Interdito proibitório na Justiça do Trabalho

AutorHumberto d'Ávila Rufino
CargoAdvogado, sócio titular do Escritório Jurídico Humberto Rufino Advogados Associados
Páginas122-138

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1. Introdução

A motivação — e o enfoque principal — que conduz o presente estudo encontrou sua razão de ser em notícias informando certa tendência dos Tribunais à criminalização dos movimentos sociais, especialmente as greves. Mais acentuadamente, isso se faz sentir perante a Justiça Comum do que junto à Justiça do Trabalho, uma vez que a inclinação jurisprudencial deste ramo do Judiciário se modi?cou substancialmente com a reforma constitucional competencial ocorrida no ano de 2004.

A comunicação, por intermédio da mídia — escrita ou falada — a respeito da ocorrência de um movimento de greve, sempre conduz à uma escuta ou leitura desse fato social no sentido de que a aceitação das ações desenvolvidas pelos grevistas é vista com reservas pela população em geral ou pela comunidade diretamente envolvida.

Não há como deixar de reconhecer que a paralização temporária de serviços ou atividades com as quais a população está acostumada a afeta sensivelmente, fazendo com que todos reclamem e se tornem insatisfeitos. Isto porque, sem dúvida, a greve força a modi?cação de hábitos — às vezes até com algum custo adicional ou despesas imprevistas — e impele à busca de alternativas que nem sempre são alcançadas.

Nessas situações, a insatisfação da comunidade ou da população é intensi?cada por mensagens — produzidas por solidariedade à categoria econômica pelos meios de comunicação — que só fazem aumentar ainda mais a revolta para com a situação causada pelo movimento de greve.

Di?cilmente, as poucas notícias favoráveis ao grevistas ou às suas reivindicações conseguem se sobrepor àquelas que enfatizam os aspectos negativos que complicam a vida e o cotidiano da população, especialmente quando também apresentam números para o custo social do movimento.

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Jamais — ou muito poucas vezes — a população consegue identi?car nas reivindicações apresentadas pelos grevistas algo em comum, de modo que o que se passa na greve sempre será estranho à maioria das pessoas, como algo que não nos diga respeito. Raramente é possível — até por falta de elementos ou informação censurados por razões ideológicas — aproximar as reivindicações dos grevistas à realidade que cerca os demais membros da comunidade em geral ou da própria população, sejam os reclamos com fundo econômico (salários) ou jurídico (condições de trabalho).

O interdito proibitório, embora seja ação de natureza possessória, tem se constituído no principal instrumento jurídico utilizado pela categoria econômica para obter a criminalização dos movimentos grevistas, pois coloca em confronto o direito à propriedade (art. 5º, inciso XXII da CF) e o direito de greve (art. 9º da CF), induzindo à relativização de valores tais como a dignidade da pessoa humana, a função social da propriedade, a liberdade sindical e outros mais.

Não sendo nenhum desses direitos plenamente absolutos — greve ou propriedade —, transfere-se aos Tribunais Trabalhistas a árdua e difícil missão de harmonizar os direitos fundamentais decorrentes desses valores fundamentais e constitucionais, especialmente a missão de reverter a construção jurisprudencial que não soube superar as questões ideológicas naturalmente ínsitas ao exercício da paralisação do trabalho diante das concepções civilistas do patrimônio.

A esperança é a de que as conclusões conservadoras, que não enfrentam o fato de que os movimentos fundados no direito de greve trazem por sua própria natureza um rompimento com a ordem jurídica que encontra-se autorizado e tolerado, pois consistem na única e legítima forma de luta para os operários alcançarem melhores condições de trabalho e de vida, cedam espaço a uma prestação jurisdicional mais consentânea com a proteção dos trabalhadores e a dignidade humana.

Ainda que qualquer movimento paredista não goze da simpatia da população ou do capital, a sua eclosão deve ser acompanhada do respeito pelas autoridades, de modo que o Estado tem a obrigação institucional de garantir que o con?ito instaurado alcance solução por meio da negociação entre as próprias categorias pro?ssional e econômica, tal como recomendam as orientações emanadas da Organização Internacional do Trabalho, adotadas pela nossa Carta Constitucional.

Assim é que, embora com limitações, este estudo procura contribuir para que o movimento grevista, justi?cado política e sociologicamente, seja compreendido e interpretado pelos Tribunais Trabalhistas de forma adequada, atentando para que as manifestações emanadas do exercício do direito de greve não sejam obstaculizadas por instrumentos jurídicos mal ou falaciosamente operados e que frustram a negociação coletiva e causam prejuízo à efetividade das negociações entre empregados e patrões e, até, em certos casos, constrangimento às entidades sindicais organizadoras do movimento pela imposição de pesadas e árduas multas (astreintes).

2. Da ação de interdito proibitório

O interdito proibitório é um instrumento jurídico utilizado para assegurar ao possuidor, preventivamente, o direito de não ser molestado, nem privado de sua posse, com aplicação de penalidade cominatória em caso de descumprimento da medida. Este instituto está previsto no art. 932, do Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973), que assim estabelece: “O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.”

A respeito dessa ação, Venosa (2006, p. 138) ensina:

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O interdito proibitório é remédio conce-dido ao possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse (art. 932 do CPC). [...] Sua particularidade é o caráter preventivo. Busca-se evitar a ofensa à posse. Tem por ?nalidade afastar, com a proibição emanada do comando judicial a ameaça de turbação ou esbulho. Theodoro Júnior (2006, p. 148), por seu turno, ressalta:

Enquanto os interditos de reintegração e manutenção pressupõem lesão à posse já consumada, o interdito proibitório é de natureza preventiva e tem por objetivo impedir que se consume dano apenas temido. O mandado que o possuidor obtém, na última hipótese, é de segurança contra esbulho ou turbação iminente, no qual, além da interdição do mal ameaçado, haverá também a cominação de pena pecuniária para eventualidade de transgressão do preceito (art. 932).

A disposição contida no art. 1.210 do Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), também trata do assunto, ao prever que: “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.” Portanto, a existência de justo receio do interessado de ser molestado na sua posse e a iminência do risco de turbação ou esbulho são pressupostos intrínsecos para o exercício dessa ação.

Colhe-se, das lições do jurista Marcato (1999, p. 125), que:
a concessão do mandado proibitório implica necessariamente o reconhecimento, pelo juiz, da pertinência do justo receio demonstrado pelo autor de ver a sua posse na iminência de ser molestada pelo réu, daí a correção da advertência feita por Adroaldo Furtado Fabrício no sentido de que “o justo receio, de um lado, é o temor justi?cado, no sentido de estar embasado em fatos exteriores, em dados objetivos. Nesse enfoque, não basta como requisito para obtenção do mandado proibitório o receio infundado, estritamente subjetivo — ainda que existente... O que importa é a seriedade da ameaça, sua credibilidade, sua aptidão para infundir num espírito normal o estado de receio.

Por isso, nos interditos proibitórios, o risco apontado de turbação ou esbulho, além de iminente, deve ser igualmente aferível por elementos concretos, objetivos, carreados aos autos e su?cientes para justi?car a concessão liminar do pleito, inaudita altera pars, ou no curso da instrução do processo (arts. 933 c/c 927, do Código de Processo Civil).

Não é demais referir que a sentença que emana do interdito proibitório tem carga puramente mandamental e se esgota no próprio mandamento que lhe traduz e lhe dá força, dado o caráter satisfativo da medida, especial-mente se concedida em análise sumária, initio litis, quando há determinação de cominação de pena pecuniária em caso de transgressão do mandado judicial.

Eis porque o interdito proibitório tem sido utilizado no direito do trabalho para a defesa da posse, ameaçada de turbação ou risco de esbulho, com mais frequência na ocorrência dos con?itos coletivos, pois a força manda-mental da decisão liminar que nele porventura venha a se conceder tem imediata vantagem e consequência de inviabilizar ou enfraquecer o movimento logo no início da de?agração da greve.

Poucas vezes, os empregadores — e até os empregados — fazem uso desse instrumento processual para solucionar questões pertinentes aos con?itos individuais, diretamente decorrentes da prestação de trabalho, embora seja plenamente cabível.

Dentre algumas outras formas de aproveitamento do interdito proibitório na Justiça do Trabalho, voltadas para os con?itos que envolvam situações individuais, podemos apontar

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aquelas em que o empregador tenha fornecido ou cedido o imóvel para o empregado durante a contratualidade (zelador de condomínio, caseiro de sítios ou chácaras, trabalhador doméstico ou, mesmo, executivos que recebam como parte do salário a moradia ou outro bem em razão do contrato de trabalho). Também pode acontecer que a...

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