Hipoteca judiciária: a (re)descoberta do instituto diante da Súmula n. 375 do STJ ? Execução efetiva e atualidade da hipoteca judiciária

AutorBen-Hur Silveira Claus
CargoJuiz do Trabalho da Vara do Trabalho de Carazinho ? RS (4a Região). Mestre em direito pela Unisinos
Páginas57-70

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“A hipoteca judiciária é plus — cria vínculo real, de modo que, na execução imediata ou mediata, está o vencedor munido de direito de sequela, que não tinha. Daí resulta que os bens gravados por ela podem ser executados como se a dívida fosse coisa certa, ainda se em poder de terceiro, que os haja adquirido sem fraude à execução. Não há boa-fé em tal aquisição, porque a hipoteca judiciária opera como qualquer outra hipoteca. [...] O exequente tem o direito de prosseguir na execução da sentença contra os adquirentes dos bens do condenado.”

Pontes de Miranda

1. Introdução

Instituto previsto no art. 466 do Código de Processo Civil1, a hipoteca judiciária não tem sido utilizada por magistrados e advogados, em que pese sua utilidade para a efetividade da execução. O advento da Súmula n. 375 do Superior Tribunal de Justiça — STJ, entretanto, veio resgatar a atualidade deste instituto esquecido pela prática judiciária2.

A a?rmação de que o advento da Súmula n. 375 do STJ veio resgatar a atualidade do instituto da hipoteca judiciária reclama explicação. É o que tento fazer a seguir.

2. A Súmula n 375 do STJ: proteção ao terceiro de boa-fé

A Súmula n. 375 do STJ assenta o entendimento de que “[...] o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”3.

A leitura do verbete revela que a Súmula
n. 375 do STJ visa a proteger o terceiro que adquiriu de boa-fé o bem do executado. Há uma clara opção pela segurança jurídica do negócio celebrado entre o executado e o terceiro adquirente de boa-fé.

Editada em 30.3.2009, a Súmula n. 375 do STJ teve inspiração no art. 240 da Lei dos Registros Públicos (LRP) e no art. 659, § 4º, do Código de Processo Civil.

O art. 240 da Lei Registros Públicos estabelece: “Art. 240. O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior.”

Já o § 4º do art. 659 do Código de Processo Civil atribui ao credor o ônus de registrar a penhora no cartório de registro de imóveis. Isso para que se estabeleça presunção absoluta de conhecimento por terceiros da existência da penhora. A atual redação do § 4º do art. 659 do CPC foi dada pela Lei n. 11.382, de 6.12.2006: “§ 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.”

Como é de intuitiva percepção, é muito difícil para o credor prejudicado provar que o terceiro adquirente agiu de má-fé ao adquirir

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o bem do executado. De acordo com inteligência da súmula, cabe ao credor prejudicado provar que o terceiro adquirente tinha conhecimento da existência da ação movida contra o executado-alienante. A má-fé do terceiro adquirente caracteriza-se pela prova de que ele tinha ciência da existência de demanda contra o executado por ocasião da aquisição do bem. Esse ônus de prova é atribuído ao credor.

A comprovação do conhecimento da existência da ação caracteriza a má-fé do terceiro adquirente. Não havendo tal comprovação, a diretriz da súmula é a de não reconhecer fraude à execução, preservando-se a e?cácia do negócio realizado entre o executado e o terceiro adquirente de boa-fé — em detrimento do interesse do credor prejudicado pela alienação do imóvel do executado.

3. A hipoteca judiciária como remédio contra os males da Súmula n 375 do STJ

Contudo, se, por ocasião da sentença, o juiz tomar a iniciativa de determinar o registro da hipoteca judiciária na matrícula dos imóveis da empresa reclamada, a existência desse gravame será considerada de conhecimento geral, pois o cartório de registro de imóveis é um registro público, que pode ser consultado por todas as pessoas. A iniciativa do juiz de determinar o registro da hipoteca judiciária é providência expressamente prevista no art. 466 do CPC4, a ser realizada de ofício.

Feito o registro da hipoteca judiciária, o terceiro adquirente já não mais poderá alegar a condição de adquirente de boa-fé, pois tinha acesso à informação5 da existência de ação judicial contra a empresa alienante (a futura executada), situação em que o terceiro adquirente passa a ser considerado adquirente de má-fé6. Em outras palavras, o registro da hipoteca judiciária esvazia a alegação de ter o terceiro adquirido o imóvel de boa-fé e atua para fazer caracterizar fraude à execução no negócio celebrado entre a empresa reclamada e o terceiro adquirente.

A teoria jurídica identi?ca a hipoteca judiciária como efeito anexo imediato da sentença condenatória7. Tal identi?cação decorre de expressa previsão legal (CPC, art. 466). Na lição de Luiz Guilherme Marinoni e de Daniel Mitidiero, “a e?cácia anexa é aquela que advém da lei, sem necessidade de pedido”8.

A previsão legal é a de que a sentença condenatória “[...] valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária” (caput). A previsão legal é completada pela a?rmação de que “A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária” (parágrafo único). É dizer, a simples publicação da sentença condenatória produz a hipoteca judiciária.

Publicada, a sentença condenatória produz a hipoteca judiciária cuja e?cácia é imediata quanto ao réu, que é parte no processo.

Entretanto, a e?cácia da hipoteca judiciária quanto a terceiros — que não são parte no processo — depende do respectivo registro no cartório imobiliário no qual estão registrados os imóveis da empresa reclamada. Realizado tal registro, presume-se em fraude à execução a alienação superveniente do imóvel hipotecado judiciariamente.

A pessoa que adquire o imóvel da empresa reclamada é considerada terceiro; trata-se do terceiro adquirente.

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Apesar das virtudes da hipoteca judiciária9 para a efetividade da execução, registra-se grande timidez dos magistrados trabalhistas na utilização dessa útil ferramenta. Observação semelhante é feita por Carlos Zangrando: “Não compreendemos a razão pela qual a garantia da hipoteca judiciária não é utilizada na prática, tanto no Processo do Trabalho quanto no Processo Civil. Talvez a resposta esteja no seu desconhecimento; ou talvez na vã concepção de que se possa alegar ‘fraude à execução’, se o réu se des?zer dos seus bens após demandado (CPC, art. 593, II). Infelizmente, a prática nos ensinou que, quando o processo chega a um estágio em que é necessário ao credor tentar anular a venda dos bens de devedor, tudo indica que a situação já se deteriorou a tal ponto que os riscos de frustração na execução aumentaram exponencialmente.”10Nada obstante a jurisprudência do TST já estar paci? cada a respeito da licitude da aplicação de ofício da hipoteca judiciária ao processo do trabalho11, ainda é bastante restrita a utilização dessa medida pelos juízes.

O advento da Súmula n. 375 do STJ, porém, opera como um importante estímulo à (re)descoberta da hipoteca judiciária. Isso porque os prejuízos que a Súmula n. 375 do STJ acarreta à efetividade da execução podem ser atenuados pelas virtudes do instituto da hipoteca judiciária.

4. As sete virtudes capitais da hipoteca judiciária

A timidez dos juízes do trabalho na utilização desse instituto jurídico pode ser mais facilmente vencida, na medida em que sejam percebidas as virtudes da hipoteca judiciária para a efetividade da execução trabalhista, virtudes a seguir resumidas.

4.1. A primeira virtude: a publicação da sentença constitui a hipoteca judiciária

A primeira virtude do instituto está na circunstância de que a hipoteca judiciária é constituída pela simples publicação da sentença condenatória.

A hipoteca judiciária é efeito anexo imediato da sentença estabelecido em lei: a mera publicação da sentença condenatória constitui a hipoteca judiciária, por força de previsão legal. A previsão legal está no caput do art. 466 do CPC: “Art. 466. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.” Segundo a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e de Daniel Mitidiero, “exemplo típico de e?cácia anexa é a produção de hipoteca judiciária (art. 466, CPC)”12.

Rati?cando a previsão de que a sentença condenatória constitui hipoteca judiciária, o parágrafo único do art. 466 do CPC explicita tal efeito anexo imediato da sentença, ao estabelecer que “A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária”. O verbo produz está para efeito anexo imediato, como a metáfora está para a poesia. Daí a assertiva categórica de Moacyr Amaral Santos: “Do só fato de haver sentença de efeito condenatório resulta, por força de lei, hipoteca judiciária sobre os

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imóveis do condenado, e, assim, o poder do autor de fazer inscrevê-la mediante simples mandado do juiz.”13

Portanto, a constituição da hipoteca judiciária decorre do mero advento da sentença condenatória, embora seja necessário o respectivo registro na matrícula dos imóveis da empresa reclamada no Cartório do Registro de Imóveis, a ?m de valer contra...

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