Dever de lealdade do acionista controlador por ocasião da alienação do controle - dever de maximização do valor das ações dos acionistas não controladores interpretação de estatuto de companhia aberta possibilidade de cumulação de OPAs

AutorErasmo Valladão França
Páginas251-266

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I-A Consulta e os quesitos

O ilustre advogado Rodrigo Millar de Castro Guerra, do prestigioso escritório Lobo & de Rizzo Advogados, apresenta-nos a Consulta abaixo, formulando, ao final, seis quesitos:

A pedido de nossos clientes, os fundos de investimento adiante nomeados (...), e na forma de nossos entendimentos anteriores, vimos solicitar seu Parecer sobre as questões adiante expostas.

  1. Transação

    1.1 A COMPANHIA X é companhia aberta listada no Novo Mercado da Bovespa cujo controle é exercido essencialmente por meio da companhia XPar, uma holding pura.

    1.2 Em 19.11.2009, a SOCIEDADE Z Ltda. (SOCIEDADE Z) adquiriu (i) 100% das ações de emissão daXPar, a qual é titular de 34.525.001 ações de emissão da COMPANHIA X, representativas de 49,5049% do seu capital social total e votante, e (ii) 1.695.004 ações de emissão da COMPANHIA X, representativas de 2,4296% do seu capital social total ("Transação ").

    1.3 Segundo consta em Fatos Relevantes divulgados em 19.11.2009 pela companhia ZPAR (controladora da SOCIEDADE Z) e pela COMPANHIA X, seguindo à conclusão da Transação (que estava sujeita a certas condições suspensivas) seria requerido, na CVM, o registro de uma OPA por alienação de controle. Tal oferta objetivaria a aquisição da totalidade das ações de emissão da COMPANHIA X, em igualdade de condições, inclusive preço, daquelas acordadas com os acionistas antigos controladores da COMPANHIA X.

    1.4 Também nestes Fatos Relevantes, informou-se que a SOCIEDADE Z tinha a intenção de apresentar à CVM

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    pedido de registro de OPA para promover o cancelamento de registro de companhia aberta da COMPANHIA X e a sua saída do Novo Mercado.

    1.5 Em 1°.12.2009, ocorreram duas reuniões do Conselho de Administração da COMPANHIA Xpara, dentre outros assuntos, aprovar a convocação de assembleia geral extraordinária para deliberar, primordialmente, sobre (i) a saída da companhia do Novo Mercado, (ii) o cancelamento de registro de companhia aberta, e (iii) a indicação da instituição especializada para preparação do laudo de avaliação da companhia necessário em razão da pretensão de se cancelar o registro de companhia aberta da COMPANHIA X.

    1.6 Em 2.12.2009, divulgou-se que as condições suspensivas da Transação haviam sido cumpridas. Também nesta ocasião, apontou-se que a SOCIEDADE Z iria submeter, até 18.12.2009, pedido de registro de OPA unificada referente à OPA por alienação de controle e à OPA de cancelamento de registro.

    1.7 Ato contínuo, a ZPAR e a COMPANHIA X divulgaram que, em 9.12.2009, "foi iniciada a realização da OPA, (...) uma vez que foi protocolado, na Comissão de Valores Mobiliários -CVM, pedido de registro de oferta pública de aquisição de ações da COMPANHIA X por conta da transferência do controle da COMPANHIA X (...), cumulada com a saída do Novo Mercado e com o cancelamento do registro de companhia aberta da COMPANHIA X (...)"1.

    1.8 Houve então súbita e inesperada mudança no rumo das condutas da SOCIEDADE Z. Na assembleia geral extraordinária de acionistas da COMPANHIA X, realizada em 18.12.2009, a SOCIEDADE Z comunicou "que somente realizar[ia] oferta pública de aquisição de ações em decorrência da alienação de controle da Companhia ",2 propondo e aprovando a retirada de pauta das deliberações relativas (i) ao fechamento de capital da sociedade, bem como (ii) à saída da COMPANHIA Xdo Novo Mercado.

    1.9 Seguiu-se que, em 24.12.2009, tanto a CVM quanto a BM&F Bovespa S.A. - Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros concederam registro para a realização de OPA por alienação de controle. Na edição de 28.12.2009 do Jornal Valor Econômico, publicou-se edital da referida OPA, onde constaram as seguintes informações:

    (i) que o Banco B havia preparado laudo de avaliação da COMPANHIA X nos termos da Instrução CVMn. 361, de 5 de março de 2002;

    (ii) que a SOCIEDADE Z "esclarece que o Preço da Oferta Pública aqui realizada já incorpora o prêmio previsto no artigo 34 do Estatuto social da COMPANHIA X, visto que (i) não houve aumento de capital mediante oferta pública da COMPANHIA X nos 24 meses que antecederam a alienação de controle da COMPANHIA X; (ii) o Preço da Oferta Pública é superior a 125% da cotação média dos últimos 90 pregões [sic] anteriores ao protocolo para realização desta Oferta Pública junto a CVM e o pregão do dia 22 de dezembro de 2009; e (iii) o Preço da Oferta Pública é

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    superior a 125% do valor econômico da COMPANHIA X apurado no Laudo de Avaliação elaborado para atendimento a Instrução CVMn. 361"; e

    (iii) "que, pelo motivo exposto acima a CVMnão entrou no mérito sobre a aplicabilidade do artigo 34 do Estatuto social da COMPANHIA X”

  2. Quesitos. Tendo em vista que:

    (a) o Estatuto social da COMPANHIA X contém, em seu artigo 34, a chamada cláusula de poison pill, a qual prevê a obrigatoriedade de se realizar oferta pública para aquisição de ações da companhia por um determinado preço sempre que uma pessoa ou um grupo de pessoas, acionistas ou não, vier a adquirir ou se tornar titular, por qualquer motivo, de ações de emissão da companhia ou de outros direitos sobre tais ações, em quantidade igual ou superior a 20% do seu capital social;

    (b) a Transação se deu também por meio da aquisição de participação indireta da COMPANHIA X, já que a SOCIEDADE Z adquiriu não só ações de emissão da COMPANHIA X, mas, também, da XPAR, holding pura titular de ações de emissão da COMPANHIA X;

    (c) a SOCIEDADE Z defende que o artigo 34 do Estatuto social da COMPANHIA X prescreve norma restritiva de direito. Nesse sentido, alega que a poison pill restringiria o direito de os acionistas da COMPANHIA X disporem de suas ações, pois que restringia o direito que qualquer pessoa tem de adquirir ações de emissão da COMPANHIA X;

    (d) a SOCIEDADE Z sustenta que a cláusula de poison pill constante no Estatuto social da COMPANHIA X tutela tão somente a dispersão acionária, e que, por este motivo, a Transação não faria incidir a cláusula em questão; e

    (e) a SOCIEDADE Z procedeu com o registro na CVM de OPA por alienação de controle, tendo publicado seu edital em 28.12.2009, onde constou a declaração de que o preço da OPA em questão já incorporaria o prêmio previsto no artigo 34 do Estatuto social da COMPANHIA X, pergunta-se:

    1) A Transação faria incidir o artigo 34 do Estatuto social da COMPANHIA X (i.e., a cláusula de poison pill)?

    2) O fato de a Transação ter-se dado também por meio da aquisição de participação societária da XPAR afastaria a incidência do referido artigo 34? Além disso, pode-se dizer que tal artigo estabelece norma restritiva de direitos e que, por esta razão, não incide à Transação?

    3) O fato de a Transação ter ensejado uma OPA por alienação de controle afastaria a incidência do referido artigo 34? Caso a resposta seja negativa, como se compatibilizariam os critérios de preço de cada uma dessas OPAs?

    4) Os acionistas controladores de sociedades anônimas estão sujeitos ao dever de maximizar o valor da venda das ações dos demais acionistas? Caso a resposta seja positiva, a aplicação da cláusula de poison pill a operações como a Transação garantiria aos acionistas minoritários um mecanismo de proteção contra os prejuízos que podem sofrer em razão do descumprimento, por parte dos antigos acionistas controladores, do dever de maximizar o valor da venda das ações dos demais acionistas?

    5) Pode a SOCIEDADE Z declarar que a OPA objeto do edital publicado em 28.12.2009 já incorpora o prêmio previsto no artigo 34 do Estatuto social da COMPANHIA X, ainda que não tenha respeitado o procedimento descrito nos parágrafos do referido artigo 34?

    6) Caso se decida pela incidência da cláusula de poison pill à Transação, pode a SOCIEDADE Z autonomamente determinar o momento em que se considera realizada a oferta pública de aquisição de ações? Caso a resposta seja

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    negativa, qual seria o momento em que se deveria considerar realizada a OPA para fins do cálculo da cotação unitária média referente aos 90 dias anteriores à realização da oferta?

II- O Parecer
II 1 - O dever de lealdade do acionista controlador
  1. O eminente mestre Herbert Wiede-mann, ao estudar, no seu magistral Direito Societário I - Fundamentos,3 os princípios valorativos desse ramo do direito privado,4 questiona qual a razão de ser da proteção à minoria no direito societário, semelhantemente ao que se dá no direito público, se todos os membros da coletividade, diversamente do que ocorre no direito público, perseguem o mesmo fim, se a sujeição à vontade da maioria é antecipadamente acordada e se existe, ainda, a previsão de direito de recesso.5

    Tal questionamento seria correto, diz o prestigiado ex-reitor da Universidade de Colônia, se nas organizações societárias uma maioria sempre alternada decidisse as questões e uma fundamental homogeneidade de interesses prevalecesse, o que não ocorre em grande parte dos casos.

    Nas associações ideais, os associados não raramente cindem-se em grupos e nas associações de massa (Massenverbände) o poder acaba sendo exercido por seus funcionários, dados os mecanismos burocráticos de instituição de cargos e o absenteísmo dos associados nas assembleias.6

    Nas sociedades empresárias, por seu turno, a formação da vontade não ocorre por cabeça, mas pela participação no capital; desde que a maioria dos votos esteja em mãos de um só sócio ou de um grupo estável, o procedimento deliberativo perde o seu sentido.

  2. É que a vinculação da minoria à maioria, como lembra Wiedemann, tem por base a ideia de uma composição de interesses, tal como ocorre em uma negociação contratual; quando há uma maioria estável, todavia, o resultado da deliberação assemelha-se ao de um negócio consigo mesmo (Insichgeschäft)... A maioria não delibera, ordena.

    Nesses casos, somente aparece a forma de...

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