Os Juristas da Tradição Ocidental: discursos e arquétipos fundamentais

AutorVladimir de Carvalho Luz
CargoDoutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Professor do curso de graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense e professor convidado da Universidade de Passo Fundo
Páginas161-194
Os Juristas da Tradição Ocidental: discursos e
arquétipos fundamentais
Vladimir de Carvalho Luz1
Resumo: O presente artigo analisa a construção
histórica dos discursos e a simbologia típica dos
peritos do campo legal durante períodos espe-
cíficos da tradição ocidental. Nessa perspecti-
va, utilizando-se da categoria “arquétipo”, são
destacadas as características dos experts na lei
e a produção de seus ritos e papeis sociais pró-
prios. Neste processo de análise histórica é evi-
denciada a simbologia peculiar decorrente da
fala destes atores sociais ao longo de formações
históricas pré-modernas e modernas. O trabalho
ressalta que a percepção da articulação histórica
entre discurso, simbologia profissional e poder
é fundamental para se avaliar o campo do di-
reito e seus atores fundamentais. Dessa forma,
para se avaliar criticamente as teorias jurídicas
contemporâneas, é preciso que haja uma com-
preensão mínima desse complexo processo so-
cial em que os juristas, em cada momento his-
tórico, tendem a assumir certas representações
simbólicas necessárias à legitimação de estrutu-
ras do poder vigente.
Palavras-chave: Juristas. Arquétipos. Discur-
so. Tradição Jurídica Ocidental.
Abstract: This article aims to analyze the
historical constructions of discourses as well
as the typical symbolism of the experts of the
legal field during some specific periods of
the Western tradition. From that perspective,
under the “archetype” category, both the cha-
racteristics of such law experts and the pro-
duction of their own rites and social roles are
highlighted. This process of historical analysis
emphasizes the peculiar symbolism resulting
from the discourse of such social actors throu-
ghout pre-modern and modern historical for-
mations. This work points to the fact that the
perception of the historical articulation amid
discourse, symbolism and power training is
essential to evaluate the law area and its key
players. Thus, critically evaluating contempo-
rary law theories requires a minimal unders-
tanding of the complex social process in which
jurists, in each historical moment, tend to as-
sume certain symbolic representations so as to
legitimate existing power structures.
Key words: Jurists. Archetypes. Discourse.
Western Legal Tradition.
1 Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade
Federal da Bahia. Professor do curso de graduação em Direito da Universidade do
Extremo Sul Catarinense e professor convidado da Universidade de Passo Fundo. E-mail:
vladimirluz@gmail.com.
Recebido em: 06/01/2012.
Revisado em: 06/03/2012.
Aprovado em: 10/03/2012.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n64p161
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1 Introdução
Os juristas mantêm, há séculos, uma peculiar relação com a “verda-
de” oriunda do seu labor. Talvez nenhum outro campo do conhecimento,
no mundo ocidental, tenha se empenhado tanto em produzir, na sua luta
pelo reconhecimento social de suas “verdades próprias”, construtos teó-
ricos tão diversificados, simbologias e máscaras sociais tão complexas e
paradoxais. Mas, sejam quais forem suas “verdades”, bem como as teo-
rias que lhe deram suporte – do passado e do presente –, como compre-
ender, à luz de uma abordagem precária e pontual, os processos históricos
de construção simbólica desses atores sociais e de suas falas singulares?
Mesmo inseridos no âmbito das profissões historicamente tradicio-
nais, como as engenharias e a medicina, os saberes dos doutos nas leis
se consolidaram, grosso modo, no mundo ocidental, e mais precisamente
nos países de formação romano-germânica, em vários ramos de aborda-
gem tão ricos e variados sobre as respostas possíveis à pergunta que sem-
pre embaraçou os juristas: afinal, o que é o direito? No campo jurídico,
talvez mais do que nas áreas “irmãs” (aspas propositais) das ciências so-
ciais, há uma miríade de filosofias do direito, teorias do direito, dogmáti-
ca jurídica, doutrinas regionais, sociologia do direito, história do direito,
“ciências auxiliares” e disciplinas “autônomas”, as quais disputam um pe-
daço do latifúndio (às vezes improdutivo) que busca a resposta à pergunta
essencial sobre o que é e para que serve o direito. Essa aparente e falsa
interdisciplinaridade que marca profundamente, e ab ovo, o campo da re-
flexão jurídica, como será visto, não é por acaso. Alguns motivos podem
ser desde já colacionados.
O campo do direito, da normatividade humana, é, de fato, uma en-
cruzilhada de significações, sejam elas morais, políticas, filosóficas e téc-
nicas, para as quais os juristas são instados a dar resposta e fundamento.
Por isso, num primeiro e precário esforço de compreensão, sempre há de
se falar em “juristas”, no plural, pois parece ser impossível traçar, ao cer-
to, quem é esse personagem de atuação tão diversificada criado no inte-
rior das instituições ocidentais: sacerdote, juiz, douto, professor, parece-
rista, filósofo, cientista, político ou sociólogo? Dirão alguns: esse é um
paradoxo apenas para os puristas do passado positivista, ansiosos pela au-
Vladimir de Carvalho Luz
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tonomia da “ciência do direito”, o que já deveria ter sido superado quando
se fala, no século XXI, em transdisciplinaridade e multidisciplinaridade.
Em face de tal objeção, porém, resiste o fato observável de que, no direi-
to, esse “mal-estar”, essa crise de identidade epistemológica, está muito
longe de cessar seus efeitos. O problema vai além do escopo meramente
classificatório, e transcende o objetivo nutrido pela epistemologia jurídica
de encontrar espaço no amplo terreno conquistado pelas ciências duras.
É algo que possui dimensões maiores. Pois, ao final e ao cabo, o que
sobra da atividade intelectual dos juristas, sejam eles quem forem, façam
o que façam, pensem o que pensem, são puros atos de poder. A interpre-
tação e a decisão são, no campo do direito, mais que posturas puramente
gnosiológicas, mas atos de poder, de violência legitimada. No presente arti-
go, busca-se, pois, colocar em evidência a relação estreita entre as diversas
simbologias construídas acerca do papel social dos juristas e suas falas de
poder a partir da análise de alguns contextos pontuais da tradição ocidental.
2 Juristas e Arquétipos
Muitas imagens ou mesmo tipos ideais se ligam ao que hoje se cha-
ma indiscriminadamente de jurista. Para cumprir o desiderato deste bre-
ve trabalho, insere-se como referência de análise a categoria “arquétipo”.
Ou seja, a verdade dos juristas, bem como a sua estrutura discursiva não
emerge fora da extensa simbologia social à qual se vincula indelevelmen-
te a fala dos experts. Expressam eles, os especialistas do campo normati-
vo, arquétipos de um tipo muito especial de fala autorizada. Daí que, mais
que um sujeito abstrato do conhecimento, o jurista ocidental se mostrou
como um símbolo social poderoso, e uma proposta de análise histórica
que aspire compreender criticamente a emergência de seu discurso deve
considerar a relevância deste campo simbólico, antes mesmo de se apro-
priar, ex extra, deste mesmo discurso. Nessa linha, a ideia de arquétipo é
tomada apenas como inspiração das reflexões originárias de Carl Jung.
Mesmo considerando que o presente artigo não segue uma abordagem
psicanalítica, o sentido junguiano do termo serve de quadro de referência
para o objetivo anunciado.

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