pós-graduada em Diplomacia e Negociações Internacionais.
1. Introdução

O planeta em que vivemos é um grande mosaico e ao aprofundar esta análise, cada peça de porcelana, necessárias a montagem da obra, poderiam ser vistas como situações, povos, interesses, níveis de desenvolvimento e de qualidade de vida, histórias, características, entre tantas outras peculiaridades. E com todas essas peças sobre um tabuleiro percebemos o que a obra quer nos transmitir, o que aprendemos com ela. O presente artigo tem como objetivo analisar algumas peças deste tabuleiro, como a situação da saúde pública, a oferta e demanda de medicamentos que certos setores da sociedade possuem para o tratamento de doenças globais, como a AIDS, a indústria farmacêutica, a lei de patentes que regula a invenção e comércio de novos medicamentos e as regras de comercialização gerenciadas pela Organização Mundial do Comércio, OMC, e ainda, o papel da sociedade como ator cada vez mais influente na execução desse grande mosaico.

A AIDS é uma doença que para ser controlada precisa ser vista sob vários aspectos, pois, além do lado educacional e informativo, o processo de acessibilidade aos medicamentos é importantíssimo no combate efetivo à doença.

Esta patogenia pode ser transmitida via sexual, instrumentos pérfuro-cortantes e de mãe para o filho no momento da gestação, parto ou amamentação, porém, pode ser evitada e pode ser mantida sob controle nas pessoas que foram infectadas através das terapias anti- retrovirais, mas por tratar-se de vírus, e estes têm a característica de mutarem suas características patogênicas, é fundamental o tratamento por meio de drogas cada vez mais modernas para garantir eficácia no controle da doença.

Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, foram identificados 433 mil casos de AIDS, desde 1980 até junho de 2006, com taxa crescente até 1990. No ano de 2004, uma pesquisa nacional, apontou para um resultado de 593 mil pessoas acometidas pelo vírus, e até o final de 2005 o Brasil teve 183 mil óbitos, porém, após a introdução do programa de acesso aos medicamentos anti-retrovirais houve diminuição da mortalidade.2 A política do governo federal é assistir aos infectados pela doença, com a distribuição universal e gratuita de medicamentos, essa medida foi implementada em 1996, paralela a ela, o governo constituiu uma rede de laboratórios para contagem de linfócitos, um tipo de célula do sistema imunológico. Atualmente, cerca de 90.000 mil pacientes recebem as drogas anti-retrovirais, que incluem 12 tipos de fármacos. No início do programa, o governo investia cerca de 34 milhões de reais na compra dos remédios, no ano 2000 esse custo chegou a 332 milhões de reais, sendo que o aumento nos gastos deveu-se principalmente, ao aumento do número de pacientes tratados. 3

O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre a AIDS, UNAIDS, criada em 1996, com intuito de combate à doença, estimou que no ano de 2006, 39,5 milhões de pessoas estavam contaminadas e em sua maioria não sabiam da doença, o continente africano, apesar de possuir um décimo da população mundial, tem 60% de sua população acometida pelo vírus, mas a distribuição de medicamentos nesta região cresceu 800% entre 2003 e 2005. O Programa também constatou que a disseminação da doença aumentou principalmente no leste europeu e asiático. Na América Latina, a taxa da doença mantém-se estável nos últimos anos.4Após este breve cenário da situação da doença tem-se a noção da problemática gerada por ela quando se fala em saúde pública.

De outro ângulo, a indústria famacêutica atua sob a égide da lei de patentes, o que lhe confere a exploração comercial exclusiva de produtos por ela patenteados. A construção deste direito é bastante antiga e culminou com a formulação do Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, TRIPS, da Organização Mundial do Comércio, OMC. Uma das conseqüências do TRIPS foi o estabelecimento de um patamar mínimo de propriedade intelectual que os países integrantes da OMC deveriam adotar.

A sociedade civil sensibilizada com a problemática da epidemia e com o acesso aos medicamentos destinados a controlar e melhorar a qualidade de vida dos infectados pelo vírus da AIDS, se organizou e assumiu papel importante na influência às decisões governamentais quanto às políticas públicas de combate a doença e acesso aos medicamentos.

Segundo Sérgio Amaral 20065, o cenário internacional deste início de século é bastante diferente, foi-se o tempo onde o Estado nacional, no cenário mundial, era conduzido pelo soldado e o diplomata, hoje, ao lado destes, há uma multiplicidade de atores, a sociedade organizada, os agentes econômicos, as seitas religiosas e os órgãos de comunicação. Tendo esta afirmação em vista, o presente artigo propõe um entendimento, de qual é o resultado deste jogo de forças, de vários atores no cenário internacional, no tocante à lei de propriedade intelectual e a acessibilidade aos medicamentos para aqueles que necessitam. E ainda, se o desenvolvimento é garantido pela referida lei e como ficam as questões de dependência tecnológica e assimetria de poder entre as nações.

2. Desenvolvimento do tema
2.1. Sistema Multilateral de Comércio Mundial:

Para possuirmos algum entendimento sobre o sistema atual de comércio entre os países é necessário que voltemos na linha histórica dos fatos, acontecimentos e necessidades geradas no âmbito da propriedade intelectual no decorrer da linha do tempo.

À época das revoluções, industrial e francesa, onde ocorreram grandes avanços tecnológicos e os ideais iluministas habitavam as mentes dos seus ideários, trouxeram à tona a necessidade de se organizar um processo, uma norma, para garantir direitos aos inventores, mesmo porque, é bastante útil ao processo de desenvolvimento que seja criado um arcabouço organizacional que sustente o próprio desenvolvimento do processo iniciado. “Foi preciso elaborar um direito internacional para a propriedade industrial que harmonizasse e unificasse regras de conflitos de leis e regras comuns de direito material”. 6

A Convenção de Paris Para a Proteção da Propriedade Industrial, surge para organizar a problemática, a Convenção da União de Paris, como ficou conhecida, foi iniciada em 1883, e trata do direito material dos Estados unionistas, aqueles membros da União, como o Brasil, Bélgica, El Salvador, França, Guatemala, Países Baixos, Sérvia e Suíça. Aderiram também os países, Equador, Grã-Bretanha e Tunísia, antes que a convenção entrasse em vigor, o que ocorreu somente em 1891. Mais tarde, aderiram Estados Unidos, Alemanha e União Soviética. 7

A Convenção supracitada determinou dois princípios fundamentais, um deles, é o princípio do tratamento nacional, ou seja, todos os direitos estabelecidos em um país pertencente à União devem ser usufruídos pelos outros países que fazem parte deste grupo de igual maneira. O segundo princípio imposto foi o do tratamento unionista, o que infere aos países participantes, que direitos e vantagens especiais da União, sem semelhante disposição no direito interno, submete-os ao direito unionista. 8

Há outro princípio determinado pela Convenção de Paris importante para os países em desenvolvimento, principalmente, pois trata de regras para caducar os direitos de patentes, por meio de concessão de licença compulsória, caso fique esclarecido e comprovado o abuso ao direito patentário. 9

A Convenção de Paris está em vigor até hoje, mesmo com outros instrumentos criados, como o TRIPS da OMC, desde sua criação a Convenção sofreu 6 revisões e uma emenda. Revisão de Bruxelas em 1900; de Washington em 1911; de Haia em 1925 de Londres em 1934; de Lisboa em 1958; de Estocolmo em 1967 e emenda em 1970. 10

No escopo da proteção de obras literárias, como contos, romances e também desenhos, pinturas e canções, foi realizada em Berna, Suíça, outra convenção em 1886, esta, compreendia todas produções literárias, artísticas ou científicas, quer seja do modo de produção ou reprodução do mesmo. Esta Convenção, no Brasil, foi promulgada como lei em 1922. 11 A Convenção de Berna se destacou pela flexibilidade e adaptação conferidas ao longo das revisões realizadas no seu contexto inicial, as revisões foram as seguintes: de Paris em 1896; de Berlim em 1908; de Berna em 1914; de Roma em 1928; de Bruxelas em 1948; de Estocolmo também em 1967; de Paris em 1971 e recebeu emenda em 1979. No ano de 1892, o Bureau de Paris e o Bureau de Berna se uniram para tornar o processo único, dotado de maior praticidade, pois ambos eram secretarias internacionais. 12 A União de Berna traz importante destaque, pois foi a primeira divisão entre direitos de propriedade industrial e de propriedade intelectual. 13A união destes foi chamada de BIRPI, Bureaux Internationaux Reunis Pour la Protection de la Proprieté Intellectuelle, esta estrutura realizou seus trabalhos no decorrer dos anos e foi somente após a Segunda Guerra Mundial, com as mudanças sofridas pelo direito internacional, que o sistema foi reformulado, pois havia a necessidade de aproximar esta estrutura das organizações internacionais que surgiram nesta época, inclusive ocorreu o aparecimento de agências especializadas em determinados assuntos, como a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, UNCTAD, em 1964, e a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, ONUDI, em 1966. Todo este movimento resultou na criação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, OMPI, em 1967, que separou os direitos dos autores e dos inventores, o qual comentaremos mais adiante.14

È importante ressaltar que o pano de fundo deste momento, após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas e as...

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