Liberdade sindical e terceirização. A reconstrução do conceito de categoria

AutorAlberto Emiliano de Oliveira Neto - Ricardo José Macedo de Britto Pereira
CargoProcurador do Trabalho - Procurador do Trabalho
Páginas89-111

Page 89

1. Terceirização breve notícia da precarização no mundo do trabalho

O direito do trabalho integra o sistema de proteção elaborado pelo Estado (não necessariamente por motivos nobres) para regular a relação jurídica entre o detentor dos meios de produção (empregador) e o desprovido desses meios (empregado), cujo recurso à venda da força de trabalho humana atua como estratégia inevitável à sobrevivência.

Page 90

No sistema jurídico brasileiro o direito do trabalho apresenta fortes traços do corporativismo estatal caracterizado pela decisiva inluência do Estado sobre a organização da sociedade. Especiicamente nas relações de trabalho, o sistema corporativista busca substituir o conlito existente entre capital e trabalho pela atuação integrada entre empregadores e trabalhadores, representados por seus respectivos sindicados, voltada à efetivação dos interesses de toda a coletividade.

Os conceitos de empregado e empregador são deinidos pela Conso-lidação das Leis do Trabalho - CLT, arts. 2º e 3º. O texto legal delimita os papéis desses protagonistas para ins de classiicar determinada relação jurídica como relação de emprego. A subordinação e a pessoalidade, elementos determinantes em tais conceitos, acabam por distinguir a relação de emprego de outras modalidades de contratação, cujo objeto é a prestação de serviços.

Não obstante a inluência corporativista, o direito do trabalho também é fruto do sistema de produção que rege as relações de trabalho. Efetivamente, o método adotado pelo capitalista na execução da atividade econômica repercute no sistema de regulação da compra e venda da força de trabalho humana, elemento essencial ao processo produtivo.

Os modelos de produção fordista e taylorista inluenciaram a cons-trução desse sistema de produção aplicável à relação de emprego. A organização do sistema de produção vislumbrava a subordinação como elemento essencial à execução do processo produtivo, restando ao direito do trabalho o papel de regulador dessa peculiar relação jurídica (RAMOS FILHO, 2012:142/149).

O fordismo pode ser entendido como forma pela qual a indústria e o trabalho consolidaram-se ao longo do século XX, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaborações e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas; e pela constituição do trabalhador coletivo fabril (ANTUNES, 2005:25).

Não obstante, após um longo período de acumulação de capitais durante o apogeu do fordismo e da fase keynesiana, o capitalismo, a partir do início da década de 1970, começou a dar sinais de um quadro crítico marcado por queda da taxa de lucro, esgotamento do padrão de acumula-ção taylorista/fordista de produção, hipertroia da esfera inanceira, maior

Page 91

concentração de capitais, crise do welfare state e incremento acentuado das privatizações (ANTUNES, 2003:29/30).

Nesse momento de crise do capitalismo, apura-se o surgimento de um novo modelo. Trata-se do toyotismo, marcado pela redução dos estoques e maior diversiicação, cuja apropriação pela indústria acabou por inluenciar de forma irreversível as relações de trabalho. Nesse modelo, as empresas não mais se estruturam verticalmente, reunindo todas as atividades em um mesmo espaço. Passam a organizar-se de forma horizontal, concentrando-se em suas atividades principais e repassando a outras empresas suas atividades acessórias com o objetivo de otimizar o processo produtivo. A esse processo foi dado o nome acumulação lexível.

Semelhantemente aos modelos fordismo e taylorismo, o toyotismo também repercutiu nas relações de trabalho mediante técnica de administração mundialmente denominada subcontratação ou externalização. No Brasil, recebeu o nome de terceirização.

Ao se fragmentar a produção, os trabalhadores acabam sendo espa-lhados entre diversas empresas, resultando em decisiva inluência na forma de sua organização. Se até então a discussão por melhores condições de trabalho ocorria em uma única unidade ou perante um único empregador, nesse novo modelo de produção, a desmobilização dos trabalhadores é consequência nefasta ao processo de busca de melhores condições de trabalho.

Em se tratando da tutela jurídica da relação de emprego, serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação social trabalhista, estando a autonomia da vontade das partes limitada pelas disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos e às decisões das autoridades competentes (CLT, arts. 9º e 444).

As cláusulas essenciais do contrato de trabalho, pois, são vinculativas, não sendo possível aos particulares, empregadores e trabalhadores, salvo raríssimas exceções, afastarem sua incidência às relações contratuais trabalhistas.

A esse respeito, a terceirização surge como elemento que desaia a compreensão dos operadores do direito, especiicamente no direito do trabalho, ao passo que insere um terceiro elemento na relação jurídica materializada pela prestação de serviço.

Segundo Mauricio Godinho Delgado, terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno, insere-se o trabalhador no

Page 92

processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços da responsabilidade trabalhista (2002:417).

Com exceção do contrato de empreitada aplicado no segmento econômico da construção civil (CLT, art. 455), o sistema jurídico de tutela do contrato de trabalho não fazia menção a qualquer hipótese de terceirização.

Premido pelas mudanças na organização do trabalho contaminadas pelos ideais toyotistas, o legislador infraconstitucional brasileiro passou a editar instrumentos normativos destinados a regular a prática da terceiri-zação em setores especíicos. Em ordem cronológica, cita-se o Decreto n. 200/67 que trata da terceirização na administração pública direta; a Lei n. 6.019/74 que versa sobre o trabalho temporário; e a Lei n. 7.102/82 que trata vigilância patrimonial bancária.

A esse respeito, o Tribunal Superior do Trabalho - TST, Corte responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional trabalhista, mantinha entendimento pela ilicitude da intermediação de mão de obra e pela legalidade da terceirização tão somente nas hipóteses de trabalho temporário e de serviços de vigilância bancária1.

Mas o processo de fragmentação da produção prosseguiu sob a inluência do modelo toyotista. No âmbito das relações de trabalho, a ter-ceirização se alastrou em diversas segmentos econômicos sem qualquer amparo na legislação. Em postura que pode ser classiicada com base na "textura aberta" do direito defendida por Herbert L. A. Hart (2005:137), o TST, com manifesto intuito de complementar o sistema legislativo de regulação da terceirização, no ano de 1994, editou o Enunciado n. 331, atualmente intitulado súmula, com o objetivo de deinir os parâmetros da terceirização no Brasil2.

Page 93

A Súmula n. 331 regulamenta a terceirização a partir dos conceitos de atividade-im e atividade-meio. Semelhantemente aos critérios utilizados no Decreto n. 200/97, considera como lícita a contratação de empresas para a prestação de serviços especializados que não integrem a atividade econômi-ca principal da contratante (atividade-im). A terceirização da atividade-meio, portanto, passa a ser aceita pela Justiça do Trabalho, desde que inexistentes os requisitos da relação de emprego previstos nos arts. e da CLT.

Destaca-se que a regulamentação da terceirização pelo TST sempre foi objeto de discussão judicial, inclusive perante o Supremo Tribunal Federal

- STF, cujo entendimento, em um primeiro instante, era pela inexistência de matéria constitucional capaz de justiicar a atuação dessa Corte. Não obstante, em decisões recentes, tendo como fundamento o princípio da legalidade e a cláusula constitucional de reserva de plenário (CF, arts. 5º, II, e 97), o STF, recorrendo inclusive à repercussão geral, pretende analisar a constitucionalidade da Súmula n. 331 e, consequentemente, os limites da terceirização (ARE n. 713211 e ARE n. 791932).

Não menos importante, o Projeto de Lei n. 4.330, atualmente em análise no Senado Federal (PLC - Projeto de Lei da Câmara, n. 30, de 2015), que versa sobre os limites da terceirização. Referida iniciativa do Parlamento busca superar o ativismo judiciário do TST e regular a terceirização, inclusive para ins de permitir que essa ocorra em qualquer atividade desenvolvida pelo empregador, seja ela central ou periférica.

2. Efeitos da terceirização na organização dos trabalhadores

Os sindicatos sempre basearam sua atuação na reivindicação de direitos comuns à classe trabalhadora representada. Essa coesão era fortalecida pela prevalência dos modelos fordista e taylorista de produção com

Page 94

grande concentração nas indústrias da mão de obra com faixas salariais semelhantes (SANTOS, 2014:215).

A globalização e a modiicação dos processos de produção estão relacionadas à diversiicação de funções, à proliferação das unidades de produção espalhadas em diversos países, ao repasse de atividades a empresas menores, ao repasse de atividades a empresas situadas em outros países nos quais o custo da mão de obra e os impostos são menores, dentre outros aspectos. Este contexto acaba por inluenciar decisivamente na capacidade de organização dos trabalhadores.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT