A lei maria da penha e o feminismo da diferença

AutorFlávia Candido da Silva
CargoMestranda do Programa de Ciências Sociais pela UNESP, Especialista em Antropologia pela USC, Graduada em Direito pela UNIOESTE
Páginas148-157

Page 148

Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba

Nº 02 - 2º Semestre de 2014

ISSN | 2179-7131 | http: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index

Seção 05 : Gênero, Sexualidade e Feminismo.

A lei Maria da Penha e o feminismo da diferença

Flávia Candido da Silva

Resumo: A discussão em torno da promulgação da Lei Maria da Penha se dá na instância da duplicação da vitimização pela violência institucional do aparato judiciário. Mulheres que já sofreram violências físicas, verbais, sexuais, etc. têm ainda de enfrentar um sistema jurídicopolicial que além de ineficiente, tem como pressuposto epistemológico a repressão e contenção através também da violência. A crítica que se faz à Lei nº 11.340/2006 é de que ela nem pune os agressores e nem coíbe novos episódios de violência. Como sabido, as últimas conquistas das mulheres, como o voto e outras reformas sociais como saúde pública e controle da natalidade, do final do século XIX e século XX, legitimaram parte das reivindicações de muitos direitos que o movimento feminista buscava. Essa reivindicação de direitos foi também uma reivindicação de voz e responsabilidades para si mesmas. Ao exercer a sua razão, começavam a levantar questões de responsabilidade nos relacionamentos sociais. O feminismo da diferença surge já nos anos 80 a partir da obra de Carol Gilligan, apontando que as lógicas de desenvolvimento para mulheres e homens são diferentes, enquanto para mulheres a moral tem a ver com cuidado e doação, para homens tem a ver com disputas e poder. Estas matrizes serão aspectos que influenciarão o desempenho do papel feminino e masculino na vida adulta, e também ditarão a maneira com que mulheres e homens veem a si próprios e se relacionam entre si. O feminismo da diferença advoga pela evidenciação daquilo que constitui a matriz geradora destas identidades e dos conflitos decorrentes delas: a violência em razão do gênero, e neste aspecto é que celebra a

promulgação da Maria da Penha, visto que traz à luz diferenças entre violências e punições tipificadas pelo código penal e violências em razão do gênero.

Palavras- chave: Lei, violência, feminismo, diferença.

Resumen: La discusión en torno a la promulgación de la Ley Maria da Penha se produce en el caso de duplicar la victimización violencia institucional por el aparato legal. Las mujeres que habían sufrido violencia física, verbal, sexual, etc. aún tienen que enfrentarse a un sistema jurídico-policial que, además de ineficaz, que la represión supuesto epistemológico y la moderación también a través de la violencia. La crítica que se hace a la Ley N º 11.340/2006 es que ella o castigar a los culpables y se asusta de los nuevos episodios de violencia. Como se sabe, los últimos logros de las mujeres, como el voto y otras reformas sociales, como la salud pública y control de la natalidad, finales del siglo XIX y el siglo XX, legitimaron las demandas de muchos de los derechos que el movimiento feminista buscaba. Esta afirmación de los derechos también fue una voz de reclamo y responsabilidad por sí mismos. En el ejercicio de su razón, comenzó a plantear cuestiones de responsabilidad en las relaciones sociales. El feminismo de la diferencia ya surge en los años 80 de la obra de Carol Gilligan, señalando que el desarrollo lógico de las mujeres y los hombres son diferentes, mientras que para las mujeres la moral tiene que ver con el cuidado y la donación para los hombres tiene que ver con las disputas y el poder. Estas matrices serán aspectos que influyen

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Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba

Nº 02 - 2º Semestre de 2014

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en el desempeño de los roles femeninos y masculinos en la vida adulta, y también determinarán la forma en que las mujeres y los hombres ven a sí mismos y se relacionan entre sí. El feminismo de la diferencia aboga por la divulgación de lo que constituye la matriz generadora de estas identidades y conflictos que surgen de ellos: a la violencia basada en el género, y este aspecto se celebra la promulgación de la Maria da Penha, ya que revela las diferencias entre la violencia y tipificado por las penas del Código Penal y la violencia por motivos de género.

Palabras clave: Ley, la violencia, el feminismo, la diferencia

INTRODUÇÃO

O feminismo da diferença é a proposta teórica que advoga pela detecção da hierarquização dos saberes em razão do gênero1, principalmente nos campos da filosofia e da psicologia do desenvolvimento da moral e da ética. A

1A expressão gênero aqui é utilizada de acordo com o aporte teórico que considera o ‘ser’ mulher ou homem como resultado de direcionamentos culturais impostos desde o nascimento, que vão definir os papéis e identidades atribuídos a cada um destes. Definições estas que serão elemento constitutivo das relações sociais e históricas fundadas sobre diferenças percebidas entre os dois sexos. Diferenças tais, que não seriam apontadas se não fossem utilizadas sistematicamente como eixo de dominação do masculino sobre o feminino. Portanto, a violência de gênero (ou em razão do gênero) é uma violência política e simbólica, que se torna, porém, impressa de realidade quando se traduz em práticas violentas contra mulheres.

Lei Maria da Penha2 se propõe não somente a criminalizar condutas, pois estas já estão todas previstas no Código Penal, mas a punir e coibir de outras maneiras os episódios destas condutas quando cometidos em razão do gênero, atendendo às demandas específicas que requer a violência familiar.3 Assim nos propomos a pensar neste artigo acerca do feminismo da diferença como suporte teórico e exemplo prático de política pública de Estado a favor da visibilização da violência de gênero, no sentido de vislumbrar esta lei como uma emersão de diferenças hierarquizadas, que eram até então invisíveis no ordenamento jurídico brasileiro.

1 CONTEXTO DA

PROMULGAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

2Lei nº 11.340/2006, assim chamada em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos militou sua aprovação para ver o ex-marido agressor preso. Ele tentou assassiná-la duas vezes, uma delas deixou Maria paraplégica.

3Por violência familiar aqui entenderemos aquelas cometidas contra quaisquer entes, consanguíneos ou não, residentes no mesmo domicílio ou não, (sejam mulheres, filhos, enteados, sobrinhos, etc.) conforme se dá no entendimento jurisprudencial brasileiro. Por questão de ordem, e por entender que não há espaço num só artigo para discutir todos...

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