Novas Figuras Juslaborais na Jornada de Trabalho dos Motoristas Profissionais: Tempo de Direção, Tempo de Espera e Tempo de Reserva

AutorGérson Marques/Ney Maranhao
Páginas145-161

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I - Introdução

Após intensos e contínuos debates acerca da realidade laboral da profissão de motorista rodoviário transportador de cargas e de pessoas, sobreveio, em abril de 2012, título normativo regulamentador materializado na Lei n. 12.619/2012.

O tema, desde sempre controvertido, como se pode perceber pela variação jurisprudencial1 sobre a duração de trabalho dos motoristas, em especial no tocante à incidência do art. 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho, ganhou, com a dita lei, novos contornos.

Esta nova conformação legal já vem merecendo interessantes reflexões2, ainda mais porque se trata de tema que bem revela o natural caráter dialético que sempre marca o processo sociopolítico da edição das normas trabalhistas, mormente quando se trata de conciliar capital e trabalho sobre a jornada laboral.

Neste trabalho, propõe-se a leitura, o conhecimento, a interpretação e o estudo da nova lei, em especial no que se refere ao regramento da duração de trabalho para os motoristas no que tange às novas figuras trazidas, quais sejam: “tempo de direção”, “tempo de espera” e “tempo de reserva”.

Para tanto, em momento anterior, será feita incursão sobre os preceitos gerais relativos à duração do trabalho, afinando conceitos para qualificar o ingresso na nova temática.

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II 1. Da duração do trabalho no contexto geral trabalhista. Afinando conceitos

Mauricio Godinho Delgado3, ao tratar sobre a duração do trabalho, esclarece que tal “Abrange o lapso temporal de labor ou disponibilidade do empregado perante seu empregador em virtude do contrato , considerando distintos parâmetros de mensuração: dia (duração diária, ou jornada), semana (duração semanal), mês (duração mensal), e até mesmo ano (duração anual)”.

Por sua vez, Gustavo Filipe Barbosa Garcia4, recortando o conceito em um primeiro momento, afirma que “pode-se conceituar jornada de trabalho como o montante de horas de um dia de labor”. Em seguida, faz a necessária complementação para lembrar que “Na reali-dade, são computadas na jornada de trabalho não só o tempo efetivamente trabalhado, mas também o tempo à disposição do empregador”.

As conceituações trazidas pelos Ilustres Doutrinadores já demonstram que a ideia inicial de duração do trabalho vinculada apenas ao tempo de efetiva prestação de serviços em benefício do empregador não possui respaldo doutrinário e, como se verá, legal. Como bem já pontuado pelos autores, integram a duração do trabalho tanto o tempo de efetivo labor quanto o tempo em que o empregado fica à disposição do tomador dos serviços.

As ponderações derivam de disposição legal expressa consubstanciada no art. 4º da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis: “Considera-se como de serviço efetivo o pe- ríodo em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. Para além da simples conclusão acima já apontada, a disposição aqui transcrita traz algumas outras consequências.

Em primeiro lugar, percebe-se que a lei não estatuiu, quando considerada a estrutura gramatical do texto, a categoria “jornada” ou “duração” como um gênero composto por duas outras subcategorias ou espécies, que seriam o “tempo de efetivo labor” e o “tempo à disposição”. Se assim tivesse caminhado a técnica legislativa, poder-se-ia, com base em uma noção morfológica de “corpo formado por uma pluralidade de partes”, fazer eventual distinção de essência ou natureza de cada uma dessas partes. E se assim o fosse, apontar-se-ia quase que automaticamente para uma possível diferenciação das partes quanto à forma, con- teúdo, função e, o mais importante, valor. Assim, o caminhar estruturante da lei, decerto, abriria espaço ao intérprete para que ele construísse uma concepção axiologicamente hierarquizada entre os elementos ou partes que comporiam o corpo. Em outras palavras, o exegeta poderia estabelecer diferenciação de valor ou peso axiológico entre “tempo de efetivo labor” e “tempo à disposição”.

Com efeito, a lei não tomou o caminho suposto no parágrafo anterior. Ao invés de fazer a integração do instituto por meio do somatório de dois subtipos, a norma foi editada com a consideração heurística de que jornada ou duração de trabalho significa quantidade de tempo de serviço prestado. Isso pode claramente ser notado à medida em que o legislador elegeu como núcleo convergente comparativo dentro do tipo legal o termo “serviço efetivo”. Ou seja, essa foi a base sobre a qual se decidiu construir, a priori, o equivalente linguístico para significar jornada ou duração do trabalho. Tanto é assim que, ao prosseguir no texto legal, percebe-se que é o “tempo à disposição” que caminha para se equivaler ao “tempo de serviço efetivo” e não o contrário.

Ora, ao tratar a questão pela via da “equivalência” — o tempo à disposição equivale à tempo de serviço efetivo — e não pela via da “composição” — a duração do trabalho composta por duas subcategorias ou subtipos diferentes, mas convergentes — a lei eliminou a possibilidade de se fazer diferenciação funcional

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e axiológica das partes e terminou por asseverar que, para fins jurídicos e de duração de trabalho, tempo de efetivo labor e tempo à disposição se equivalem e, por isso, devem ser tomados, em linha de princípio, no mesmo patamar axiológico. Tem-se, pois, que, para efeito de duração do trabalho, pouco importa distinguir entre tempo de efetivo labor e tempo à disposição. Ambos se equivalem e geram os mesmos efeitos.

Ainda caminhando pelo art. 4º da CLT, faz-se importante também buscar o significado do termo “esteja à disposição do empregador”, ou seja, do aludido “tempo à disposição”. Nesse caminhar, cabe aferir a amplitude desta disponibilidade em benefício do empregador.

Esta missão ganha um elemento facilitador ao se perceber que o termo vem qualificado por outro, no caso o seguinte: “aguardando ou executando ordens”. Unindo-se, pois, os elementos, tem-se que não será considerado como temo de efetivo serviço, por equivalência, qualquer modalidade de “tempo à disposição”, mas sim aquele tempo em que o empregado esteja não apenas à disposição, mas igualmente “aguardando ou executando ordens”.

A qualificação do tempo à disposição, nos termos acima, traz ao intérprete uma importante projeção acerca do que poderia ser denominado de “amplitude de disponibilidade do empregado”, a qual termina por possibilitar a estratificação ou classificação da disponibilidade em diferentes níveis.

Ao se apontar para a diferenciação de graus de disponibilidade do empregado, é natural que se recorra, seja por intuição ou por conhecimento científico, à noções comparativas de variação de grandezas, muito bem sistematizadas na matemática quando se estuda “função”. Trazendo a organização das ideias em estrutura matemática para o estudo do tema jurídico, pode-se dizer, então, que a equivalência do “tempo à disposição” com o “tempo de efetivo serviço” — variável dependente — está relacionada, como já pontuado alhures, com o nível ou grau de indisponibilidade do empregado — variável independente. Nesse caminhar, ainda fazendo uso dos conceitos matemáticos, tem-se que a equivalência do “tempo à disposição” com o “tempo de efetivo serviço” será inversamente proporcional ao nível de indisponibilidade do empregado para atender ao empregador. Ou seja, quanto maior o grau ou nível de indisponibilidade do empregado aos desígnios da relação de emprego, menor será a intensidade de equivalência do “tempo à disposição” com o “tempo de efetivo serviço”. Por outro lado, quanto menor for o grau ou nível de indisponibilidade do empregado ao comando empregatício, maior será a intensidade de equivalência já mencionada.

Com efeito, a variável independente apontada, qual seja, o grau de indisponibilidade do empregado, remete a pesquisa, quase que instantaneamente, à abordagem da liberdade do empregado em relação aos deveres e contingências do contrato de emprego.

Como se vê, deve-se ir muito além do que Dworkin5 chamou “posição nominalista”, em que se adota a postura de ignorar os verdadeiros motivos que sustentam a afirmação de uma determinada obrigação jurídica. É preciso prosseguir em busca desses fundamentos, em busca dos valores e princípios que amparam o texto legal. Ao longo do pequeno caminhar ao norte feito, já se inferiu que a questão do “tempo à disposição” como elemento equivalente ao efetivo labor prestado remete-nos, para além do texto legal, à tutela do valor liberdade, a ser considerado tanto no contexto do desenvolvimento da relação de emprego quanto na seara externa a esta relação. E neste caminhar, ainda cabe ligar o valor liberdade do empregado ao primado do valor social do trabalho, situando o empregado para além dos moldes da relação de emprego, como sujeito titular de outros direitos que pressupõem maior amplitude de liberdade em face da relação contratual.

Caminhando, ainda, pela identificação dos ditos valores ou princípios, também se pode no-

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tar que, ao lado da questão relativa à liberdade do empregado, está, novamente, a importante percepção de que o legislador não descreveu no art. 4º da CLT a equivalência do “tempo à disposição” ao “tempo de efetivo serviço” de forma absoluta. Ou seja, como já alertado, se é verdade que o “tempo à disposição” veio qualificado pelo termo “aguardando ou executando ordens” e que, pela construção alhures, se pode vislumbrar a questão do grau de (in)disponibilidade — e da liberdade no contexto do valor social do trabalho — do empregado na relação de...

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