Liberdade e intimidade do trabalhador

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas175-182

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Liberdade e intimidade são direitos conexos.

Intimidade corresponde à esfera mais íntima, particular, reservada do ser humano; ao “próprio eu” ou vida interior ou psicológica de cada indivíduo. A proteção da intimidade visa assegurar ao indivíduo o isolamento de uma parcela da personalidade reservada contra a indiscrição alheia. Diz respeito ao modo de ser da pessoa, à sua identidade, convicções, crenças, sexualidade e segredos; ao mundo intrapsíquico de formação espiritual do indivíduo. Compreende as esferas confidencial e do segredo, referentes à intimidade. Aos pensamentos, sensações, frustrações e expectativas que o indivíduo não necessariamente exporia ou dividiria nem mesmo para com as pessoas com quem convive em seu núcleo familiar. É o espaço considerado pela pessoa como impenetrável, intransponível, indevassável, que diz respeito única e exclusivamente à pessoa.

Intimidade é, portanto, a esfera secreta da vida do sujeito do direito. É a zona espiritual que deve ficar livre de intromissão estranha, tanto assim que são proibidos os controles visuais e auditivos não autorizados, a revista íntima e a obtenção de informações que o trabalhador não está obrigado a prestar.

Quem o indivíduo é, como pensa e os seus gostos, aflições, expectativas e crenças, corresponde à sua intimidade. Faz parte da sua liberdade de ser e de evitar intromissões em suas características pessoais, constitutivas de sua personalidade. Como vive a própria vida, com quem se relaciona e os lugares que frequenta correspondem à sua vida privada.

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A invasão, pelo empregador, da intimidade do empregado e a invasão, pelo empregado, da intimidade do empregador, ensejam tutela preventiva e a reparação, por danos morais.

São formas de ofensa à intimidade a revista íntima e o controle visual (vídeo) e auditivo (escuta) não autorizados ou invasivos. Sobre a revista íntima, a CLT, no art. 373-A, VI, a proíbe em relação às mulheres. Tal dispositivo, introduzido em 1999 como parte de um conjunto de providências destinadas a proteger o acesso da mulher ao mercado de trabalho, é igualmente aplicável às pessoas do sexo masculino, por força do art. 5º, I, da CRFB.

Quanto ao uso do e-mail no trabalho, remetemos o leitor às considerações feitas sobre o tema no item 8.1.2.

O controle, feito dentro dos limites do poder diretivo, se justifica por questões de segurança, ainda mais nas atividades que envolvem o estoque de mercadorias, o manuseio de valores e de substâncias entorpecentes. O que, de regra, não se permite, é a revista íntima, muito menos a realizada de forma constrangedora para o empregado.

Assim, se o empregador resolve revistar os trabalhadores do sexo feminino ou masculino, quer juntando-os num mesmo ambiente, quer servindo-se de cabines, ainda que com utilização de pessoas do mesmo sexo, ou de aparatos eletrônicos invasivos (câmeras em vestiários) responde pela humilhação causada ao trabalhador pela ofensa à intimidade, podendo apenas variar o grau da agressão, conforme as condições da revista.

Em nossa experiência na magistratura, encontramos de tudo: empregador que determina a empregadas que abaixem as calças e levantem a blusa ou que se dispam em ambientes coletivos ou em cabines. Em todas as hipóteses há invasão e humilhação, podendo variar apenas o grau da ofensa. Há casos em que, como decorrência da revista, a pessoa passa a ficar conhecida como “cicatriz”, “bunda branca”, “bunda suja”. Não acreditamos que no atual estágio da tecnologia e em pleno regime de concretização das liberdades públicas e dos direitos de solidariedade, um pai de família ou uma senhora precisem ser submetidos a esse tipo de situação. Também não acreditamos que eles recebam com tranquilidade a notícia de que a sua filha é obrigada, na saída do serviço, a ficar nua ou abaixar a calcinha perante fiscais.

Em processo em que a discussão ocorreu em torno da questão da revista íntima (RO-1350-2005-063-01-00-3, 6ª Turma do TRT da 1ª Região), restou apurado que a empresa comercializava produtos controlados e assim entendia ser sua obrigação manter rigorosa vigilância sobre os estoques e que a revista era uma imposição da atividade.

Restou apurado que a revista era efetuada por um segurança todas as vezes que o empregado se ausentava do local de trabalho, na hora do lanche, almoço ou saída.

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A prova oral demonstrou:

“que durante a revista o(s) empregado(s) te(ê)m que levantar a blusa, abaixar as calças e a cueca até a altura dos joelhos e tirar os sapatos e as meias; (...); que em razão das revistas conjuntas surgiram alguns apelidos entre os empregado(s), o que também era constrangedor; que os apelidos eram ‘bunda branca’ e outros mais constrangedores.”

Bancos e lojas podem contar com dispositivos de segurança, inclusive detector de metais e aparelhos de raios ‘x’ dentro dos limites do razoável. Trata-se de exercício regular de direito, próprio de certas atividades. O que não se justifica é que a revista invasiva seja feita de forma vexatória, com esvaziamento de bolsas e sacolas na entrada e na saída, muitas...

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