Juventude, drogas e biopolítica

AutorAlcides Jose Sanches Vergara - José Sterza Justo
CargoDoutorando em Psicologia e Sociedade na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus de Assis. Professor Assistente do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina (UEL) - Livre-Docente em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho...
Páginas87-119
DOI:10.5007/1807-1384.2011v8n2p87
JUVENTUDE, DROGAS E BIOPOLÌTICA
YOUTH, DRUGS, AND BIOPOLITICS
JUVENTUD, DROGAS Y BIOPOLÍTICA
Alcides Jose Sanches Vergara
1
José Sterza Justo2
RESUMO:
No presente artigo, trataremos o tema da juventude e das drogas como uma questão
vinculada à biopolítica e ao biopoder, conceitos elaborados por Michael Foucault. A
juventude e as drogas são tomadas e analisadas nas situações que envolvem a
gestão da criminalidade A juventude, irreverente, corajosa, saudável, idealista, e que
queria mudar o mundo para melhor, tal como foi retratada em outras épocas, hoje,
está sendo fortemente associada à violência, perigos, riscos pessoais e sociais, à
dependência de drogas, à criminalidade e a outras imagens negativas. Para lidar
com esses jovens já não bastam à tolerância e os pequenos castigos de outrora. Os
jovens emergem como um segmento da população objeto de ações e programas
diversos. As drogas passam a ser vistas como questões de segurança e de saúde
pública. Observa-se um deslocamento e reposicionamento no discurso acerca dos
jovens - de menor, drogado e criminoso para infrator, usuário e dependente químico.
A mudança é sutil, mas representa uma modulação nos dispositivos de controle
social. Busca-se, além da anuência do jovem para que se livre das drogas, a criação
de um amplo espaço de monitoramento de sua conduta, mediante a ativação de
redes comunitárias de proteção. Concorre para o crescente controle dos jovens na
atualidade a crença de que são mais influenciáveis e vulneráveis e que a ação na
origem do problema ou a diminuição dos riscos é a forma mais eficiente de gestão,
retirando a responsabilidade da esfera pessoal e familiar e transferindo-a para a
esfera do Estado.
Palavras-chave: Modernidade. Juventude. Consumismo. Drogas. Criminalidade.
1 Doutorando em Psicologia e Sociedade na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP), Campus de Assis. Professor Assistente do Departamento de Psicologia Social e
Institucional da Universidade Estadual de Londrina (UEL) E-mail: alcidevergara@hotmail.com
2 Livre-Docente em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP), Doutor em Psicologia pela mesma universidade, docente do curso de
graduação e pós-graduação em Psicologia na UNESP - Campus de Assis. E-mail:
sterzajusto@yahoo.com.br
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Adaptada.
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.8, n.1, p. 87-119, jan/jul. 2011
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ABSTRACT:
In this article, we tackle the issue of youth and drugs as something linked to biopower
and biopolitics, both concepts developed by Michael Foucault. Youth and drugs are
taken and analyzed in situations involving the management of crime linked to the
risks and deviations from the law, abuse and dependence. The youth; irreverent,
courageous, healthy, idealistic, and that wanted to change the world for the better as
we have seen in the past, is now strongly related to violence, dangerous activities,
moral and social risks, drug addiction, criminality, and others negative images. To
deal with these young people, tolerance and small punishments of yore are not
enough anymore. The young people emerge as a segment of the population subject
to various actions and programs. The drugs now are seen as matters of security and
public health. There is a shifting and repositioning in the discourse about the young -
from minor, drugged, and criminal to lawbreaker, user and drug addict. The change is
subtle, but represents a modulation in the devices of social control. Beyond the
consent of the young to get rid of drugs, there is a search for the creation of a wide
area of monitoring of their behavior through the activation of community protection
networks. The belief that the young are more impressionable and vulnerable, and
that action on the cause of the problem or risk reduction are the most efficient ways
of management, taking responsibility away from personal and family sphere and
transferring it to the State, contributes to the increasing control of young people
nowadays.
Keywords: Modernity. Youth. Consumerism. Drugs. Criminality.
RESUMEN:
En el presente artículo trataremos el tema de la juventud y de las drogas como una
cuestión vinculada a la biopolítica y al biopoder, conceptos elaborados por Michael
Foucault. La juventud y las drogas son analizadas en las situaciones que implican la
gestión de la criminalidad. La juventud, irreverente, valiente, saludable, idealista y
que quería cambiar el mundo mejorándolo, tal como fue retratada en otras épocas,
hoy está siendo fuertemente asociada a la violencia, a peligros, riesgos personales y
sociales, dependencia de drogas, criminalidad y otras imágenes negativas. Para
lidiar con esos jóvenes no bastan la tolerancia ni los pequeños castigos de otrora.
Los jóvenes emergen como un segmento de la población objeto de acciones y
programas diversos. Las drogas pasan a ser vistas como asuntos de seguridad y de
salud pública. Se observa un desplazamiento y reposicionamiento en el discurso
acerca de los jóvenes: pasan de menores, drogadictos y criminales a infractores,
usuarios y dependientes químicos. El cambio es sutil, pero representa una
modulación en los dispositivos de control social. Se busca, además de la aceptación
del propio joven en cuanto a librarse de las drogas, la creación de un amplio espacio
de monitoreo de su conducta mediante la activación de redes comunitarias de
protección. Para el control creciente de los jóvenes en la actualidad, también actúa
la creencia de que éstos son más influenciables y vulnerables y que la acción en el
origen del problema o la disminución de los riesgos es la forma más eficiente de
gestión, retirando la responsabilidad de la esfera personal y familiar y transfiriéndola
para la esfera del Estado.
Palabras claves: Modernidad. Juventud. Consumismo. Drogas. Criminalidad.
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.8, n.1, p. 87-119, jan/jul. 2011
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INTRODUÇÃO
O presente artigo visa apresentar a criminalidade juvenil, sua vinculação com
o modo de vida consumista, o tráfico e o uso abusivo de drogas, e
fundamentalmente analisar o tema como uma questão de gestão da população no
que concerne aos dispositivos, estratégias e táticas necessárias à
governamentalidade, à biopolítica e ao biopoder, conceitos elaborados por Michael
Foucault.
Segundo Foucault (2008, p. 230, 231), desde o final do século XVIII e ao
longo do século XIX, se construiu todo um sistema jurídico produtor de ilegalidades,
manejos e segregações, colocando em cena a figura da delinqüência, controlada e
vigiada pela polícia. A fiscalização geral da população, por meio da vigilância, exige
a criação de um cerco fechado em torno da delinqüência. Surgem controles policiais
ostensivos, técnicas de identificação e localização dos criminosos, mandatos de
prisão, decisões da justiça e todo um cortejo de ações voltadas para controlar o
campo social. Segundo Foucault, essa ilegalidade concentrada, controlada e
desarmada é bastante útil. Suas primeiras vítimas são os pobres acossados de
todos os lados pela polícia e expostos a longas penas de prisão, depois de uma vida
de crimes.
[...] A lei e a justiça não hesitam em proclamar sua dissimetria de classe. A
utilização política dos delinqüentes é um fato sabido bem antes do século
XIX. [...] A delinqüência solidificada em um sistema penal centrado na
prisão, representa um desvio de ilegalidade para os circuitos de lucro e de
poder ilícitos da classe dominante. [...] A delinqüência funciona como um
observatório político (Foucault, 2008, p.230-234).
A prisão e o sistema carcerário produzem a delinqüência como um tipo
especifico de ilegalidade menos perigosa política ou economicamente. Produzir o
delinqüente e, ao mesmo tempo, especificar uma delinqüência rebelde e dócil, é o
efeito produzido pelo sistema carcerário com todas as suas ramificações.
As redes de prostituição, os tráficos de armas e drogas são a demonstração
desse funcionamento da delinqüência útil. A proibição legal e os instrumentos para
gerir as ilegalidades se associam estreitamente com as práticas de transgressão,
sobre as quais se chega a exercer controle e a tirar um lucro ilícito por meio de
procedimentos ilegais, mas tornados manejáveis por sua classificação como
delinqüência.

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