A lei n° 9.307/96 comentada artigo por artigo

AutorAntonio Sodré
Páginas53-102

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6.1. Disposições gerais

Art. 1°. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

O artigo 1° prevê que todas as pessoas capazes, sejam físicas ou jurídicas, podem se utilizar da arbitragem para dirimir conflitos existentes entre elas. A capacidade das pessoas físicas, neste sentido, é adquirida com o nascimento (art.2°, do Código Civil). Já as pessoas jurídicas, passam a ter existência e capacidade jurídica do momento da inscrição de ato constitutivo no respectivo registro (art. 45, CC).

Direitos patrimoniais disponíveis são todos os direitos, excetos aqueles que o Estado chama para si por considerar de necessidade social; estes últimos são chamados direitos indisponíveis e, portanto, não podem ser submetidos à arbitragem. Um exemplo é o poder de polícia. Um árbitro não pode apreciar e decidir se o Estado tem ou não o poder de polícia sobre o cidadão. Há uma linha cinzenta ao falarmos de direitos disponíveis, quando um ente estatal é parte. Os avanços nesta área têm permitido que agências setoriais usem da arbitragem para dirimir certos conflitos, o que entendemos altamente salutar. Exemplificando: Qual é a razão da não permissão de utilização da arbitragem, em um contrato de locação, quando uma das partes é um ente público? A locação é um contrato comercial eminentemente de direito privado e, a nosso ver, perfeitamente aplicável aos entes públicos. Não há que se falar que os interesses do ente público em um contrato de locação seriam de alta relevância social e, por isso, os direitos decorrentes tornariam-se indisponíveis. Nem tudo que é público é de direito indisponível. Dentro dos interesses de um ente público há muitos direitos patrimoniais que são disponíveis, como nos contratos de pequena monta.

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A arbitragem no Brasil está avançando, mesmo que a passos lentos. O artigo publicado pelo Jornal Valor Econômico, em 20 de abril de 2007, do direitor-executivo da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas, Julian Magalhães Chacel , nos dá uma esperança de progresso na área.

Segundo o supracitado autor, os investidores privados se sentiram mais confortáveis com a possibilidade de uso da arbitragem nas Parcerias Público-Privadas:

Em uma primeira leitura, esta polêmica parece estar resolvida, ao menos parcialmente, pela Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs) – a Lei
11.079, de 30 de dezembro de 2004- quando, no capítulo das garantias, dispõe em seu artigo 2°, inciso III, sobre “o emprego de mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei n° 9.307, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato”. Com este dispositivo, a lei federal convalida o que já estava previsto nas leis dos Estados de Minas Gerais e São Paulo sobre as PPs.

Arbitragem é o processo alternativo de se resolver conflitos. A arbitragem é uma justiça privada que dispensa a Justiça Estatal ou Justiça Comum representada pelo Poder Judiciário.

Art. 2°. A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§1° Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§2° Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.

O caput do art. 2° da lei em estudo dispõe que as partes poderão escolher a forma de aplicação da arbitragem nos litígios, se de direito ou de eqüidade. A arbitragem de direito é o enquadramento da lei em abstrato ao caso concreto, sem análise de particularidades. Já a arbitragem por eqüidade é a interpretação

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da norma segundo as peculiaridades do caso concreto, visando alcançar a justiça social e um equilíbrio entre as partes.

Na prática, não é recomendável a cláusula indicativa de eqüidade nos contratos de curto prazo, tendo em vista justamente o prazo apertado. A mesma recomendação ocorre para os contratos fungíveis. Nestes casos específicos, a análise de peculiaridades inviabilizaria a rapidez do procedimento e não se alcançaria o fim almejado pelas partes, ou seja, a rapidez na solução dos problemas. Entretanto, nos contratos a longo prazo, principalmente nos contratos comerciais, é oportuno prever o julgamento por eqüidade, pois a observância de peculiaridades pode ser fundamental para solução de possíveis litígios. O nobre autor Irineu Strenger1sabidamente exemplificou os casos em que se faz relevante a presença da cláusula eqüitativa, senão vejamos:

(...) a eqüidade é sempre desejável, nos contratos a longo termo, que em geral apresentam relações de comércio internacional, mas podem ocorrer no comércio interno.

São exemplos significativos os contratos de fornecimento de matériasprimas, as vendas de indústrias “chave na mão”, os contratos de fabricação comum, os contratos de concessão, engenharia, administração, de licença, e todos aqueles que têm por força de sua natureza desempenhos duradouros e complexos.

No parágrafo primeiro do mesmo artigo, é exposto que as partes poderão, livremente, escolher as regras de direito a serem aplicadas na arbitragem, porém, faz uma ressalva, que as mesmas não violem aos bons costumes e à ordem pública.

A violação de regras imperativas, que possui um cunho de imposição, pode acarretar a nulidade da sentença arbitral. Não fosse desta forma, a liberdade concedida às partes não teria nenhum limite e ocorreriam graves violações aos bons costumes e à ordem pública. A escolha das regras de direito, a que se refere este parágrafo, diz respeito à aplicação da lei brasileira ou estrangeira no julgamento do litígio.

A ordem pública internacional tem finalidade diversa da ordem pública interna, pois em lugar de consistir um limite para a validade da arbitragem, serve para reconhecer a sua eficácia. No entanto, o conceito de ordem pública

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internacional carece de melhor regulamento e, por isso, deve ser utilizado pelos árbitros somente em caráter suplementar.

Quanto aos costumes, difícil é verificar a sua violação, pois não existe um elenco classificatório e nem mesmo um paradigma para a sua identificação. Simplificadamente, os costumes representam a cultura de um povo, o seu cotidiano, o comportamento de um grupo, enfim, toda a sua história. O conceito sobre costumes reveste-se de um cunho sociológico e não jurídico, no sentido propriamente dito. Na arbitragem, a alegação de violação aos costumes é inócua e acarreta aos debates que levam à conclusões de esfera subjetiva.

No que tange à ordem pública, deve-se observar que a palavra leva uma carga de complexidade muito grande. Entende-se por ordem pública um conjunto de princípios contidos no ordenamento jurídico, de forma explícita ou implicitamente. Esses princípios são considerados fundamentais e devem ser observados, quer no contrato principal quer na convenção de arbitragem, sob pena de nulidade dos contratos.

No parágrafo segundo do artigo em comento, há um permissivo legal autorizando as partes a convencionarem que, a arbitragem poderá ocorrer com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.

Os Princípios Gerais de Direito são regras consagradas na Ciência do Direito, por meio de um estudo de direito comparado, e aplicáveis a determinados casos concretos. São princípios norteadores nas decisões judiciais e arbitrais, oriundos de regras que foram acatadas pela maioria dos membros de uma sociedade. Exemplo: proibição de enriquecimento sem causa. Esses princípios servem como instrumento na busca da justiça social. São regras não escritas e suprem as lacunas da lei, quando estas existirem.

É de suma importância nos atentarmos que, na arbitragem, a aplicação dos Princípios Gerais de Direito oferece um amplo leque de opções para as decisões dos árbitros, que podem julgar segundo as suas convicções.

Usos e Costumes - Os costumes, como já foi dito no decorrer desta obra são, resumidamente, o modo de viver de um grupo, os seus hábitos e a forma de relacionamento que há entre seus membros; condutas repetidas.

Os usos e costumes constituíram, durante muito tempo, a principal fonte formal do direito. Entretanto, com o passar dos séculos, acabaram perdendo importância e deram lugar à função legislativa, que organiza o

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direito escrito em todos os ramos da sociedade. Todavia, resta deixar consignado que os usos e costumes são práticas rotineiras utilizadas, ainda hoje, no direito comercial e internacional, mas de forma subsidiária.

Os costumes podem ser classificados como judiciais e extrajudiciais: Os costumes ditos judiciais, são os de fontes formais e matérias. Os costumes de fontes formais são aqueles que definem gêneros de condutas, caracterizando-os em forma positiva, repetida. Já os costumes de fontes materiais caracterizam-se pela expressão de um valor vigente. Exemplo: O repúdio que há àquele que mata alguém.

Os costumes extrajudiciais são práticas costumeiras utilizadas por membros de uma sociedade. Essas práticas são observadas, principalmente, nas relações comerciais, como por exemplo, em vendas de cana-de-açúcar e pedras preciosas em estado bruto, onde o negócio é firmado com um simples aperto de mão, que concretiza um acordo fechado.

Por fim, o legislador, sabidamente, facultou às partes convencionarem que a arbitragem possa ser realizada segundo as regras internacionais do comércio. Dentre essas regras, podemos destacar duas: (I) Os Incoterms– conjunto de normas escritas para certas modalidades de fornecimento...

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