O Abuso do Poder Financeiro Praticado Contra Interditados Titulares de Holerites: A Exploração Via Crédito Consignado

AutorGeraldo de Faria Martins da Costa - Maria Aparecida Rodrigues Jabour
CargoProcurador de Justiça - Minas Gerais - Coordenadora da Assessoria Técnico-Jurídica junto às Procuradorias de Justiça Cíveis e Criminais PGJ-MG
Páginas73-82

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1. Introdução: casos judiciais concretos de empréstimos financeiros concedidos a pessoas interditadas

Em nossa atuação profissional nos últimos meses, observamos certo número de recursos que tramitam ou que tramitaram no Tribunal de Justiça de Minas Gerais discutindo o problema dos empréstimos bancários fornecidos a pessoas interditadas civilmente, sem a assistência ou a representação de curadores. Os casos judiciais referem-se a pretensões de nulidade e/ou suspensão de cobranças de prestações.

No primeiro momento, nos aproximaremos de um caso que mostra bem como o sistema jurídico brasileiro carece de atualização legislativa que institucionalize a luta contra o superendividamento. Em seguida, salientaremos que a lei do crédito consignado é tanto iníqua quanto inconstitucional. Por fim, proporemos uma conclusão caracterizada pela insistência.

2. Empréstimo financeiro outorgado a uma senhora alcoólatra, interditada e superendividada

Dentre os casos julgados, propomos uma visão mais próxima do Acórdão proferido no Agravo de Instrumento 1.0223.11.025.381-0/001, julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que litigavam a civilmente incapaz senhora R.C.L.A.P de um lado, e, de outro lado, Banco Santander S/A e Banco Bonsucesso S/A.

Em 12 de setembro de 2011, a senhora R.C.L.A.P. firmou com o Banco Santander Brasil S/A um contrato de mútuo no valor de R$ 74.041,27 a ser pago em 60 parcelas mensais no valor de R$ 2.000,00.

Todavia, segundo os autos, a senhora R.C.L.A.P., por ser "alcoólatra, usuária de drogas ilícitas, portadora de transtorno mental CID-10F10 e incapacitada de reger sua própria pessoa e seus rendimentos, era interditada desde 12/09/2008, e o negócio foi realizado sem anuência de sua curadora legal".

Por isso, ela propôs ação de nulidade com pedido de antecipação de tutela para suspender o desconto das prestações realizado em sua folha de pagamento.

O juiz a quo indeferiu a antecipação de tutela argumentando que seria necessária a instrução processual para comprovar a incapacidade da agravante "no momento da celebração do contrato". Contra esta decisão foi interposto o agravo de instrumento.

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O processo recebeu o parecer da Procuradoria de Justiça, que opinou pelo provimento do agravo, pois, além de constar nos autos cópia da decisão que decreta a curatela provisória de R.C.L.A.P., havia provas de que, no momento da transação, ela se encontrava em situação de superendividamento.

Salientou o procurador de justiça em seu parecer que, no documento denominado "informações de inadimplência ou mora de SPC", contendo informações de ampla acessibilidade dos bancos e profissionais do sistema financeiro, "contam-se 14 dívidas abertas da senhora, todas anteriores ao crédito consignado". Além disso, salientou o parquet, consta nos autos prova de que, no dia 21 de novembro de 2011, foi julgado procedente o pedido de interdição, declarando-a absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil.

Nos autos do mencionado agravo de instrumento há uma cópia da peça de contestação feita pelo Banco Bonsucesso. Este alega que "não há contratação via termo de adesão, mas relação cambial decorrente de operação de crédito mediante pagamento por consignação em folha representada por cédula de crédito bancário emitida em 22/09/2008 pela autora (a interditada) em favor do Banco".

A instituição bancária chega a insinuar que o Código Civil não se aplica à espécie: "a distinção está em que, enquanto na hipótese de contrato a disciplina legal fica a cargo do Código Civil brasileiro, no título de crédito, que possui natureza distinta, a regência é a da Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, que dentre outras matérias, disciplinou a emissão de cédula de crédito bancário, com a finalidade de instrumentalizar operação de crédito de qualquer modalidade (art. 26)".

Percebe-se que a utilização desse argumento por parte do banco representa uma tentativa de burlar a aplicação do Código Civil, que proclama a nulidade de contrato firmado por pessoa absolutamente incapaz, nulidade esta não suprível, conforme as regras do artigo 166, I, combinado com os artigos 3º, II, e 168.

Em resumo, o juízo a quo considerou "não cabalmente comprovada a incapacidade" da referida senhora. Em grau de recurso, os julgadores ad quem nem mesmo se impressionaram com a quantidade excessiva de dívidas que oprimiam a jurisdicionada, e negaram provimento ao recurso.

A respeito da situação de excessivo endividamento vivenciada pela interditada, o Ministério Público argumentou naqueles autos:

"o empréstimo foi realizado mesmo diante das informações de inadimplência ou mora de SPC e/ou SPCCheque de fls. 44-45; e neste documento que contém

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informações de ampla acessibilidade dos bancos e profissionais do sistema financeiro, contam-se 14 dívidas em aberto da Sra. R. C.L.A.P, todas anteriores ao crédito consignado de fls. 55. Nítida está a má-fé do agente econômico,...

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