Limites entre a liberdade de expressão e o discurso do ódio: Controvérsias em torno das perspectivas Norte-Americana, Alemã e Brasileira

AutorNevita Maria Pessoa de Aquino Franca Luna - Gustavo Ferreira Santos
CargoAdvogada e Doutoranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco - Doutor em Direito pela UFPE e Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco
Páginas177-193
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
02 - Semestre de 2014
ISSN | 2179-7131 | http: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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Seção 05: Gênero, Sexualidade e Feminismo.
Limites entre a liberdade de expressão e o discurso do ódio: controvérsias em torno das
perspectivas norte-americana, alemã e brasileira
Nevita Maria Pessoa de Aquino Franca Luna
Gustavo Ferreira Santos
Resumo: O escopo do artigo foi analisar as
restrições de conteúdo à liberdade de
expressão, no caso do discurso do ódio.
Em um primeiro momento, abordou-se a
liberdade de expressão, delimitando seu
significado, conteúdo e propósito. Em
seguida, apontou-se o discurso do ódio
como elemento inibidor da liberdade de
expressão por ofender os membros das
minorias tradicionalmente discriminadas,
que estão em inferioridade numérica ou em
situação de subordinação cultural,
socioeconômica ou política.
Posteriormente, foram discutidos alguns
aspectos dos modelos norte-americano
(liberdade negativa) e alemão (liberdade
positiva), para mostrar que culturas
diversas, mas sensibilizadas com os
problemas das minorias, aportam soluções
jurídicas diferentes. Por último, verificou-
se uma aproximação do posicionamento da
corte brasileira com a doutrina alemã, a
partir da análise dos casos paradigmáticos
do editor Siegfried Ellwanger e da Escola
de Samba Unidos da Viradouro. O
posicionamento do Brasil, país
multicultural e formado por diferentes
etnias, pode orientar um novo processo de
defesa das minorias que, apesar de
envolver a colisão de direitos fundamentais
consagrados (dignidade, igualdade e
liberdade), ainda encontra barreiras
incompatíveis com a democracia pluralista
contemporânea. Ademais, o debate acerca
dos limites entre a liberdade de expressão e
o discurso do ódio ganha espaço nas
ciências jurídicas e deve ser instigado
porque, embora trate de um problema
antigo, algumas questões permanecem sem
contornos bem definidos.
Palavras chaves: Liberdade de expressão.
Discurso do ódio. Minorias. Preconceito.
Cultura.
Abstract: The scope of the article was to
analyze the content restrictions of freedom
of expression, in the case of hate speech.
At first, we dealt with the freedom of
expression, delimiting its meaning, content
and purpose. Then we pointed out the hate
speech as inhibitor element of freedom of
expression for offending members of
traditionally discriminated minorities, who
are outnumbered or in a situation of
cultural subordination, socioeconomic or
political. Later, some aspects of American
models (negative freedom) and German
(positive freedom) were discussed, to show
that different cultures, but sensitized to the
problems of minorities, they provide
different legal solutions. Finally, there was
an approximation of the position of the
Brazilian court with German doctrine,
from the analysis of the paradigmatic
cases: the editor Siegfried Ellwanger and
the Samba School ‘Unidos da Viradouro.
The positioning of Brazil, multicultural
country and composed of different ethnic
groups, may guide a new process of
defending minorities, despite involving the
collision of fundamental rights (dignity,
iguality and freedom), barriers still finds
incompatible with the pluralist democracy
contemporary. Moreover, the debate about
the limits between freedom of expression
and hate speech gains space in legal
sciences and should be instigated because,
although it is an old problem, some issues
remain without well-defined contours.
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
02 - Semestre de 2014
ISSN | 2179-7131 | http: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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Keywords: Freedom of expression. Hate
speech. Minorities. Prejudice. Culture.
1. BREVE INTRODUÇÃO
HISTÓRICA: A LIBERDADE DE
EXPRESSÃO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
Os direitos humanos são uma
conquista bastante tardia na história da
humanidade, sendo firmados como
elementos jurídicos apenas com as
Revoluções Liberais do século XVIII,
momento em que a liberdade de expressão
se afirmou definitivamente e passou a
integrar as constituições liberais, bem
como convenções e tratados internacionais,
como direito fundamental.
A liberdade de expressão foi
expressa, pela primeira vez, em 1689, no
English Bill of Rights, um estatuto político
formulado no contexto da Revolução
Gloriosa que defendia os direitos dos
cidadãos britânicos. Em seguida, vários
outros documentos passaram a incorporar
em seus textos o direito à liberdade de
expressão, como os artigos 10 e 11 da
Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão:
Art. 10.º Ninguém pode ser
molestado por suas o piniões,
incluindo opiniões religiosas, desde
que sua manifestação não perturbe a
ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11.º A livre comunicação das
ideias e das opiniões é um dos mais
preciosos d ireitos do homem; todo
cidadão pode, portanto, falar,
escrever, imprimir livremente,
respondendo, todavia, pelos abusos
desta liberdade nos termos previstos
na lei.
No Brasil, desde a Constituição do
Império havia a garantia da liberdade de
expressão, o que foi preservado até a
Constituição de 1937. no período
conhecido como Estado Novo durante o
governo do presidente Vargas, o princípio
constitucional da liberdade de pensamento
desapareceu e foi adotada a censura como
meio de impedir a publicação ou a
reprodução de determinadas informações.
A liberdade de expressão ganhou força
novamente na atual Constituição Federal
1,
promulgada em 5 de outubro de 1988, que
trouxe várias inovações em relação à
1 Art. To dos são ig uais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: IV - é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é
assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material,
moral ou à imagem; VI - é inviolável a liber dade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias; VIII - ninguém será privado de direitos
por motivo de crença reli giosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para
eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada
em lei; IX - é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;

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