Liberdade sexual

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas186-205

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O indivíduo tem o direito de viver a própria sexualidade, com liberdade de escolha de suas preferências, parceiros e oportunidade de se relacionar. A liberdade de disposição do próprio corpo somente é vedada quando importar em diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes (art. 13 do Código Civil).

Logo, não pode o empregador chamar a atenção do trabalhador ou trabalha-dora em razão de sua orientação sexual ou trejeitos que lhe são ínsitos ou permitir atitudes de discriminação no ambiente de trabalho. Como ser integral dentro e fora do trabalho, tem o direito não apenas de ter, como também de expressar, sem interferências, a sua orientação sexual.

Pode o empregador, no entanto, coibir o uso de roupas que considera indecentes, como calças demasiadamente apertadas, blusas femininas transparentes e decotes acentuados, bem como o uso de roupas femininas por trabalhadores do sexo masculino e o relacionamento entre trabalhadores de uma mesma empresa?

Cuidando-se de atividade profissional, em que o trabalhador precisa se relacionar com colegas, clientes, chefes e empregador, são naturalmente cabíveis limitações ao exercício de direitos fundamentais. Por exemplo, se o empregador tem por atividade um restaurante, o uso de uniformes pelos atendentes e de luvas, máscaras e turbantes higiênicos relacionados ao pessoal da copa e cozinha são exigíveis pela própria natureza do negócio.

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Por outro lado, como se cuida de ambiente profissional, no qual deve prevalecer o decoro, roupas indecentes, que o trabalhador poderia usar em outros recintos, são inadmissíveis.

De igual sorte, é absolutamente vedado ao empregador incitar trabalhadoras a sair com clientes visando o aumento das vendas.

Não cabe ao empregador interferir no relacionamento íntimo entre trabalhadores de qualquer sexo, o que importaria em restrição injustificada à sua vida privada.

O empregador não pode interferir nas preferências sexuais do empregado, impedir ou restringir a liberdade de associação. O que não significa que o trabalhador possa, no ambiente de trabalho, incitar ou convocar trabalhadores para participação em passeatas gay ou movimentos simpatizantes de caráter político ou sexual.

A 7ª Turma do TST, no RR-1306/2007-001-20-00.5, em que atuou como Relator o Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, manteve decisão do TRT da 20ª Região, em processo que no qual o regional condenou a empresa a indenizar um empregado que teve de utilizar uniforme feminino no trabalho.

Restou comprovado, para o regional, que ao iniciar as atividades na empresa foi alvo de escárnio e de brincadeiras por parte das supervisoras, que questionavam a sua orientação sexual e o tachavam de homossexual, vindo, em seguida, a receber uniforme com formato de corte acinturado e mangas curtas, de modelo igual ao usado pelas mulheres e nitidamente diferente da vestimenta masculina usada pelos colegas. E que apesar de questionado o fato, foi obrigado a usar a referida vestimenta. A condenação em danos morais foi a compensação concedida pelas ofensas verificadas.

Por outro lado, a Constituição veda a discriminação do trabalhador por motivos de orientação sexual. Cada um pode viver a própria sexualidade, sem que para isto precise ser tratado de forma desqualificante.

No RR 1019/2004-024-05-00.8, a 2ª Turma do TST, por meio de voto vencedor do Relator, Ministro José Simpliciano Fernandes, votou pelo não conhecimento do recurso nos temas relativos à condenação em R$ 200.000,00 em danos morais e R$ 5.000,00 mensais por danos materiais desde a despedida até o trânsito em julgado da condenação.

No processo, restou apurado que o trabalhador, ao alçar o posto de gerente geral de agências bancárias, passou a ser perseguido pelo superior hierárquico em razão de suas iniciativas, como a de decorar as agências com bolas coloridas no lançamento de novos produtos, passando a ser por ele publicamente classificado de afeminado e depreciado, vindo então a despedi-lo sob pretexto não comprovado.

Entendeu-se que a despedida foi discriminatória, como represália à sua orientação sexual.

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Eis alguns acórdãos sobre o tema:

TRT 2ª Região — São Paulo — HOMOFOBIA. DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Para efeito de cumprimento das cláusulas ou produtividade no contrato de trabalho é absolutamente irrelevante a orientação sexual adotada pelo empregado, vez que se trata de questão estritamente relacionada à sua intimidade. Nada obstante, in casu, a chefia adotou como forma de ofensa e constrangimento, além de epítetos depreciativos (“tranqueira”, “vagabunda”), denúncia perante os colegas, de uma suposta relação homoafetiva da autora com outra companheira, elegendo-a como causa da falta de produtividade ou qualidade dos serviços. A prática revela uma das mais retrógradas e repugnantes formas de discriminação, qual seja, o preconceito quanto à orientação sexual do ser humano. A histeria homofóbica e a hipocrisia explicam o incipiente estágio de conquistas na esfera legislativa e a demora na efetivação de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: a dignidade do ser humano, independentemente da forma como cada um expresse a sua sexualidade. O Judiciário tem se posicionado de forma vanguardista contra o conservadorismo e a ortodoxia, ao assegurar igualdade substantiva ao segmento perseguido e hostilizado que assume orientação sexual diversa do “padrão modelar”, garantindo o direito à convivência, à formação da família e à união civil homoafetiva, cumprindo a promessa constitucional de igualdade e de organização da sociedade com vistas à felicidade. É o que se extrai do recente julgamento do E. STF, na ADIN 4277 e ADPF n. 132. Destaca-se que dentre as diversas práticas atentatórias à integridade moral dos trabalhadores encontra-se a discriminação, seja por motivo de raça, credo, origem e sexo. Inegável, outrossim, que o grupo social identificado pela sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) segue sofrendo agressões na sociedade e nos locais de trabalho, sob diversas formas (moral, social, religiosa, física etc.), sendo o Brasil um dos primeiros no triste ranking mundial de assassinatos por homofobia (pesquisadores apontam que a cada 3 dias, 1 pessoa é vitimada em decorrência da sua orientação sexual, sob o silêncio cínico e a omissão do poder público). No caso, restou caracterizado o atentado à dignidade da trabalhadora, que se viu humilhada com ofensas e atingida em sua intimidade e vida privada (art. 5º, X, CF), malferindo o empregador, por prepostos, os princípios da igualdade (art. 5º, caput) e da dignidade humana (art. 1º, III, CF), práticas estas intoleráveis numa sociedade que se alça a um novo patamar civilizatório. Por tais razões deve ser majorada a indenização por dano moral. (TRT 2ª Região, RO 0000524-02.2011.5.02.0302, Ac. 2012/0147232, 4ª T., Rel. Des. Federal Ricardo Artur Costa e Trigueiros, 24.2.2012).

TRT 18ª Região — Goiás — DANO MORAL. COMENTÁRIOS DE CUNHO DISCRIMINATÓRIO NO AMBIENTE DE TRABALHO REALIZADOS POR GERENTE E DEMAIS EMPREGADOS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Os gerentes, sobretudo porque na qualidade de representantes dos empregadores, devem gerir as atividades laborais dos subordinados com seriedade, de maneira estritamente profissional. Não serve o local de trabalho como ambiente para comentários de cunho discriminatório. Destarte, evidenciando a prova dos autos que empregados e principalmente gerente insinuavam relacionamento homoafetivo entre trabalhadoras, constrangendo-as, o dano ao patrimônio moral emerge claro. Recurso ordinário patronal conhecido e não provido, no particular. (TRT 18ª Região, RO 1702-42.2011.5.18.0010, 3ª T., Rel. Des. Geraldo Rodrigues do Nascimento, j. 7.2.2012).

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TRT 9ª Região — Paraná — DANO MORAL. DISCRIMINAÇÃO POR ORIENTAÇÃO SEXUAL. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA IGUALDADE E DA LIBERDADE (SEXUAL). A vedação à discriminação por orientação sexual no contrato de trabalho fundamenta-se na ordem constitucional que, além de erigir a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho entre os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV), impõe como objetivo primeiro a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). A teor do art. 5º da Constituição Federal, que inicia o título II referente aos direitos e garantias fundamentais, estabeleceu-se a igualdade de todos perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, demonstrando claramente a repulsa à prática de atos discriminatórios pelo constituinte originário. Garantiu-se, ainda, no inciso V, “o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Também se previu no inciso X que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação”. No caso dos autos, a dor íntima e o sofrimento psicológico experimentados pelo autor decorreram do tratamento depreciativo e pejorativo que lhe era dispensado pelo superior hierárquico em razão de sua opção sexual. Os princípios fundamentais da pessoa humana, previstos na Constituição da República, tais como a honra, a imagem, a dignidade, a igualdade e a liberdade (sexual), foram desrespeitados. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, entende-se por dignidade da pessoa humana: “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria...

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