Liberdades de locomoção e circulação

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas153-171

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A liberdade de locomoção diz respeito ao direito de ir e vir, ficar e permanecer. O art. 5º, XV, da CF a prevê, ao dispor que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

São restrições a essa liberdade a prisão em flagrante e a determinada por ordem judicial.

A liberdade de circulação consiste no direito de deslocamento de um ponto a outro por meio das vias públicas, sem que a administração, por motivo injustificado, possa impedir o indivíduo de fazê-lo. Admite-se, por exemplo, que a autoridade pública, com base no poder de polícia e por motivos de segurança, possa realizar blitz de verificação de documentos de automóveis e revistas quando as circunstâncias justifiquem.

Como decorrência da globalização, a busca de mão de obra estrangeira em sua produção regular tem trazido à tona a questão dessa liberdade de circulação entre os países que compõem os mercados comuns, a exemplo do Mercado Comum Europeu e do Mercosul, o que será apreciado no item 14.1.3, infra.

Por outro lado, a crise mundial, o crescimento econômico brasileiro, a moeda forte e o deficit de mão de obra especializada têm atraído cada vez mais estrangeiros com alto nível técnico. A demanda por mão de obra especializada decorre dos grandes projetos empresariais, a exemplo do pré-sal. No entanto, a burocracia para a emissão de vistos de trabalho é um estorvo para o imigrante. Passa pela necessidade

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e custos de tradução e legalização de documentos, legalização do diploma estrangeiro, registro nos Conselhos Regionais de profissão até a comprovação de endereço no Brasil, o que só pode ser feito em locais determinados e mediante agendamento. É outro entrave para liberdade de trabalho, profissão e direito de circulação, o que também será abordado no item 14.1.3, infra.

14.1. Liberdades de locomoção e circulação nas relações de trabalho

De que modo podem ser transpostos os conceitos antes deduzidos para a relação de trabalho, na medida em que ela é suscetível de gerar conflitos que terminam por restringi-la?

Realmente, não é incomum que, diante do desaparecimento de certa mercadoria ou de ato de vandalismo, o empregador resolva impedir a saída dos trabalhadores, fazer revista em armários, gavetas, automóvel funcional e pertences pessoais dos empregados e até fazer indagações em salas fechadas, guarnecidas por seguranças.

São cabíveis tais restrições à intimidade e às liberdades de locomoção e circulação do trabalhador? Evidentemente, não.

Impedir a saída de trabalhadores, retendo-os na empresa e revistar os seus pertences pessoais, sem autorização judicial, são medidas invasivas da intimidade e da liberdade de locomoção.

Em caso de desaparecimento de mercadoria, não pode o empregador reter o trabalhador para averiguações internas ou, de forma constrangedora, fazer inquirições em salas muitas vezes guarnecidas por seguranças. Cabe a ele, se for o caso, denunciar o fato à autoridade policial, a fim de que ela tome as medidas pertinentes, inclusive as de natureza preventiva, posto que o poder diretivo do empregador encontra limites nos direitos fundamentais do trabalhador, entre eles a liberdade de locomoção.

Em janeiro/2012 o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário denunciou que os trabalhadores do Campo Experimental do Distrito Agropecuário da Suframa, da Embrapa Amazônia Ocidental, localizado em Presidente Figueiredo (AM), estariam enfrentando grave situação de exploração e degradação em seu local de trabalho. Distantes cerca de 50 quilômetros da cidade onde vivem, Manaus, eles eram, alegou-se, obrigados a passar as noites entre segunda e sexta-feiras isolados no campo, privados do convívio social e familiar e sem qualquer estrutura de atendimento médico.120

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A 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (1ª Região), no processo n. 0001261-03.2010.5.01.0032, julgou parcialmente procedente o pedido de danos morais feitos por uma trabalhadora de empresa de telemarketing, que alegou ter sido impedida de sair da empresa após ativação do alarme de incêndio.

Foi apurado que devido à pane elétrica que provocou cheiro de queimado, o alarme de incêndio foi ativado e a equipe de brigada da empresa, acionada e os gestores da empresa impediram a saída dos trabalhadores do prédio e instruíram a brigada para que não deixasse ninguém sair, interditando com cadeiras as roletas da entrada para que não desse acesso à parte externa.

Para o relator do recurso, o episódio ocorrido caracteriza abuso de poder por parte da direção da empresa, ao promover “inequívoco cárcere privado de seus empregados”.

Em julho/20011, os trabalhadores e trabalhadoras da Loja Rabelo denunciaram aos diretores do Sindicato dos Comerciários de Teresina que são constantemente obrigados a ficar dentro das lojas, após o expediente normal, caracterizando “cárcere privado”. A denúncia foi feita durante a assembleia na noite de terça-feira (26), quando a categoria decidia sobre a greve no comércio.

Após a denúncia, os referidos diretores se dirigiram à Loja Rabelo da Rua Álvaro Mendes, no centro, e teriam constatado o fato, posto que os trabalhadores foram encontrados às 19h30min dentro da loja fazendo limpeza e alegaram que ao tentarem resgatar um funcionário que ainda se encontrava preso local, os sindicalistas encontraram resistência por parte dos gerentes que baixaram a porta automática em cima de um dos membros do sindicato, o que causou o travamento da porta.121

Em setembro de 2012 informou o Mundo Sindical que “dezenas de metalúrgicos que trabalham nos altos fornos 1 e 2 da Usiminas ligaram para central de denúncias do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Ipatinga — Sindipa, na manhã desta quarta-feira, 17, alegando estarem sendo mantidos em cárcere privado na área da empresa, visto que haviam começado sua respectiva jornada de trabalho às 22 horas do dia 16 de março e foram obrigados a permanecer as atividades até o dia seguinte, trabalhando por mais de 12 horas sem interrupção”.

Informou ainda que “o representante do órgão foi até a área interna da siderúrgica e flagrou as péssimas condições de trabalho, com metalúrgicos desgastados, sem alimentação e muitos que realizavam tarefas fora de suas funções, o que é proibido por Lei”. E que o Ministério do Trabalho notificou a Usiminas e a Empresa Brasileira de Engenharia e Construções — Ebec.

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Fernando de Morais Pauli, advogado do Departamento Trabalhista Marcos Martins Advogados Associados, escreveu artigo sobre um fato vivenciado na área consultiva, a respeito da possibilidade de obrigar a permanência dos empregados na sede da empresa durante o horário destinado ao período de intervalo intrajornada sob o argumento do consumo excessivo de álcool por alguns dos funcionários. Concluiu que “se o empregador não possui força legal para manter o empregado confinado na empresa mesmo no horário de trabalho, sob pena de caracterização de crime de cárcere privado (art. 148 do CP), o que se dirá naqueles momentos destinados ao intervalo intrajornada [refeição e/ou descanso (art. 71 CLT)] que sequer são considerados como jornada de trabalho” E que, não bastasse, factualmente “estar-se-ia penalizando uma fábrica inteira, ou parte dela, pela conduta irregular e pontual de determinados trabalhadores”.122

Relacionado ao tema, consta das notícias do TST:

WMS é condenado por colocar vendedora de castigo

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo de instrumento da WMS Supermercados do Brasil Ltda. (Rede Walmart) contra condenação para indenizar em R$ 4 mil uma ex- -vendedora exposta pela supervisora a situações consideradas vexatórias, como colocá-la “de castigo” na limpeza da loja.

A empregada trabalhou para a Rede como vendedora de eletrodomésticos entre julho e dezembro de 2008, quando, segundo contou, decidiu pedir demissão por ser vítima de assédio moral. Os constrangimentos, conforme narrou, ocorreram ao ser transferida para o supermercado Big Zona Sul. Na primeira semana no local, a encarregada, que tinha poder de gerência, passou a lhe dar ordens para fazer serviços diferentes dos de venda, como limpar balcões e conferir o depósito. Além do constrangimento a que se dizia exposta perante os colegas, o desvio de função afetava seu salário, porque não recebia comissões.

Depois de pedir aos superiores a mudança de posto de trabalho, sem sucesso, a vendedora denunciou o assédio ao sindicato, que realizou uma visita à loja em que trabalhava e flagrou uma vendedora fazendo limpeza no setor de máquinas. Em reunião entre sindicato e empresa, esta tomou conhecimento da autora da denúncia e, segundo a empregada, “a perseguição e as humilhações aumentaram exponencialmente”, com repreensões públicas em reuniões e cobranças por metas não alcançadas.

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A empresa, na defesa, negou que tenha havido assédio e afirmou que a vendedora tinha remuneração mista, e o fato de ter sido contratada como vendedora não a impedia de ajudar os colegas, “inclusive com a limpeza e organização do setor” em que trabalhava.

A sentença da 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre fixou em R$ 4 mil a indenização por dano moral, com base em depoimentos de testemunhas que confirmaram a implicância da supervisora com a vendedora, que frequentemente provocava discussões na frente dos clientes e colegas. O valor foi mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Para o TRT, as...

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