Interrupção e suspensão do contrato de trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1177-1223

Page 1177

I Introdução

Interrupção e suspensão contratuais são figuras justrabalhistas que sustam de modo restrito ou amplo, mas provisoriamente, os efeitos das cláusulas componentes do respectivo contrato.

Não se confundem as duas figuras com as alterações objetivas do contrato de trabalho. É que elas não envolvem, de maneira direta, a modificação de cláusulas do contrato, mas apenas a efetiva sustação provisória de seus efeitos.

Não se confundem, ainda, as referidas figuras com as garantias de emprego. É bem verdade que também estas restringem o poder de ruptura contratual aberto pela ordem jurídica ao empregador (como o fazem a interrupção e suspensão contratuais). Porém, tais garantias de emprego preservam a plena vigência e eficácia de todas as cláusulas do pacto empregatício durante todo o prazo da respectiva garantia, ao passo que a interrupção e a suspensão esterilizam os efeitos das cláusulas afetadas durante o prazo interruptivo ou suspensivo.

II Conceito e denominações
1. Conceituação

Interrupção e suspensão do contrato empregatício são institutos que tratam da sustação restrita ou ampliada dos efeitos contratuais durante certo lapso temporal.

A suspensão contratual é a sustação temporária dos principais efeitos do contrato de trabalho no tocante às partes, em virtude de um fato juridicamente relevante, sem ruptura, contudo, do vínculo contratual formado. É a sustação ampliada e recíproca de efeitos contratuais, preservado, porém, o vínculo entre as partes.

Já a interrupção contratual é a sustação temporária da principal obrigação do empregado no contrato de trabalho (prestação de trabalho e disponibilidade perante o empregador), em virtude de um fato juridicamente relevante, mantidas em vigor todas as demais cláusulas contratuais. Como se vê, é a interrupção a sustação restrita e unilateral de efeitos contratuais.

Page 1178

2. Denominações

A doutrina aponta certa variedade de denominações no que tange a essas duas figuras trabalhistas. É comum chamar-se a interrupção contratual de mera interrupção da prestação de serviços; é comum também distinguir-se entre suspensão total e suspensão parcial, a primeira correspondendo à suspensão propriamente dita, e a segunda, à interrupção contratual.

A primeira das denominações variantes (interrupção da prestação de serviços) justifica-se pelo fato de a sustação de efeitos incidir apenas sobre a prestação laborativa (e disponibilidade obreira, é claro), mantendo incólumes as demais cláusulas contratuais. Délio Maranhão preferia esta denominação variante: “No Direito do Trabalho costuma-se falar, entre nós, em interrupção do contrato nos casos em que o empregador é obrigado a pagar salário, embora esteja o empregado desobrigado da prestação do serviço. Mais apropriado seria ‘falar-se em execução incompleta’. Na verdade, se, ainda que parcialmente, o contrato se executa, não estará suspenso. E o que se interrompe, no caso de suspensão, não é o contrato, mas sua execução. Assim, no contrato de trabalho, quando ocorre a hipótese de execução incompleta, verifica-se a interrupção da prestação do serviço: o contrato, este continua em plena vigência. Daí não acarretar tal interrupção prejuízo salarial, nem impedir o cômputo do respectivo período no tempo de serviço”1.

As duas outras denominações variantes (suspensão total e suspensão parcial) são defendidas por Orlando Gomes e Elson Gottschalk. Assim expõem os clássicos autores: “A suspensão pode ser total ou parcial. Dá-se, totalmente, quando as duas obrigações fundamentais, a de prestar o serviço e a de pagar o salário, se tornam reciprocamente inexigíveis. Há suspensão parcial quando o empregado não trabalha e, não obstante, faz jus ao salário”2.

A expressão interrupção contratual merece, de fato, as críticas expostas pelos referidos autores (além de outras objeções, já que ela escapa ao sentido clássico que a palavra interrupção tende a assumir no Direito em geral). Contudo, não parece prático, hoje, atribuir-se exagerado valor a tais questionamentos: é que, afinal, a expressão consta, há décadas, de texto de lei (ver capítulo da CLT que trata “Da Suspensão e da Interrupção” — arts. 471 a 476) — o que lhe confere certa consistência operacional no Direito positivo. Além disso, desde que fique claro o conteúdo que se atribui a cada uma das expressões no Direito do Trabalho, elas estarão cumprindo o papel que a ciência estipula às denominações, isto é, identificar objetos específicos.

Page 1179

Por tudo isso, este livro utilizará indistintamente as expressões interrupção contratual, interrupção da prestação de serviços e suspensão parcial do contrato para se referir à primeira das duas figuras trabalhistas contrapostas; por fim, utilizará as denominações suspensão contratual e suspensão total do contrato para se referir à segunda das figuras trabalhistas comparadas.

III Distinções relevantes

O estudo das distinções entre as figuras da interrupção e suspensão do contrato de trabalho tem de enfrentar, inicialmente, um debate de caráter epistemológico: a validade ou não da própria existência da diferenciação instituída pela CLT.

Apenas após enfrentado tal debate é que será cabível discorrer-se sobre a presença de distinções significativas entre as duas figuras celetistas.

1. Interrupção e Suspensão: críticas à tipologia celetista

Há na doutrina trabalhista, mesmo hoje, acentuado debate sobre a própria validade científica da tipologia inserida na CLT. Duas correntes se posicionam: a negativista e a vertente favorável à tipologia examinada.

Efetivamente, de um lado situam-se autores que negam cientificidade à referida diferenciação de figuras, argumentando que seria inclusive destituída de valor prático; em outro polo, situam-se aqueles que consideram essencialmente válida a tipologia trabalhista ora examinada.

A visão negativista sustenta que a distinção produzida pela lei não teria validade científica por não comportar um critério claro e uniforme para enquadramento das situações enfocadas e classificação de seus efeitos. Nesta linha, o jurista Amauri Mascaro Nascimento: “Preferimos sustentar que melhor seria uma só figura, a suspensão, em vez de duas figuras, suspensão e interrupção. Não há validade científica nessa distinção. Seus efeitos são apenas didáticos. Não é correto também dizer suspensão do contrato, expressão que mantemos porque assim é na doutrina preponderante. O contrato não se suspende. Suspende-se sempre o trabalho, tanto nas denominadas suspensões como nas interrupções. Suspenso o trabalho, haverá alguns efeitos jurídicos. Esses efeitos são variáveis. Referem-se ao salário em algumas hipóteses mantido e em outras não, ao recolhimento dos depósitos do Fundo de Garantia, à contagem do tempo de serviço para fins de indenização, à contagem dos períodos aquisitivos de férias, etc.”3.

Page 1180

A visão favorável à tipologia celetista sustenta que a distinção efetivada pela lei é bastante clara e transparente em seus critérios de classificação, permitindo uma nítida visualização de diferenciadas situações e efeitos jurídicos. Portanto, se as situações classificadas são substantivamente diferentes e se despontam delas efeitos jurídicos substantivamente diversos, é cientificamente válida, além de prática, a tipologia construída pelo Direito do Trabalho (arts. 471 a 476, CLT).

Para esta última vertente, a distinção legal constrói-se em torno de critério nítido e objetivo, sendo tal distinção funcional e prática à compreensão de um relevante grupo de fenômenos e regras jurídicas (grupo muito numeroso, a propósito). É verdade que algumas poucas situações se encaixam com dificuldade nessa tipologia dual (suspensão versus interrupção). Contudo, isso ocorre por razões também claramente objetivas e práticas: é que a lei, embora sabendo que certos fatos ou atos deveriam ensejar, tecnicamente, a suspensão contratual, busca minorar, ainda assim, os reflexos negativos da suspensão sobre os interesses obreiros, impondo ao empregador que compartilhe uma fração de efeitos resultantes daquele fato ou ato que se abateu sobre o contrato. É o que acontece, por exemplo, com o afastamento previdenciário superior a 15 dias em decorrência de acidente de trabalho: embora seja, tecnicamente, suspensão contratual, alguns efeitos trabalhistas mantêm-se em vigor em benefício obreiro (ilustrativamente, depósitos de FGTS).4

Ora, essas poucas situações excepcionais não invalidam a tipologia. É que ela absorve, fielmente, a grande...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT