Introdução. Noções gerais

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas21-51

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1. A sociedade internacional Conceito. Elementos

Quando se fala em sociedade tem-se em mente o conjunto de pessoas cujo comportamento se desenvolve em determinado espaço territorial, com padrões culturais comuns1.

Provém a sociedade de estágios históricos de convivência humana como a família, o grupo de famílias, as comunidades, e entre suas características principais temos: a permanência de seus membros, a organização e um objetivo comum.

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Darcy Azambuja ensina que a sociedade é a união moral de seres racionais e livres, organizada de maneira estável e eicaz para realizar um im comum e conhecido de todos2.

Fácil apontar a sociedade circunscrita em um território como aquela a que pertencemos, dentro de um Estado. O Brasil forma uma sociedade especíica, apesar das diferenças regionais, como ocorre em outros países. Entretanto, falar de uma sociedade internacional importa esforço de abstração.

Quais os elementos que formariam uma sociedade internacional?

Ora, se se trata de uma sociedade, necessariamente, tais elementos são os mesmos das sociedades internas: permanência, organização e objetivo comum.

O fenômeno comunicativo, entendido não só nos estritos parâmetros da linguagem falada ou escrita, mas nos gestos, sinais, símbolos, etc., ocorre num só espaço físico - o mundo -, repleto de artefatos radiofônicos e televisivos.

Hoje, muitos anseios e preocupações humanas constituem pontos comuns da América à Europa, desta à Ásia, da Ásia ao continente africano. Há uma prática reiterada de iguais hábitos e iguais padrões de comportamento em diversos locais do Planeta. Não se pode deixar de ver no ser humano um único ser, cada vez mais parecido.

Esse fato deve-se ao grande desenvolvimento das comunicações. Espantoso assistir pela televisão ao momento do ataque aéreo na guerra entre dois países, com explicações do repórter, que em poucas horas de voo se deslocou de seu trabalho ou de sua residência e chegou à cena dos acontecimentos.

Mais espantoso ainda é a velocidade das informações via internet, que no mesmo segundo atravessa o mundo e provoca reações, respostas, e produz efeitos jurídicos, validamente apreciáveis ou não. Pode-se praticar um ato jurídico ou um crime, ou até um ato político, por intermédio desse instrumento que veio revolucionar não só as comunicações, mas o próprio mundo, tornando-o, efetivamente, sem quaisquer fronteiras.

O homem não vive mais isolado, e isso já faz alguns séculos. Todavia, a interdependência, principalmente econômica e política, intensiicou-se a partir da Segunda Guerra Mundial, com a formação de blocos de inluência: de um lado, os países liderados pelos Estados Unidos, e, de outro, aqueles liderados pela União Soviética.

A organização do mundo em Estados e estes dentro de organizações maiores, como a das Nações Unidas, a paz que perseguem, a necessidade de mútuo auxílio, revelam os traços de uma única sociedade: a sociedade internacional.

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A sociedade internacional é formada pelos Estados, pelos organismos internacionais e, sobretudo, pelos homens, como seres individuais e atuantes dentro de cada organização3.

1.1. Sociedades internas e sociedade internacional: Características

Essa sociedade tem características que a distinguem das sociedades internas. Estas são fechadas, possuem uma organização institucional e demonstram uma obrigatoriedade dos laços que envolvem os indivíduos arrimada em normas de Direito Positivo, hierarquizadas, de estrutura rígida. A sociedade internacional, ao contrário, caracteriza-se por ser universal, igualitária, aberta, sem organização rígida e com Direito originário.

Universal porque abrange todos os entes do globo terrestre. Igualitária porque supõe igualdade formal entre seus membros, o que está estreitamente ligado ao conceito de soberania quanto aos Estados. Aberta porque todos os entes, ao reunirem certas condições, dela se tornam membros, sem necessi-dade de aprovação prévia dos demais. Não tem a sociedade internacional os poderes encontrados nos Estados: Legislativo, Judiciário e Executivo, pelo menos na forma em que estes são constituídos nas sociedades internas. Contudo, tem-se criado órgãos similares, como a Corte Internacional de Justiça da ONU, o Tribunal de Justiça do Tratado de Roma ou a Conferência Geral da OIT. A verdade é que os membros da sociedade internacional pro-curam reproduzir nesse âmbito, como é natural, por meio das organizações que criam, os institutos conhecidos nas sociedades internas.

Temos para nós, no entanto, que a hierarquização diicilmente ocorrerá, sendo a cooperação internacional a regra que motiva o relacionamento entre os membros.

É, por im, a sociedade internacional uma sociedade descentralizada, tendo observado George Scelle que nela predomina o princípio do desdobramento funcional, no sentido de que os próprios Estados, os maiores autores e destinatários das normas internacionais, emprestam seus órgãos para que o Direito se realize, como menciona Albuquerque Mello4.

O mesmo autor lembra a opinião de outros estudiosos, contrária à existência de uma comunidade internacional nos termos acima enfocados, ante a constatação de três antinomias: a) de um lado, a ordem pública, que

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pressupõe uma estabilidade, e, do outro, a ideia de revolução; b) a ideia de cooperação e a ideia de soberania; e c) o direito à autodeterminação dos povos e a divisão do mundo em zonas de inluência.

Não entendemos dessa forma. Tais aparentes contradições é que ensejam a necessidade da comunhão e da harmonia. Por incrível que pareça, o mundo atual é uma prova de que isso ocorre, porque, se assim não fosse, já de há muito não mais existiria, teria sido dizimado por uma guerra total. O espírito humano, ainda caminhando para o aperfeiçoamento, provoca conli-tos localizados, e há sempre o perigo de uma nova guerra mundial; todavia, o esforço para a paz e o progresso é muito maior e acontece por intermédio das organizações criadas pelo homem (Estados, organismos, etc.).

1.2. Sociedade internacional Instinto gregário. Pulsões

O instinto gregário justiica a sociedade. Não podemos deixar de pensar que tal instinto gregário e a necessidade de acertar são consequências da pulsão de vida e as guerras e os desforços físicos, em direção à destruição, representam a pulsão de morte, conforme noções dadas pela Psicanálise.

Tais pulsões, embora normalmente postas em relação ao indivíduo, cremos que passam para o Estado e para as organizações por ele criadas, assim como as virtudes e defeitos próprios do ser humano, porquanto suas criações sociais e jurídicas não podem fugir de suas concepções e das relações de interação que estabelecem na vida.

O dualismo psíquico, vida e morte, eros e destruição, é inerente ao indivíduo e às comunidades que cria, com a prevalência do impulso maior de conservação da vida. Se assim não fosse, o mundo não mais existiria.

Todavia, em “O mal-estar na civilização” Freud aponta o sofrimento, como corrente na sociedade, e deslinda três fontes para tanto: a prepotência da natureza, a fragilidade de nosso corpo e a insuiciência das normas que regulam os vínculos humanos na família, no Estado e na sociedade. Exatamente, em relação a esta última fonte, a social, Freud observa que as instituições criadas pelo homem deveriam trazer o bem-estar, mas não o fazem.5

O Direito e os sistemas que cria vivem este dualismo e instintual, essas duas forças antagônicas que se atraem e se repelem, e as diversas teorias que buscam justiicar a sociedade internacional, como aquelas que se debruçam sobre as sociedades internas, tentam encontrar objetivamente, nas regras jurídicas, uma forma de tornar o mundo social realizável, aceito e compreensível.

Mais uma vez, valemo-nos de Freud, no estudo “O futuro de uma ilusão”, que nos dá a medida dessa tensão fundamental: “Tem-se a impressão de que

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a civilização foi algo imposto a uma maioria recalcitrante por uma minoria que soube se apropriar dos meios de poder e de coação. Naturalmente cabe supor que tais diiculdades não são da própria essência da cultura, mas determinadas pelas imperfeições das formas culturais até agora desenvolvidas. E realmente não é difícil apontar esses defeitos. Enquanto a humanidade fez contínuos avanços no controle da natureza, podendo esperar avanços ainda maiores, não se constata seguramente um progresso igual na regulação dos assuntos humanos, e provavelmente em todas as épocas, como agora novamente, muitos indivíduos se perguntaram se valia mesmo a pena defender tal porção da conquista cultural. Pode-se acreditar que...

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