Os Protagonistas dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

AutorOriana Piske
CargoJuíza de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)
Páginas30-38

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Na Constituição cidadã de 1988, o Poder Judiciário passou a ter uma participação ativa no processo democrático, especialmente com a sua presença mais efetiva na solução dos conflitos e ao ampliar a sua atuação com novas vias processuais, demonstrando preocupação voltada prioritariamente para a cidadania, através de instrumentos jurídicos, normas, preceitos e princípios que sinalizam a vontade popular de ter uma Justiça célere e distributiva.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em função do disposto no seu artigo 98,I, foi determinada a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, cabendo à União, no Distrito Federal e nos Territórios, e aos Estados, criar "Juizados Especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento

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de recursos por turmas de juízes de primeiro grau".

Os Juizados Especiais são integrados por juízes de direito de primeira instância que homologam acordos, decidem as causas e também julgam recursos. Além de juízes de direito, os Juizados são compostos de conciliadores, atermadores e servidores que trabalham em uma Secretaria de Juízo, como escrivães, escreventes, oficiais de justiça, contadores e demais auxiliares. Para o seu bom funcionamento, é necessária a presença de magistrados, de promotores de justiça, de advogados, de defensores público, de serventuários da justiça e de conciliadores.

1. O magistrado, o promotor, o advogado e o defensor público

A atualidade vem exigindo uma profunda tomada de consciência do magistrado quanto ao papel social que deve desempenhar junto à sociedade. Não mais como uma figura autômata, como imaginava Montesquieu, mas, ao contrário, hoje é um profissional preparado multidisciplinarmente e atento às mudanças e angústias sociais, ao mesmo tempo que dotado de prudência, valores e virtudes éticas para encontrar a solução que possa melhor contribuir para a efetiva tutela dos direitos dos cidadãos e para a paz social.

O juiz é o guardião dos interesses públicos e privados, é responsável em dizer a última palavra sobre o direito, como dever institucional de que está privativamente investido1. Exige-se, além da imparcialidade, apanágio de sua função, o dever de incorruptibili-dade e a obrigação moral de ditar a sentença, sendo-lhe vedado o non liquet, por constituir denegação da justiça2.

A Lei 9.099/95 deu ampla condição ao juiz para melhor formar sua convicção, determinando, quando lhe convier, as provas a serem produzidas, podendo inclusive limitar, nesse campo, a atividade das partes sem que haja qualquer cerceamento de defesa (confira-se a parte final do art. 33).

Outrossim, o juiz apreciará as provas produzidas e as que porventura tenha que determinar com os olhos voltados para as regras de experiência comum ou técnica. Tais regras são extraídas pelo julgador examinando aquilo que ordinariamente acontece nas relações humanas; são as máximas de experiência, dentro do conceito de normalidade comum das coisas.

O legislador conferiu ao magistrado amplos poderes, e ele deverá exercê-los atentando para os princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, de modo a facilitar o acesso de todo cidadão ao caminho efetivo da Justiça.

Acrescente-se que, no tocante à aplicação da lei, a fórmula é também mais ampla do que aquela comum, prevista no artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil, uma vez que, nos termos do artigo 6o da Lei 9.099/95, o juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.

Portanto, o supracitado artigo da Lei dos Juizados Especiais confere ao magistrado o uso da equidade, na interpretação e concreção da lei e do fato da causa, decidindo sempre com a preocupação de fazer justiça.

Vale lembrar que o juiz tem o seu livre convencimento, expressado como um princípio processual constante no artigo 131 do CPC, "por constituir irrespondível lição aos juspositivistas ortodoxos, de que até mesmo no seio das correntes doutrinárias mais tradicionais há vaga para a expressão da tendência ideológica do magistrado, cal-deada pela opinião pública e pelo posicionamento da jurisprudência"3. Não há Justiça sem ideologia. É de uma atualidade atemporal a observação feita pelo professor Raimundo Nonato Fernandes:

"Os tempos novos, entretanto, começam a abalar os alicerces dessas concepções tradicionais. O conceito de Justiça parece impregnar-se de um sentido político, que se traduz na procura de novas soluções para os problemas do homem e da sociedade (...). Existe a preocupação de imprimir à Justiça um conteúdo definido, de identificá-la com uma aspiração de reforma social e política, de dar-lhe, enfim, uma diretiva ideológica.4

Deverá o juiz sempre motivar todos os seus atos, como princípio constitucional obrigatório para o controle da administração da Justiça5, garantia contra o arbítrio.

Não obstante toda sua falibilidade humana, requer-se do juiz um constante aperfeiçoamento cultural, moral e até mesmo espiritual, porque constitui personagem fundamental no restabelecimento da harmonia social, desempenhando relevante papel na realização concreta do direito. Em toda sua conduta exige-se, sobretudo, a pru-

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dência, a reta estimativa das leis (evitando o error in judicando), a humildade no saber (intelectual e profissional), a sagacidade (presteza no julgamento), circunspecção e cautela, para manter íntegra sua autoridade e sua independência.

O Ministério Público é uma instituição que, a partir da Constituição de 1988, apresentou-se como guardiã das liberdades públicas e privadas e dos direitos de cidadania, com uma atuação digna de registro pela maneira com que vem desempenhando seu ofício, num exercício combativo na luta pela concretização dos direitos de cidadania.

O Ministério Público, na esteira do que estabelece o artigo 127 da Constituição Federal, "é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". É inerente ao desempenho do munus, primordialmente, a defesa do interesse público, tanto ligado ao autor, ao réu, ou mesmo desfavorável a ambos, já que ressalta a obediência aos ditames legais. A sua atuação no processo não decorre de vontade própria, mas dos casos especificados na norma de processo (civil ou penal), seja para agir como parte, seja para funcionar como custos legis.

O Ministério Público tem o elevado encargo de defender a lei e o bem comum perante todos os tribunais6. O fiscal da lei não está exclusivamente a serviço da manutenção da ordem jurídica, nem mesmo do interesse social público, mas sobretudo da Justiça. Isso explica o princípio da legalidade a que estão adstritos, pelo que se denominam apropriadamente custos legis, os fiscais por excelência da lei. Contudo, reduzidíssima se demonstra, na prática, a intervenção do Ministério Público, seja em razão das limitações de capacidade processual, seja em face da competência material do Juizado Especial Cível.

O próprio exercício do direito de ação do Ministério Público, outorgado por força do artigo 81 do Código de Processo Civil, não pode ter lugar junto ao Juizado Especial Cível, eis que, não sendo o Ministério Público pessoa física, não pode ser autor. Em tese, admite-se a legitimidade do Ministério Público para interpor recurso, já que, para recorrer, não há a limitação acima descrita, mas tal somente pode ocorrer no caso em que o Ministério Público tenha atribuição prévia no feito7.

Isto porque os casos de intervenção obrigatória do Ministério Público, segundo dispõe o artigo 82 do Código de Processo Civil, são aqueles em que se verifica interesse de incapaz, causas concernentes ao Estado, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declarações de ausência e disposições de última vontade, e causas onde há interesse público.

A priori, já se vislumbra a ina-plicabilidade de qualquer destas situações aos processos do Juizado Especial Cível, eis que este juízo é incompetente para julgar as causas previstas no inciso II do artigo 82 do Código de Processo Civil, conforme o disposto no artigo 7o, § 2° da LJE, não dispondo o incapaz de capacidade para postular, como autor ou como réu, frente ao Juizado, que também não tem, dentre as causas de sua competência, hipótese onde se verifica interesse público.

Nos casos em que ocorra incapacidade superveniente (p. ex., na hipótese de interdição de qualquer das partes após instaurada a lide), também não surge hipótese de in-tervenção do Ministério Público, já que, surgindo a incapacidade, imediatamente será o feito extinto, na forma do disposto no artigo 51, inciso IV da LJE.

A despeito da reduzida atuação do Parquet nos Juizados Especiais Cíveis, por outro lado, verifica-se que o Ministério Público é uma das instituições que tiveram alargada a sua responsabilidade diante da Lei 9.099/95. Protagonista da transação penal; custodiador da liberdade individual através da proposição das penas alternativas; titular da proposta de suspensão condicional do processo, sem dúvida coube-lhe papel extremamente relevante no que concerne aos Juizados Especiais Criminais.

O advogado é, inegavelmente, um grande e fundamental agente construtor social em prol da cidadania. É artífice na renovação de ideias, de valores, de princípios, na proteção dos direitos e garantias fundamentais do homem.

O artigo 133 da Constituição Federal dispõe que "o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo...

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