A liberdade sindical no Brasil e o problema da aplicação do princípio da pluralidade sindical

AutorCarolina Bastos de Siqueira - Carlos Henrique Bezerra Leite
Páginas68-85

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Introdução

A luta de classes foi sempre uma constante na história da humanidade, ora de forma declarada, ora de maneira sutil. Afinal, a sociedade humana sempre foi dividida em classes, umas sobrepondo-se às outras, surgindo, assim, de forma nem sempre organizada, grupos sociais opressores e oprimidos.

Entretanto, a partir do surgimento do capitalismo e, principalmente, com o florescimento da burguesia, essa divisão de classes sofreu profunda transformação, porquanto as diversas classes sociais então existentes foram essencialmente reduzidas a duas: a burguesia e o proletariado.

O problema é que a opressão burguesa não se iguala à opressão feudal. O servo feudal sentia que aquele era seu lugar natural, bem como o de seu senhor. Na modernidade burguesa, todos são "iguais" e a relação entre exploradores e explorados baseia-se unicamente no interesse pelo acúmulo do capital. É uma relação que torna o oprimido descartável, já que sua importância reside apenas na força de trabalho que, na essência, é "vendida" como uma mercadoria.

O cerne da luta sindical sempre foi, portanto, a igualdade material, já que o trabalhador, individualmente, jamais conseguiria fazer frente ao poderio financeiro dos patrões. Mostrava-se forçosa a união do operariado visando a um equilíbrio na relação entre empregados e empregadores.

Contudo, para que essa luta se iniciasse, era fundamental a consagração do princípio basilar da Revolução Francesa, a liberdade. Até aquele momento não se podia afirmar que a classe menos favorecida gozava da mesma liberdade que os

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burgueses e proprietários de terras, afinal, aos operários eram vedados os direitos de reunião e de associação.

Com o crescimento do movimento sindical, ficou cada vez mais claro que, além da liberdade, era preciso também ter expressividade numérica ante o empregador. Assim, o sindicato teria um maior poder de barganha com um maior número de afiliados. Afinal, a ameaça de greve de apenas alguns não seria suficiente para pressionar os patrões a aumentar os salários ou diminuir a jornada ou qualquer outra melhoria para o trabalhador. Era preciso que o movimento fosse cada vez mais expressivo e mais consistente.

Dentro desse panorama, é possível afirmar que a busca pela liberdade seria a pedra fundamental do Direito Sindical e o fomento da ideia de unidade sindical uma maneira de aumentar a força do sindicato. Sem a liberdade, o sindicato jamais seria capaz de cumprir devidamente o seu papel e atingir seus objetivos, e a unidade lhe daria condições de realizá-los mais facilmente e com maior abrangência.

Após anos de embate entre empregados, sindicatos, empregadores e Estado, a questão da liberdade sindical passou a ser matéria constante de tratados internacionais de direitos humanos, em especial, os constituídos pela Organização Internacional do Trabalho.

No Brasil, desde o início, o sindicalismo andou na contramão dos ideais fundamentais do movimento sindical, já que o governo sempre manteve uma posição autoritária e interventora nos mesmos. Em função desse comportamento do Estado, sempre houve muita pressão da sociedade e da comunidade jurídica para que se alterasse a legislação, buscando a libertação dos sindicatos.

Nos debates da Assembleia Constituinte de 1988, buscou-se adaptar o Brasil ao ideal da liberdade sindical já prevista no ordenamento internacional. Contudo, embora tenha havido sensível evolução na questão, a inclusão do inciso II no art. 8º

da Constituição Federal manteve uma restrição da liberdade, na medida em que veda a criação de mais de um sindicato, em qualquer grau, representativo de categoria profissional em uma mesma base territorial, limitada a um município.

Muito embora o Brasil mantenha a supracitada limitação, ratificou, em 1992, o Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais. Nesse Pacto, buscou-se proteger a liberdade sindical em seu grau máximo através da pluralidade sindical, que permitiria a fundação de tantos sindicatos quantos quisessem os trabalhadores, independentemente da base territorial.

Assim, hoje, no Brasil, há duas normas contraditórias incidindo sobre um mesmo fato. A norma internacional, que entra no ordenamento jurídico brasileiro como emenda constitucional, conforme inciso II do art. 4º da Constituição da República e a regra presente no art. 8º do mesmo documento. Dessa forma, a legislação brasileira positivou duas regras do direito sindical: a pluralidade e a unicidade sindicais, as quais possuem plena aplicação.

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Dessa forma, indaga-se: o atual paradigma do Estado democrático de direito brasileiro é compatível com a unicidade sindical?

A pesquisa desse tema demonstra-se interessante em razão de serem o direito do trabalho e, consequentemente, o direito sindical direitos fundamentais para a conquista da cidadania pelo homem. A análise que será realizada poderá contribuir com uma visão multidisciplinar (jurídica e sociológica) sobre a mesma questão: a liberdade sindical, já que ainda percebemos no Brasil a ineficácia dos sindicatos no enfrentamento dos problemas de seus afiliados.

A relevância social desta pesquisa é, provavelmente, o ponto de maior importância. O sindicalismo brasileiro por vezes demonstra suas fraquezas e descompassos com a realidade do trabalhador. Somente quando se debruça sobre esta questão, buscando disseminar novas ideias e pensamentos, é que se torna possível a mudança e o crescimento.

A pesquisa será conduzida a partir da leitura analítica de livros, artigos de periódicos e legislação que tratam do tema abordado. Entretanto, a bibliografia a ser analisada não se limitará ao enfoque jurídico do tema, havendo também uma abordagem sociológica. Desta forma, o método a ser utilizado na presente pesquisa será o dialético pluridisciplinar. O problema proposto, em função das diversas interpretações que o permeiam, trará inúmeros confrontos que serão analisados e sintetizados de forma a produzir alguma evolução no tratamento da matéria.

1. A liberdade sindical como direito humano

Para Carlos Henrique Bezerra Leite, "Direitos Humanos são direitos morais, porque tal fundamentação ética tem por objeto a efetivação dos princípios da dignidade, liberdade, igualdade e solidariedade" (2010, p. 39). Portanto, há diversas razões pelas quais a liberdade deva ser considerada um direito humano. Aliás, todos os autores que tratam dessa temática consideram a liberdade como um direito humano de primeira dimensão, fundamental para o homem contemporâneo, já que não se pode conceber para esse homem da atualidade "uma vida que não seja livre" (OLIVEIRA e PORTO, 2007, p. 166). Afirmam, ainda, Oliveira e Porto:

A etimologia do verbete liberdade não poderia conduzir a caminho diverso do que a concretização da dignidade. Sua semântica condiz a um plano de multiplicidade de escolhas, que se mostra inconcebível perante um monopólio sindical ou um ente único. Se liberdade corresponde a auto-governo, nada mais justo do que aos sujeitos livres se garanta a escolha, especialmente de seu sindicato.

Já o conceito de liberdade sindical é complexo e envolve diversas vertentes que precisarão ser analisadas de forma mais detida. Entretanto, seguindo a conceituação adotada pela Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1948 (OIT, 1994, p. 4-5), podemos afirmar que os trabalhadores e empregadores,

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independentemente de autorização prévia e sem qualquer distinção, teriam o direito de se associar organizadamente da maneira que reputarem conveniente e de se filiar a estas organizações, devendo apenas obedecer aos estatutos estabelecidos pelas mesmas.

A liberdade sindical deriva, portanto, dos direitos humanos de primeira geração, já que nasce do direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. A própria ideia de democracia é incompatível com qualquer ingerência do Estado na organização ou formação dos sindicatos. Além disso, desde a Conferência Internacional de Teerã, reconhece-se a indivisibilidade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, reputando-se impossível o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais sem a realização dos direitos civis e políticos. Ou seja, a violação de um direito humano importa a violação de todos os outros (LEITE, 2010, p. 40-41).

Aliás, a própria liberdade é uma garantia indivisível. Não se pode ser parcialmente livre. A liberdade é um todo indivisível, devendo ser reconhecida e exercida de forma plena. Esclarece-se que o sentido de plenitude da liberdade aqui esboçado não se refere ao direito de o indivíduo agir em conformidade apenas com sua vontade. A liberdade plena aqui retratada é aquela em que o indivíduo tem autonomia para agir dentro das regras da sociedade e com o devido respeito à liberdade dos outros (OLIVEIRA; PORTO, 2007, p. 171).

Sendo assim, naturalmente, a liberdade sindical é um direito humano, já que, apesar de o sindicato lutar por direitos sociais, a liberdade de associação está relacionada aos direitos civis e políticos, de se organizar em prol do bem comum. E é somente em conjunto, de forma indivisível, que esses direitos são Direitos Humanos. Citando Oscar Ermida Uriarte: "se é certo que a liberdade sindical depende de direitos individuais, não é menos certo que, ao mesmo tempo, os condiciona. Os direitos individuais dependem da liberdade sindical" (URIARTE, apud ROMITA, 1998, p. 510).

Não obstante as diversas reivindicações por direitos sociais, foi somente em 1919 que alguns países criaram um organismo internacional para tratar das questões trabalhistas, a fim de reunir princípios e regras que voltasse os envolvidos a uma mesma direção, em termos de direitos de...

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