Prostituição, Direito do Trabalho e Direito Penal: Análise sobre o Projeto de Lei Gabriela Leite João Henrique de Andrade

AutorNestor Eduardo Araruna Santiago
Páginas119-1

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Introdução

O ofício da prostituição tem se caracterizado pelo prestação de serviço de natureza sexual, tanto por homens como por mulheres, no intuito de obter lucro. Contudo, a prostituição nem sempre foi um ocupação aceita pelas legislações. Nas Ordenações do Reino de Portugal, por exemplo, que perdurou em todo o Brasil colônia, a pena do crime de estupro era mais rigorosa se a vítima fosse uma "mulher hones-ta". Na atual legislação penal, o seu exercício não constitui crime, sendo tipificadas como crimes somente as atividades inerentes à prostituição.

O Código Penal (CP), no intuito de se amoldar aos ditames constitucionais, passou por recente reforma em 2009, por intermédio da Lei n. 12.015. Alterou-se significativamente o tratamento dado aos chamados crimes sexuais, pois tirou do foco a proteção aos bons costumes e trouxe à baila a proteção à dignidade sexual, que é, por sua vez, corolária da liberdade sexual, no sentido de que o titular do bem jurídico pode se comportar em sua vida sexual como bem desejar, já que esta é uma das dimensões da dignidade da pessoa humana.

O presente estudo tem o intuito de discutir o Projeto de Lei n. 4.211/2012, de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que pretende regulamentar a profissão dos profissionais do sexo. Diante dessa iniciativa parlamentar, o estudo pretenderá fazer um paralelo entre a regulamentação da profissão dos "profissionais do prazer" e o tratamento jurídico-penal dado às atividades afins à prostituição, com fincas nos princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade do exercício profissional, fazendo-se a devida interface entre o Direito Penal e o do Trabalho.

Além disso, o presente estudo analisará os Projetos de Lei que, baseados no inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal (CF), buscam regulamentar a atividade de prostituição. Assim, pretende-se responder se o tratamento jurídico-penal dedicado à prostituição por meio dos projetos legislativos será válido face aos princípios constitucionais trabalhistas, notadamente o da livre escolha profissional.

Assim, utiliza-se o método hipotético-dedutivo, partindo-se de um raciocínio lógico ponderado por hipóteses e comparações. Pretende-se demonstrar que a regulamentação da prostituição, nos moldes

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propostos pelos Projetos de Lei, revoga os artigos que versam sobre as atividades afins à prostituição previstas no Código Penal, aproximando a atividade dos "profissionais do sexo" ao Direito do Trabalho.

1. A prostituição: conceito e características

A história da humanidade revela que a prostituição, desde a antiguidade, representa um fenômeno social, em que a sua extensão e, também, a sua forma de manifestação dependem de uma condição social e cultural (FAYET JÚNIOR, 2003, p. 623).

A prostituição é considerada como um dos ofícios que existem desde o início da civilização humana e, de forma idêntica, de repressão penal desde remota antiguidade (HUNGRIA, 1981). O exercício da prostituição já se perfez tanto pela fase religiosa, como também pela fase de necessidades vitais, com a prostituição em troca de comida (PATEMAN, 1993). Por conseguinte, a prostituição também passou pela sua fase de utilidade pública (função social), já que as prostitutas serviam como "protetoras" das moças de família (mulheres honestas) (HUNGRIA, 1981). "A prostituição exerce uma baixa e aviltante função, mas, como quer seja função social, ligada a um dos primórdios e inelutáveis instintos do homem" (HUNGRIA, 1981, p. 266).

A prostituição religiosa ou a "prostituição do templo" era praticada pela comunidade sacerdotal feminina. Dentre as civilizações que admitiam prostituição com o apoio da religião, estão a Babilônia, a Caldeia e na Fenícia (FRAGOSO, 1986b). A prostituição de templo se desenvolveu também na Suméria, onde os sacerdotes mantinham um bordel dentro do templo de Uruk (BUBENECK, 2004). Com o passar do tempo, a prostituição foi perdendo relação com a religião e o Estado passou a interver na prostituição.

A Grécia foi o primeiro Estado a tomar as rédeas dessa relação, passando a manter os estabelecimentos regulados pelo poder soberano. Assegura-se que Sólon garantia a manutenção dessas instituições originalmente para arrecadar tributos, tornou "as prostitutas reféns das leis, obrigado a usar roupas diferentes e a trabalhar em locais específicos e com sinalização condizente com a atividade" (BUBENECK, 2004, p. 25). Sólon não liberou o meretrício com o propósito somente de arrecadar tributos para o Estado, mas, sim, de prevenir o adultério, os estupros e os atendados ao pudor, que ocorriam em números alar-mantes (HUNGRIA, 1981). Diante disso, assegura que o pensamento grego condicionou o pensamento ocidental, assim o homem é o criador da ordem e da lei, enquanto a mulher está associada ao desejo e à desordem, ou seja, um ser inferior pela sua natureza (MACÊDO, 2003, p. 25).

Destarte, os direitos das mulheres sempre foram reprimidos ou muitas vezes não eram reconhecidos. Diante dessa opressão, emergiu um grupo de mulheres que reivindicavam seus direitos. Realizando-se um corte histórico-temporal, a fim de melhor ilustrar a linha de raciocínio desenvolvida neste texto, o movimento feminista, como ficou conhecido, teve origem no "pensamento iluminista dos séculos XVIII e XIX e esteve relacionado às revoluções americana e francesa e ao nascimento das Ciências Humanas" (MACÊDO, 2003, p. 25). A primeira manifestação feminista foi publicada pela francesa Olympe de Gouges, que escreveu a "Declaração de direitos das mulheres e da cidadã", uma provocação às "Declarações de direitos do homem e do cidadão", publicadas em 1789. Assim, assegurava que todos os direitos inerentes aos homens eram também inerentes às mulheres (BELNHAK e DIAS, 2012). Portanto, a Revolução Francesa foi um marco no processo de mudança na história das mulheres e ressaltou que o feminismo nasceu na busca de igualar os direitos entre homens e mulheres (SLEDZIEWSKI apud MACÊDO, 2003). Cite-se, como exemplo, a luta pelo sufrágio universal feminino, sendo tal direito concebido às mulheres apenas no ano de 1897 na nova Zelândia, primeiro país a reconhecer o direito ao voto das mulheres (BELNHAK e DIAS, 2012).

A partir do século XX, as mulheres começaram a assumir determinados papéis na sociedade que não eram comuns a elas, já que, por causa das duas grandes guerras, os homens deixavam seus lares e "as mulheres assumiram papéis até então exclusivamente masculinos, tais como: chefes de família, operárias de fábricas de munição, dentre outros" (MACÊDO, 2003, p. 26).

Na década de 1960, o movimento feminista voltou a inflamar-se. As feministas agora não lutavam pelos reconhecimentos dos direitos civis, mas por uma liberação total que envolvia o corpo e o desejo

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(BELNHAK e DIAS, 2012). O grande movimento que demostrou essa necessidade de liberação total e a quebra dos padrões das mulheres da época, por meio da queima do sutiã. Esse evento ocorreu com a participação de 400 mulheres que protestavam contra o concurso miss América fora do Atlantic City Convention Centers organizado por Robin morgan, que lançou a seguinte frase: "ludicrous ‘beauty’ standards we ourselves are conditioned to take seriously",1 demostrando o pensamento da época a respeito das mulheres. Tal movimento se tornou forte graça aos movimentos contemporâneos. O movimento feminista, com a ascensão do movimento hippie e do movimento negro, vinha se desenvolvendo com grande força na Europa e no EUA, que disseminavam as ideias de contracultura aos valores morais e de consumo da época (BELNHAK e DIAS, 2012).

Portanto, o movimento feminista pode ser dividido em três fases: a primeira situada em meados do XIX, na luta pelos reconhecimentos civis, ou melhor, "pela emancipação das mulheres de um estatuto civil dependente e subordinado" (MACÊDO, 2003, p. 28). A segunda fase pode ser verificada entre os anos de 1960 e meados dos anos 1980, que consistiu na fase em que as mulheres foram chamadas a participar no mercado de trabalho (MACÊDO, 2003, p. 28). E a terceira fase ocorreu a partir dos anos 1990 com liberação dos costumes sexuais, no que se cogitou a extinção da prostituição, pois não exercia mais nenhuma função para a sociedade (SOUSA, 1998).

Entretanto, a prostituição não desapareceu, e tampouco está em extinção. A prostituição se desenvolveu e virou um negócio bastante lucrativo, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Na Austrália, por exemplo, a prostituição é legalizada e encarada como um negócio bastante lucrativo.2 Outro país que expressa a grandeza do mercado do sexo é a Holanda, sendo a prostituição permitida e, em determinados casos, incentivada pelo próprio Estado, que presta "assistências sexuais" gratuitas a deficientes físicos. Outro país que demonstra a amplitude do comércio sexual é a República Checa. Com a explosão tecnológica, os tchecos criaram um novo tipo de bordel, chamado de bigsister. nesse tipo de bordel, o usuário não paga para ter relações com as prostitutas, os consumidores apenas assinam um contrato de direitos de imagens abdicando da sua privacidade, onde todos os quartos são monitorados por câmeras, sendo o sexo transmitido via internet para todo o mundo. Os donos do bigsister cobram pela transmissão das cenas de sexo explícito ao vivo, via internet. Com este tipo de atividade, as prostitutas checas ganham até quatro vezes mais que um trabalhador normal.3

A palavra prostituição surgiu do latim prostituire e significa estar saliente, salientar-se, sobressair, colocar a diante, expor (JESUS, 2010). Pateman (1993)...

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