Interrogatório por videoconferência e os direitos fundamentais

AutorTarsila Guimaraes
CargoGraduada pela Universidade Federal de Goiás, Advogada e especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás
1 Introdução

Consoante lição de Norberto BOBBIO, hoje, o problema fundamental em relação aos direitos do homem não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los (1992: p. 24).

Nesse sentido, de proteção e efetivação dos direitos, Mauro CAPPELLETTI e Bryant GARTH organizaram um estudo acerca do acesso à ordem jurídica justa, identificando três ondas renovatórias (1988: p. 31). A primeira onda referiu-se à assistência judiciária aos necessitados, isto é, a busca de mecanismos para se garantir o acesso à justiça e se efetivar a defesa dos hipossuficientes. A segunda objetivou encontrar técnicas processuais para proteção dos interesses difusos, coletivos e transindividuais. Já a terceira onda buscou dar um novo enfoque ao acesso à justiça, consistente na idéia de efetividade do processo, caracterizada por uma justiça integral, ampla e irrestrita. É nessa onda que se insere o princípio da celeridade processual (LENZA, 2007: p. 610-611, 745-746).

Dessa forma, no afã em se dar efetividade, agilidade e rapidez na prestação da tutela jurisdicional, garantindo-se, por conseguinte, a efetivação do acesso à justiça, trouxe-se à baila a discussão sobre a utilização do interrogatório por videoconferência no processo penal brasileiro.

Além dessa preocupação com os princípios da celeridade e efetividade processual, a utilização do interrogatório on-line implica, segundo seus defensores, economia de gastos públicos com transferência e escolta de detentos; redução da possibilidade de fugas; maior segurança na manutenção dos encarcerados e da própria sociedade e aplicação em maior amplitude do princípio do juiz natural.

Por outro lado, cumpre notar que a aplicação da teleaudiência no processo penal brasileiro poderia ensejar a violação de princípios constitucionais, tais como: devido processo legal, contraditório, ampla defesa, publicidade.

Nessa perspectiva, faz-se imperiosa a discussão da possibilidade em se adotar o interrogatório por videoconferência na sistemática processual brasileira, sobretudo, quando se leva em conta que a estrutura do processo penal de uma nação é, na realidade, um indicativo do exercício democrático ou não dos poderes (GOLDSCHIMDT, 2002: p. 71).

2 Contextualização do tema do interrogatório por videoconferência no atual cenário jurídico e político brasileiro

A utilização da tecnologia na realização de atos judiciais não é novidade. Já em meados de 1996 foi realizado, por um juiz em Campinas/SP, o primeiro interrogatório sem a presença física do réu na sala de audiência. Naquela oportunidade, o sistema utilizado conectava o réu aos demais sujeitos processuais por meio apenas das palavras, sem imagem (BRANDÃO, 2004: p. 01).

Todavia, essa discussão tomou espaço nas manchetes dos meios de comunicação, especialmente no ano de 2007, em virtude dos gastos na operação para o interrogatório do mega traficante Fernandinho Beira Mar, corroborada pela possibilidade de fuga do referido preso.

Ademais, do ponto de vista jurídico, foram editadas leis estaduais, como a Lei n. 11.819/2005, de São Paulo, a Lei n. 4.554/2005, do Rio de Janeiro e a Lei n.7.177/2002, da Paraíba, que prevêem a possibilidade de, nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, a utilização de aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, desde que observadas as garantias constitucionais.

Nesse mesmo sentido, o Senado Federal aprovou, no dia 24.10.2007, o substitutivo da Câmara a projeto de lei do Senado (PLS n. 139/2006) que alterava o Decreto-lei n. 3.689/1941 (Código de Processo Penal- CPP), para prever a videoconferência como regra no interrogatório judicial, modificando o disposto no seu art. 185 do CPP. O projeto foi encaminhado ao Presidente da República que o vetou. Apenas a título de informação, a Lei n. 11.690/2008, aprovada em 09.06.2008, alterou o art. 217 do CPP, admitindo a possibilidade de inquirição de testemunha por videoconferência, se o juiz verificar que a presença do réu lhe causará humilhação, temor ou sério constrangimento, prejudicando a verdade do depoimento e, somente na impossibilidade dessa forma, determinar-se-á a retirada do réu da sala de audiências.

Além disso, recentemente, a discussão também ganhou destaque no Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 14.08.2007, a Segunda Turma do STF, no HC n. 88.914-SP, relator ministro César Peluso, ausente apenas o ministro Joaquim Barbosa, decidiu, por unanimidade, pela inadmissibilidade da videoconferência no interrogatório de um acusado condenado em primeira instância a 14 (catorze) anos por extorsão mediante seqüestro e pela renovação do processo desde o interrogatório. Nesse sentido:

AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.

Com efeito, uma vez contextualizada a discussão acerca da utilização do interrogatório on-line tanto do ponto de vista jurídico (aprovação do projeto de lei n. 139/2006 pelo Congresso Nacional e à vista da legislação de alguns estados que já disciplinam a matéria), como do ponto de vista econômico (em virtude das recentes informações sobre gastos com escolta e transporte de presos), assim como do ponto de vista prático (decisão do STF anulando ação penal desde o interrogatório que foi realizado por videoconferência), passa-se a analisar efetivamente a constitucionalidade da adoção da teleaudiência no processo penal brasileiro.

3 Propaladas vantagens da adoção do interrogatório on-line

Prima facie, impende destacar que as vantagens da utilização do interrogatório por videoconferência, segundo seus defensores, baseiam-se em cinco premissas básicas: celeridade processual; segurança pública; economia de gastos públicos; não aplicação do princípio da identidade física do juiz no processo penal; incidência em maior amplitude do princípio do juiz natural.

De acordo com a sistemática processual brasileira, o réu preso deve ser citado pessoalmente para ser interrogado acerca dos fatos que lhe são imputados (art. 360 do CPP). Assim, uma vez citado, por ocasião do seu interrogatório, não sendo o caso de oitiva no estabelecimento prisional (art. 185, § 1º do CPP), deve o réu preso ser conduzido até a sala de audiências a fim de que possa ser interrogado. Para tanto, é necessária a estruturação e a mobilização de todo um aparato administrativo, capaz de planejar o itinerário das escoltas, o modo de sua locomoção, os agentes que farão parte dela etc., garantindo, dessa forma, que o deslocamento dos presos seja feito com segurança, o que demanda tempo e pode implicar em lentidão no trâmite dos processos judiciais.

Nessa senda, pela videoconferência, o interrogatório do réu preso seria agilizado, já que se dispensaria a mobilização do aparato do Estado na escolta do preso até o Fórum, em consonância com o disposto na Carta Magna, art. 5º, LXXVIII, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14, § 3º, Decreto n. 592/1992) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, Decreto n. 678/1992).

Nessa perspectiva, a utilização do interrogatório por videoconferência no processo penal aceleraria a prestação jurisdicional através de um processo sem dilações desnecessárias, reforçando a premissa de que o processo não pode ser tido como um fim em si mesmo, mas, ao contrário, deve se constituir em instrumento eficaz de realização do direito material (WEDY, 2006: p. 94-96).

Além da celeridade processual, o interrogatório por videoconferência reduziria os riscos de fugas e resgates dos réus decorrentes do deslocamento da escolta. Nesse passo, o interrogatório on-line teria uma preocupação com a garantia da segurança pública, na medida em que não são raras as tentativas de fuga decorrentes do transporte de preso, tal como ocorreu recentemente2.

O transporte de presos para interrogatórios além de aumentar o risco de fugas, não raro, tumultua o trânsito e exige organização de estrutura de segurança também nas dependências dos Fóruns, por onde os presos transitam, colocando a si mesmos e outras pessoas em risco, à vista da possibilidade de os policiais utilizarem suas armas para evitar resgates, fugas e de eventuais agressões de terceiros.

Assim, na perspectiva de diminuir esses riscos, o interrogatório por videoconferência colocar-se-ia como uma alternativa, propiciando maior segurança pública. Ademais, os recursos humanos e materiais que são utilizados no transporte e escolta de presos poderiam ser destinados para a principal finalidade da segurança pública, qual seja prevenção e repressão de crimes, conforme dispõe o art. 144 da CF/1988 (COELHO, 2007: p. 01-02).

Além dos argumentos acima...

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