O direito fundamental de liberdade sindical como pressuposto da negociação coletiva no Estado democrático

AutorCristiane Mello
Ocupação do AutorAdvogada e professora. Pós-graduada em Direito Público, Mestre em Análise Regional pela UNIFACS Universidade Salvador, Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Páginas28-37

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1. Introdução

A negociação coletiva vem assumindo novos contornos e funções diante dos desafios das sociedades complexas, especialmente para adaptação permanente às constantes mudanças socioeconômicas.

Diz-se isso porque, ante a pluralidade de situações sociais, econômicas, políticas e culturais, sobretudo nas relações de trabalho, não podem os sujeitos coletivos aguardar a resposta do Estado legislador que, em geral, é lento quando se trata de regulação das relações capital/trabalho, mormente num cenário de globalização.

Nessa linha de ideias, os sindicatos profissionais só estarão aptos às novas funções da negociação coletiva se estiverem preparados para um constante debate dialético, com a interação do maior número possível de pontos de vista sobre a questão a ser decidida, o que demanda a maior participação possível de seus representados.

Dessa conclusão decorre a indagação se os sindicatos brasileiros possuem força representativa para serem considerados aptos à concretização dessa negociação numa perspectiva de real defesa dos interesses dos trabalhadores.

Esse estudo, portanto, parte do necessário exame da questão concernente à representatividade sindical e da indispensável associação entre liberdade sindical e democracia, para, num segundo momento, após uma crítica ao modelo de unicidade vigente no Brasil, apreciar a proposta lançada por Massoni (2013) de análise da representatividade, a partir da interpretação do conceito de "categoria", previsto no art. 511 da CLT, à luz do texto constitucional.

2. Novas perspectivas da negociação coletiva

A negociação coletiva, antes reduzida a um mero instrumento de pacificação de conflito, atualmente é concebida como um processo, caracterizado por um conjunto

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de atividades sequenciadas de comunicação, pressão e ações de convencimento, desenvolvidas pelos sujeitos coletivos e permeadas pela boa-fé objetiva.

No novo cenário, portanto, as negociações passam a exercer importante papel na fixação de princípios e de grandes objetivos de política social, estabelecimento de condições necessárias ao equilíbrio das partes negociantes e incitação à negociação nos assuntos que oferecem resistência ao diálogo.

Também já se apresenta como mecanismo para alcançar novos objetivos como a reorganização ou modulação dos tempos de trabalho, representação dos trabalhadores no nível da empresa ou de grupo, proteção da condição de saúde no trabalho e coordenação das lutas contra discriminações.

No Brasil, a negociação coletiva alcança um patamar privilegiado na relação de trabalho e de composição dos conflitos com a Constituição de 1988, que elevou a negociação à condição de direito fundamental dos trabalhadores (art. 8º, VI), entendendo-a como condição obrigatória no aforamento de dissídio coletivo econômico (art. 114, §2º, CF), além de modo flexibilizatório2 de direito (art. 7ª, V, XII, XIV, da CF).

A questão que se põe, no entanto, é se a negociação coletiva, como um direito constitucional assegurado, em sua atual complexidade e sendo a expressão de uma liberdade e de uma autonomia coletiva, está sendo um mecanismo efetivo de progresso social.

Para tal análise é importante lembrar a visão triangular do Direito Coletivo do Trabalho, proposta por Cueva (1986, p. 423), que entende não ser possível pensar negociação coletiva sem a existência de sindicato e direito de greve.

A essa visão gráfica do autor, no entanto, deve-se acrescer também a liberdade sindical em todas as suas dimensões, para que a negociação coletiva possa ser considerada um instrumento de concretização de direitos fundamentais, melhoria da condição social, além de atendimento das novas funções atualmente assumidas3.

3. Pluralidade jurídica como solução para as sociedades complexas

Considerando a pretensão do Direito do Trabalho de mitigar a desigualdade fática existente entre o capital e o trabalho, é intuitivo perceber que a disparidade entre

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o trabalhador individualmente considerado e o empregador só poderá ser abrandada por meio da concretização do contrapoder coletivo dos trabalhadores que, mediante negociação coletiva, buscará a melhoria das condições de trabalho.

Sabe-se que a normatização heterônoma traz a proteção de diversos direitos, no entanto, não é capaz de acompanhar os desafios das sociedades complexas, pois as normas jurídicas que passam a ser necessárias não possuem mais o mesmo caráter condicional de antes (sentido retrospectivo), quando se destinavam basicamente a estabelecer certa conduta, de acordo com um padrão, em geral fixado previamente.

A regulação que no presente é requisitada ao direito assume o caráter finalístico, e um sentido prospectivo, pois, para enfrentar a imprevisibilidade das situações a serem reguladas, ao que não se presta ao esquema simples de subsunção de fatos a uma previsão abstrata anterior, precisa-se de normas que determinem objetivos a serem alcançados futuramente, sob as circunstâncias que então se apresentem (GUERRA FILHO, 2007, p. 8).

Mais que isso, a sociedade contemporânea, caracterizada pela complexidade das relações, ante a pluralidade de situações sociais, econômicas, políticas e culturais, especialmente nas relações de trabalho, não pode aguardar a resposta do Estado legislador que, em geral, é lento quando se trata de regulação das relações capital/ trabalho, mormente num cenário de globalização.

Nesse caso, a normatização deverá surgir dos próprios agentes sociais interessados. Diz-se isso porque, na complexidade, a resposta dos problemas está no resultado do confronto dialético entre opiniões antagônicas. Guerra Filho (2007, p. 74), analisando a Teoria do Agir Comunicativo de Habermas, assim expõe:

Diante da complexidade do mundo pós-moderno, as soluções melhores dos problemas que lhe são peculiares hão de surgir do confronto entre opiniões divergentes, desde que se parta de um consenso básico, quanto à possibilidade de se chegar a um entendimento mútuo, para o que não se pode partir de ideias pré-concebidas, a serem impostas aos outros.

Disso decorre a ideia de pluralismo jurídico, ou seja, de inserção de normas no sistema jurídico advindas de outros centros de produção, que não estatais, por meio de diferentes ferramentas.

Além disso, as questões concernentes aos problemas envolvendo conflitos sociais sobre interesses coletivos não encontram regulamentação suficiente. Logo, a fórmula negocial aparece como aquela mais democrática e racional de se dar conta dos problemas cada vez mais multiformes que as sociedades atuais apresentam, já que essa fórmula implica na solução pelo envolvimento dos sujeitos coletivos interessados em um debate dialético, para fins de assegurar os direitos constitucionalmente previstos.

A solução passa pela teoria do discurso, que assimila elementos de ambos os lados, integrando-os no conceito de um procedimento ideal para a

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