A Justiça Analógica Rumo ao Processo Digital: a Pejotaeização da Prestação Jurisdicional Trabalhista

AutorRodrigo Garcia Schwarz
CargoJuiz do Trabalho na 11ª Vara do Trabalho de Guarulhos (2ª Região)
Páginas66-79

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As novas tecnologias de informação e comunicação, por meio de movimentos que interligam informacionalismo, economia do conhecimento e sociedade em rede, têm se convertido, de forma contundente, e em ritmo vertiginoso, em parte importante de nossas vidas. Esse conjunto de recursos, técnicas e procedimentos utilizados no processamento, no armazenamento e na transmissão — cada vez mais fáceis, mais rápidos e mais intensos — de informações faz-se dramaticamente presente em cada vez mais dimensões de nossas vidas econômicas, sociais e culturais: da agricultura ao monitoramento do meio ambiente planetário, do clima global ou da biodiversidade, e à democracia participativa, passando, do local ao global, pelo e-comércio, pelos serviços financeiros remotos (home banking), pelo teletrabalho, pela tele-educação (e-learning), pela telemedicina (telessaúde), pelos novos processos de tomada de decisões e pela reforma organizacional e modernização do setor público. Alterando as formas mais tradicionais de interação entre cidadãos (sujeitos de direitos), empresas públicas e privadas e gestores públicos e agências políticas, e as respectivas redes sociais, profissionais e educacionais, e fornecendo novas capacidades a estas mesmas redes (Manuel Castells), as novas tecnologias de informação e comunicação tendem a ocupar, inegavelmente, um lugar de relevância crescente na vida humana e no funcionamento das sociedades, colocando novos desafios aos seus agentes e interferindo no quotidiano e na delimitação dos horizontes existenciais dos cidadãos — e, por extensão, nas suas demandas e nas respostas dos poderes públicos às demandas sociais.

Computadores e computadores ultraportáteis — notebooks, ultrabooks e netbooks —, tablets, GPS e telefones celulares, entre outros dispositivos eletrônicos, redes sem fio em locais como um escritório (o trabalho), um bar, um aeroporto, um terminal rodoviário ou um parque, ou até mesmo em casa, com conexão instantânea à internet, e serviços destinados à informação e à comunicação remota, como correios eletrônicos (e-mails), mensagens de texto no telefone celular, blogs, redes sociais (MySpace, Facebook, LinkedIn, Twitter, etc.) e aplicativos on-line em páginas web (YouTube, eMule, Kazaa, etc.), têm modificado nossas formas de expressão e interatuação e nossas referências de espaço e de tempo. Fazemos, com eles, muitas coisas, a partir de praticamente qualquer lugar, por uns poucos cliques. Artistas, personalidades públicas e políticos, e também pessoas comuns, têm seus blogs, seus vídeos no YouTube e estão presentes nas redes sociais. Todos nós podemos, com acesso à internet, compartilhar ideias, fotografias, imagens e arquivos de vídeo e/ou áudio de forma quase ilimitada. Também os protestos sociais organizam-se — e, às vezes, efetivamente se realizam e se propagam — por meio das redes sociais, na web. Desenvolvem-se plataformas de comércio eletrônico, de bancos on-line, de e-saúde, de e-learning, etc. Há sites na web onde podemos ter acesso a serviços tão inusitados, numa perspectiva virtual, como consultas espirituais, astrologia, numerologia, tarô e feitiços para o amor e a sorte — e até serviços on-line para que possamos encontrar o amor da nossa vida com uns poucos cliques. Desenvolvem-se, portanto, novas ferramentas e novas modalidades de inclusão e de exclusão. A nossa vida, essen-cialmente analógica, ganha uma crescente — e envolvente — dimensão digital; nós,

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seres analógicos, estamos cada vez mais imbricados em processos digitais; e a sociedade, analógica na sua essência, está se transformando em uma sociedade em rede.

Essas mudanças dramáticas em nossas vidas, relacionadas ao processamento e à difusão da informação por novos meios tecnológicos, à comunicação remota instantânea, à aparição de novos códigos e linguagens e à especialização progressiva dos conteúdos nas pequenas telas dos dispositivos eletrônicos que usamos impactam fortemente também a política e o setor público. Os cidadãos, de forma cada vez mais intensa e frequente, requerem uma administração pública — um serviço público — mais ágil, mais transparente, mais conectada e mais adaptada à sociedade da informação em temos de práticas de (boa) governança. Atualmente, por meio de distintos sites na internet, o cidadão pode, em vários países, pagar contribuições, impostos e taxas, solicitar benefícios da seguridade social, licenciar veículos automotores, solicitar certidões, solicitar licenças para a construção civil, fazer denúncias, consultar dados cadastrais pessoais, requerer documentos pessoais (documentos de identidade, cadastros fiscais, passaportes, licenças para a condução de veículos automotores, etc.), fazer sua matrícula em estabelecimentos de educação superior, acessar catálogos de bibliotecas e documentos públicos em geral, inscrever-se em concursos públicos, etc.; as empresas também podem, via web, apresentar declarações, pagar impostos e taxas, obter informações, registros, certidões e licenças ambientais, publicar balanços contábeis e informações econômico-financeiras de interesse de seus investidores e do mercado em geral e participar de compras públicas e licitações.

As administrações públicas, nesse contexto, têm que poder, nas suas diversas esferas, com o recurso a essas tecnologias de informação e comunicação, dar respostas mais rápidas aos cidadãos — às suas demandas sociais — e tornar mais transparentes, mais céleres e mais participativos os processos de tomada de decisões. A publicidade, por intermédio da web, de dados concernentes ao orçamento dos entes públicos e às despesas públicas, às licitações, aos concursos públicos e às contratações públicas, dá maior transparência e densidade democrática às decisões nas diversas esferas de poderes do Estado, pelo acesso à informação pública e pelo controle da corrupção. Em diversos países, iniciativas de leis de transparência, de acesso à informação e de boas práticas de governança têm posto em marcha ações que tendem a ampliar — qualiquantitativamente — o direito fundamental dos cidadãos à informação e à participação e que reforçam a responsabilidade dos gestores públicos no exercício de suas funções, sobretudo no manejo dos recursos que são de todos, experiências que contribuem, virtuosamente, para reforçar a democracia e os direitos dos cidadãos. No Brasil, por exemplo, a Lei de Transparência (LC n. 131/2009) obriga a União, os Estados e os Municípios — inclusive os órgãos legislativos e judiciários — à publicação de suas receitas e despesas na internet.

Nesse contexto, o Poder Judiciário é também devedor de uma maior acessibilidade e de uma maior transparência aos cidadãos (jurisdicionados) — se não, em verdade, o maior dos devedores, já que julga os reclamos sociais contra os demais setores do Estado. Em

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vários países, diferentes experiências têm tratado de buscar ampliar a acessibilidade aos — e a transparência substancial dos — trâmites judiciais, sempre com o objetivo de garantir aos cidadãos um processo judicial mais acessível, mais célere, mais transparente e mais seguro — e, portanto, uma atuação judicial mais efetiva e mais justa. As novas tecnologias de informação e comunicação, sem dúvida, impactam sobre o exercício do direito de ação e colocam novos desafios a uma resposta judiciária efetiva — impactam, portanto, sobre a forma do processo, dos atos processuais e dos documentos juntados ao processo, sobre os trâmites do processo e até mesmo sobre os próprios princípios do processo judicial tradicional, transformando a nossa Justiça analógica em justiça eletrônica. Nesse sentido, a International Association of Procedural Law (IAPL) dedicou, em 2010, a Conferência de Pécs (Hungria) exclusivamente à matéria da justiça eletrônica (Electronic Justice — Present and Future), para estudar os impactos...

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